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Ler, sempre, de preferência nas mais diversas áreas de conhecimento, indubitavelmente é um potente "combustível" para o nosso aprimoramento intelectual. Eis a razão desta seção de publicação de resenhas sobre livros. Ela não deve ficar a cargo apenas dos componentes do Nepet. Ao contrário, deve ser um fórum onde todos possam nos brindar com as mais variadas contribuições através de relatos e informações que emprestem à leitura um forte componente para alimentar as reflexões na educação tecnológica.

(As resenhas são feitas a partir do original que foi lido.)


Você só pode estar brincando, Sr. Feynman! Richard Philips Feynman. Nova York: W. W. Norton & Company, 1997, 350 p.

Surely you’re joking, Mr. Feynman: the adventures of a curious character
Richard Philips Feynman
Nova York: W. W. Norton & Company, 1997, 350 p.

“Finalmente, eu disse que não sabia como alguém poderia ser educado por este sistema de auto-propagação no qual as pessoas passam nos testes, e ensinam os outros a passar em testes, mas ninguém entende nada.”

Apesar de ter sido laureado com o Prêmio Nobel de Física em 1965, ter feito parte do Projeto Manhattan – projeto responsável pela construção da primeira bomba nuclear –, ser aclamado como o autor do melhor curso introdutório de física do mundo – o The Feynman Lectures on Physics –, por muitos considerados um dos melhores professores do século XX, ter desenvolvido a teoria com maior precisão experimental da história da física até então – a eletrodinâmica quântica –, Richard Feynman é extremamente humilde.

Seu livro, que esteve na lista de mais vendidos do The New York Times, é uma coletânea de histórias da vida desse consagrado físico teórico, podendo ser até chamado de uma autobiografia. Cada uma delas é uma lição de vida. Lá ele conta sua vida como garoto, seus anos de faculdade, doutorado, suas visitas ao exterior – inclusive ao Brasil, fazendo comentários interessantíssimos sobre este acontecimento –, sua vida no Projeto Manhattan, como físico teórico, professor e eterno aprendiz. Feynman mostra-se ser, sem dúvidas, o estereótipo de uma pessoa extremamente dedicada ao que faz, independentemente do campo de trabalho.

O livro, acima de tudo, é uma grande reflexão sobre o paradigma educacional não só estadunidense, mas global. De um jeito divertido, mas sem perder a seriedade, ele explora os pontos fracos e fortes dos estudantes, professores e também do desenvolvimento tecnológico.

Feynman também mostra prezar pelo método científico e, ainda por cima, a “intuição” científica que os pesquisadores devem ter que vai além do simples método, capacidade que vem sendo perdida. O autor fala da aceitação dos resultados de outros cientistas, que não deve ser lido e tudo certo, mas, se necessário, deve-se realizar o experimento ou seguir os passos novamente, a fim de entender perfeitamente aonde se quer chegar. Feynman mostra-se com essa personalidade quando estudante e até depois de sua vida como pesquisador, resolvendo problemas com uma “caixa de ferramentas diferente”, como ele mesmo diz.

Em suas viagens ao Brasil, onde lecionou tanto no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas quanto numa escola de engenharia (cujo nome não é citado), diz abertamente que o sistema brasileiro de ensino era extremamente falho e que não se ensinava ciência no país; tudo era simplesmente decorado. Diz que enquanto dava aulas para pós-graduação, todos os alunos estavam anotando cada palavra atentamente. Então ele fazia uma pergunta sobre o que havia falado. Os alunos respondiam prontamente. Agora ele fazia a mesma pergunta, apenas com palavras diferentes. Ninguém respondia. Quando dava aula para a engenharia, viu onde estava o problema: os livros didáticos eram totalmente voltados para decorar conteúdo, com negritos e destaques nas palavras mais importantes e assim por diante.

No entanto, ele mostra os “podres” de outros países, como o seu próprio, os EUA, onde participou da seleção de livros didáticos para o ensino público da Califórnia, sendo sua função dar notas aos livros candidatos. Nisso ele percebeu que a equipe organizadora não levava nada a sério, pois chegaram a escolher um livro literalmente sem conteúdo, pois o miolo ainda não havia sido impresso.

Em seu trabalho no Projeto Manhattan, conta sua vida mais como engenheiro do que como físico. Lá ele fala da censura que tinha até para falar com sua esposa, da hierarquia e do trabalho em equipe, que acabou dando-o grande experiência.

Como estudante de engenharia, o livro nos faz pensar se realmente estamos aprendendo ou se o que acontece é uma simples reflexão do conhecimento obtido há séculos atrás. Estamos aprendendo ciência? Ou melhor, estamos fazendo ciência? Ou estamos apenas sendo vítimas de um sistema de propagação, sem absorção nenhuma? Estamos formando cientistas e engenheiros ou profissionais que só sabem trabalhar com uma tabela em mãos?

A solução do problema, embora seja muitas vezes mostrada a ser resolvida pelo estudante (“quem forma o conhecimento é o aluno e não a instituição”), está, muitas vezes, no estímulo dado pela Universidade e seus professores, que são mais graduados que o aprendiz. Por mais que o professor use um método de “automatização da informação”, no qual o estudante simplesmente decora e anota tudo que é passado no quadro (e esse método seja errado), o aluno, na maioria das vezes, achará que é esse o método certo de aprender e não estará absorvendo conteúdo racionalmente. Cabe, sim, ao professor, estimular a capacidade de raciocínio lógico do aluno na interiorização do conhecimento.

O livro de Feynman é uma verdadeira lição para todos os estudantes e professores (ou até mesmo para qualquer cidadão). São histórias engraçadas, mas que refletem uma realidade muitas vezes triste da sociedade em geral, pois Feynman mostra-se capaz de não só trabalhar com física, mas também com biologia, química, engenharia, psicologia e filosofia. Sua aula em 350 páginas é estimulante e seu jeito de pensar é diferente do que se pode chamar de maioria. Uma obra que deveria ser lida por todos.

Esta foi uma resenha escrita pelo assíduo e competente auxiliar da construção de nossa página do NEPET, Gustavo Marques Hobold, aluno de graduação do Curso de Engenharia Mecânica da UFSC. Confesso que não li o livro, mas sua descrição me provocou bastante. Por isso mais uma vez sua contribuição está aqui postada. Se nossos leitores prestarem atenção ele já nos brindou em outra ocasião com uma bela resenha – sempre de sua inteira responsabilidade. E mais, muito bom saber que nossos alunos também relevam a leitura como algo fundamental na sua formação.

Walter Antonio Bazzo
Janeiro de 2011


Rivalidades produtivas - disputas e brigas que impulsionaram a ciência e a tecnologia Michael White. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003, 543 p.

Rivalidades Produtivas – Disputas e brigas que impulsionaram a ciência e a tecnologia
Michael White
Rio de Janeiro: Editora Record, 2003, 543 p.   

 

Michael White é consultor do Discovery Channel, jornalista de divulgação científica, ex-articulista do Sunday Times, do Daily Telegraph e da revista GQ, e também foi diretor do Overbroeck’s College, em Oxford. Publicou, entre outras obras: Leonardo: o primeiro cientista; O papa e o herege: Giordano Bruno, a verdadeira história do homem que desafiou a inquisição; Isaac Newton: o último feiticeiro. Parece que tal currículo já o credencia a ser um autor para ser lido por todos que labutam na Educação Científica e Tecnológica.

As dúvidas sobre a neutralidade da ciência e da tecnologia sempre circulam nas discussões sobre a C&T. Principalmente para aqueles que adentraram no campo CTS. Este livro ajuda, em muito, tais reflexões. Da disputa entre Newton e Leibniz ao controle do ciberespaço entre a Microsoft de Bill Gates e a Oracle de Larry Ellison, Michael White faz uma análise de oito rivalidades que marcaram a história da ciência e o progresso da tecnologia. “Cientistas precisam competir para que as suas ideias possam evoluir… é como se um conceito estivesse no éter, pedindo para ser interpretado, e duas ou mais mentes privilegiadas acorressem e o pegassem”. Na criação científica não há chance para “segundos inventores”, Rivalidades produtivas mostra até que ponto gênios e prêmios Nobel são propensos a fofocas, intrigas, conflitos de personalidades, vilezas e egos inflados. Tudo alimentado por variáveis que definem controle industrial, econômico, geopolítico, gerando decepções que resultam até em morte. Deste pequeno “trailer” postado na “orelha” do livro já podemos deduzir muita coisa sobre a propalada neutralidade científica. Mas tem muito mais relatado ao longo destas 543 páginas que impactam por algumas verdades escondidas aos olhos do público durante séculos.

Sabemos que o mundo gira hoje sob a égide do dinheiro. Era diferente isso a tempos atrás? Na parte do livro que fala sobre a “Batalha das correntes” sente-se a concorrência desenfreada em buscar a lucratividade da luz elétrica. Edison, até hoje, passa como o grande precursor desta descoberta (ou invenção) que ainda move o mundo. Essa passagem nos dá uma pequena amostra dos jogos de interesse na tão decantada ciência neutra: “Embora o gênio de Tesla tenha literalmente eletrificado o mundo, ele pessoalmente ganhou pouco com isso. Por ter aceitado o dinheiro de Westinghouse e trabalhando com ele na criação do primeiro dínamo viável, havia se tornado seu empregado; a aplicação de suas ideias e invenção era totalmente controlada por George Westinghouse. O fato de Tesla ter aceitado o pagamento de royalties  havia permitido que Westinghouse se tornasse o dono das patentes, e dessa maneira o inventor deixou-se levar, sem poder para controlar o destino de suas criações”. Mas a guerra das correntes entre Edison e Tesla teve vários desdobramentos que torna esta parte do livro instigante e esclarecedora. Por que a corrente alternada e não a contínua? Muitas são as variáveis que nos levam a entender o motivo de suas escolhas. As sólidas explicações científicas e biografias detalhadas tornam o livro acessível e cativante.

Michael White, misturando intriga, espionagem e dramas humanos segue criando uma narrativa impressionante nos oito casos que escolhe para sua obra. Na Introdução ele nos coloca “O longo caminho para a Razão”, onde justifica a discussão clara sobre esta pretensa neutralidade que ainda embala aqueles que enxergam a ciência e a tecnologia destituídas de qualquer outro objetivo que não seja “desvelar” os processos naturais aos olhos dos homens.

Na sequência, usando Newton e Leibniz, ele nos relata, através das personalidades, muitas vezes doentia, destes dois ícones da ciência moderna, porque “Segundos inventores não têm importância”.

Em “O fanático e o coletor de impostos” a vida de Lavoisier e Joseph Priestley servem de parâmetros para exemplificar até onde tais rivalidades podem chegar: a morte.

Depois em “Sobre macacos e homens” Darwin e Owen nos demonstram que a nossa evolução – pelo menos no sentido humano psicológico – está muito longe de seu ápice.

A quarta parte do livro – “A batalha das correntes” –, além do descrito no parágrafo anterior, nos impressiona pela questão econômica, sempre preponderante neste caminhar da C&T.

“Bombas atômicas e seres humanos” talvez seja a parte em que a condição humana mais escancarada se apresenta. Sobre isso um trecho nos demonstra o porquê desta reavaliação constante sobre os caminhos da ciência e da tecnologia depois da catástrofe de Hiroshima e Nagasaki: “É quase certo que ninguém em Los Alamos sabia disso. Groves pode tê-lo suspeitado, mas os cientistas que trabalhavam na bomba – e eram milhares – provavelmente estavam ocupados demais, e eram politicamente muito inocentes para que essa ideia lhe ocorresse. Para eles, a bomba era, em primeiro lugar, um projeto científico, e depois uma arma”. Essas questões movem os estudos CTS. Mais um reforço para esta leitura de todos que desejam transitar nesta área.

A verdadeira demonstração da vaidade humana é realçada em “A corrida pelo prêmio”, onde Francis Crick e James Watson se digladiam com Linus Pauling da mesma forma que Rosalind Franklin batalha contra Maurice Wilkins. Mas o prêmio Nobel está ao alcance de todos. Quem ganha e por quê? Muitas perguntas e respostas contemplam este capítulo.

Começa a verdadeira guerra fria. Novamente a ciência e a tecnologia servem de propaganda política para determinados regimes. “Em busca da lua” é uma narrativa completa de todos os percalços, jogos de interesse – muito mais de propaganda que de evolução científica – sofridos e vividos pelos EUA e União Soviética. Muito se gastou, se matou e se divulgou sobre a conquista do espaço. Sem dúvida que muito conhecimento nesta época gerado trouxe suas contribuições nas telecomunicações atuais. Mas e a Lua? Continua lá.

Finalmente, para encerrar seus exemplos, White traz, através de “A batalha dos reis da cibernética”, o caso mais atual. A ferocidade da competição por conta de Bill Gates e Larry Ellison. Aqui entram as verdadeiras ligações de ciência, tecnologia, poder, dinheiro e tudo que sabemos superficialmente sobre a construção dos equipamentos que desenharam uma nova civilização. E então White pergunta: “Larry Ellison e Bill Gates, dois homens que em conjunto somam mais de um trilhão de dólares, continuam a lutar pelo título de rei dos reis da cibernética. Mas será que podemos considerá-los cientistas ou o que eles fazem como ciência? Seria legítimo falar deles do mesmo modo como falamos de Darwin ou mesmo de Edison?”. Eis perguntas que nos fazemos constantemente. Talvez para não ficarmos sempre nos “achismos” ou nas “conversas de botequim”, este livro poderia nos dar muitas respostas.

Segundo o autor, as oito disputas – com muitas outras embutidas neste tempo – abordadas neste livro constituem uma amostra extraída de um período de 400 anos de rivalidades na Ciência, escolhidas para abarcar um conjunto variado de áreas e disciplinas. “Estas narrativas ilustram diferentes formas de rivalidade: pessoal, nacional e industrial”, explica White, iluminando o fervilhar dessas batalhas de mentes e ideologias antagônicas que mudaram o mundo.

E o mundo continua mudando. Imaginemos o que ocorre nos laboratórios, nas academias e nos mais diversos locais do mundo. Essa leitura nos serve para discutir se estamos indo no caminhar correto. Pelo que estamos presenciando sobre a civilização atual, há muito que pensar sobre esta correção de rumo.

Walter Antonio Bazzo
Janeiro de 2011


Os seis meses em que fui homem Rose Marie Muraro. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 2001, 272 p.

Os seis meses em que fui homem
Rose Marie Muraro
Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 2001, 272 p.

 

Rose Marie Muraro é uma autora polêmica. No século XX muito contestada, foi ao mesmo tempo referenciada em várias pesquisas onde a questão de gênero tomava dimensões diferenciadas até então. Hoje, quando a relação CTS toma proporções relevantes nos estudos nas mais diversas áreas – e a questão de gênero é uma das suas principais preocupações –, voltar a visitar esta autora parece interessante para quem pretende entender as raízes dessa relação. É uma obra útil para a leitura de alunas e alunos – mais ainda os professores – que circundam nas mais diferentes searas da educação. Em alguma proporção nos ajuda a entender porque querer saber a relação entre ciência, tecnologia e sociedade passa por todas as áreas do conhecimento humano. Nada é estanque. Tudo deriva em função da busca do poder. Nisso entram as imbricadas relações entre o humano – em todos os sentidos –, o tecnológico, o político, o ideológico, o social, o epistemológico.

O livro é dividido em cinco partes.

Na primeira, ela analisa a sexualidade para nos encaminhar para a relação entre público e privado e, consequentemente, as interferências que isto implica na hora do domínio masculino e feminino nas tarefas que lhe serão dispensadas na complexa teia do capitalismo. Volta às mais diferentes origens deste confronto no transcorrer da história humana.

Depois, na segunda parte, faz uma varredura entre a sexualidade e o poder. Talvez por esta abordagem sempre fosse tachada de “feminista” no seu sentido mais pejorativo por aqueles que viam neste posicionamento uma ameaça ao domínio do homem. Se certa ou errada – todos os escritos podem levar a diferentes interpretações conforme os óculos do leitor – é outra questão. Mas é importante ver seus argumentos – como este que ela faz na página 97 –, que nos fazem ao menos refletir sobre determinados acontecimentos mesmo agora no século XXI e que têm relação direta com o poder da tecnologia: “Tanto as mulheres quanto os homens têm noção das grandes transformações que estão se operando no mundo urbano, mas têm também a noção de que estas transformações não são para eles. As mulheres dizem que só os seus filhos poderão gozar delas. Isso explica por que o campo (zona rural) no Brasil parece intocado pela aceleração tecnológica que afeta o mundo urbano: é um outro mundo que parou no tempo”. O porquê disso ela continua explicando na sua análise ao longo desta parte do livro.

Na terceira parte ela fala diretamente do poder. Faz um resgate histórico dos fatos acontecidos ao longo da década de 60 até 90 do século XX identificando as razões que nos levaram a um atraso tecnológico deliberado em nome da salvação das economias. Esta parte complementa, em termos de Brasil, a análise feita por Naomi Klein em seu livro A doutrina do Choque, que comentamos na resenha anterior. Um relato histórico breve e conciso que nos elucida muitas questões e que nos ajudam a entender as razões políticas que sempre privilegiaram os países do norte em relação aos do sul. Para arrematar este trecho do livro, através do capítulo “A espaçonave Terra”, ela fala diretamente da tecnologia pela sua intestina ligação com o poder: “Depois de abordar tão resumidamente os problemas econômicos e políticos dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos é essencial, para compreender como poder político e econômico se exercem, nos deteremos agora sobre a ciência e a tecnologia, porque além de sagrado, econômico e político, o poder é também saber. Economia e política são estritamente dependentes do progresso tecnológico. Porque é o progresso tecnológico que determina a aceleração histórica. E hoje o progresso tecnológico está chegando a tão altos níveis que começam a ameaçar a existência do próprio planeta Terra. Há vinte anos, ninguém pensava que andar de automóvel ou ter geladeira ou ar refrigerado em casa, ou ainda lavar roupa com detergente pudesse ter consequências tão significativas para a vida de nossa espécie.” É fundamental ter em conta que este livro foi escrito há mais de 20 anos e o rastreamento aqui elaborado ainda é de grande utilidade para quem se preocupa com a Educação Tecnológica. Nesta altura do livro eu penso que a autora tenha sido um pouco infeliz na escolha de seu título porque, na minha avaliação, ela “espantou” muitos possíveis leitores que ainda se assustam com a questão da sexualidade. Apenas um comentário intermediário sobre as minhas percepções. Até porque não me interessa analisar com minha visão crítica o conteúdo, mas sim instigar o leitor à sua leitura, através destes comentários estanques que venho fazendo.

O desejo é a tônica da quarta parte. Talvez o mais rebuscado dos conteúdos. Não pela incapacidade da autora e sim pela “aridez” do assunto para aqueles que não são versados nas questões psicanalíticas. Entre os quais aqui me incluo. Mesmo assim sua leitura, pela forma com que ela o aborda, nos faz pensar com mais profundidade que trabalhar a educação científica e tecnológica realmente demanda um vasto arsenal de conhecimentos. A forma linear com que a tratamos, a ECT, mesmo nos cursos especializados para isso, acaba por perpetualizar o modus operandi de conhecimentos setorizados fazendo com que mantenhamos ainda por muito tempo o paradigma da área: a tecnologia vista de forma linear independente de outros acontecimentos que lhe afetam.

Para finalizar, a autora provoca o leitor ao intitular sua quinta e última parte com: “A saída, onde está a saída?”. E esta provocação – até ela admite no início desta parte do livro – pode ser mais bem identificada através de seus próprios escritos ao finalizar suas reflexões:

“Meu Deus que viagem! Hoje me sinto mais aliviada. Mais uma vez na minha vida aparece o corpo com a chave do enigma da Esfinge. Hoje já tenho uma noção melhor de como se fabricam os corpos, as sexualidades, as culturas, o poder político e econômico. Já não me sinto tão devorada pela Esfinge. Mas acho que tudo está ainda por fazer. Até aqui nada mais fizemos do que denunciar os mecanismos concretos pelos quais a briga dentro de nós entre a vida e a morte nos escraviza. A resposta para os problemas que estamos vivendo neste fim de era, pode-se dizer, está debaixo de nosso nariz, dentro de nós mesmos. Agora resta o mais difícil: como sair disso? Mais uma vez o Destino ou o Karma, ou até Deus, veio em minha ajuda. Eu não saberia escrever o fim deste livro se algo muito importante não tivesse acontecido em minha vida. Até agora recusei-me a dizer uma palavra que fosse sobre minha vida pessoal porque não era importante para este trabalho. Mas o que aconteceu saiu do mais íntimo do meu inconsciente e do meu desejo. Por isso, peço que mais uma vez você tenha paciência e me acompanhe nesta viagem teórica para que possamos chegar juntos até o fim do caminho. Creio que já esgotamos o ciclo do desejo do homem. Falta agora nos determos sobre aquilo que Freud chamava ‘o continente negro’: o desejo da mulher”.

Tive paciência e acima de tudo curiosidade em terminar o livro. Asseguro-lhes que valeu a pena.

 

Walter Antonio Bazzo


A Doutrina do Choque - A ascensão do capitalismo de desastre Naomi Klein. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2008, 590 p.

A Doutrina do Choque – a ascensão do
capitalismo de desastre
Naomi Klein
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2008, 590 p.

 

Um verdadeiro tratado sobre as estratégias, golpes, manipulações e incríveis revoluções para a manutenção do capitalismo. Seguramente, lido por alguém com “óculos” ideológico de esquerda seria tachado de mais uma teoria da conspiração. Mas é um livro envolvente escrito e baseado numa extensa pesquisa empreendida por Naomi Klein, escritora, documentarista e jornalista premiada. Sua narrativa é clara e, raramente, opinativa. Descreve os fatos sempre calcada em diversas fontes – todas citadas na obra, são mais de mil – deixando a cargo do leitor a interpretação da história dos envolvidos sem rotulações dos mais diversos sistemas ou regimes de governos. Todos, ou pelo menos aqueles que chamaram atenção do mundo, indistintamente passam pelo crivo histórico da autora.

Geralmente ficamos sabendo de um livro e de seu conteúdo quando o pegamos na mão e podemos verificar certos depoimentos impressos em seus adendos – orelhas, prefácio, citações de jornais e outros autores – e por isso grandes conteúdos nos escapam por impossibilidade de escolhas para nossa leitura. Meu objetivo aqui sempre foi divulgar o que, a meu juízo, parece importante para nossa compreensão do momento que estamos vivendo. Mais precisamente dentro da área de educação que pretende entender as causas que fazem a relação Ciência, Tecnologia e Sociedade tão destituídas dos fatores históricos que a leva a tanta complexidade. Por isso, pela clareza da descrição da obra, tomo a liberdade de transcrever o que Emir Sader comenta sobre o livro em uma das suas orelhas:

“Somente uma crise – real ou pressentida – produz mudança verdadeira. Quando a crise acontece, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão à disposição. Esta, eu acredito, é a nossa função primordial: desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las em evidência e acessíveis até que o politicamente impossível se torne o politicamente inevitável.”

A linguagem econômica, inodora, não revela as condições da realização das suas propostas. As palavras ascéticas de Milton Friedman parecem não ter nada a ver com as baionetas de Pinochet. No entanto, sem os choques elétricos, os choques econômicos não sairiam do papel. O “livre mercado” – quem diria –, irmão siamês da ditadura militar.

Naomi percorre as ruínas resultantes dos choques econômicos, do Chile à Polônia, da Argentina à Inglaterra, da Rússia ao Iraque, traçando o mapa do capitalismo de desastre. Mas para os economistas neoliberais, as ditaduras pecavam apenas por alguns abusos aos direitos humanos, por um zelo excessivo pela ordem, como se a imposição do modelo que exportavam desde a Escola de Chicago não demandasse os instrumentos para impor duras perdas aos povos dos países onde era aplicado o mesmo modelo.

E decifra as razões pelas quais a América Latina está no estágio mais avançado na revolta contra o neoliberalismo. Porque fomos o laboratório dos choques – tanto elétricos como econômicos – e vivemos, assim, uma ressaca dos dois. Somos uma espécie de tsunami e de Katrina somados: fomos vítimas privilegiadas de uma devastação e dos remédios que matam o doente.

Quem quiser conhecer as turbulências do mundo no século XXI tem aqui um roteiro exemplar: rico, sofrido, mas que desemboca em esperanças de um mundo sem choques, “um outro mundo possível”, esteja sendo gestado nos desastres do capitalismo contemporâneo. Naomi Klein é a repórter exemplar das enfermidades e das alternativas da humanidade na era neoliberal.
Complementando as palavras de Sader, eu diria que depois deste livro nos parece mais fácil fazer as relações políticas do poder, do capitalismo, do comunismo e suas intricadas relações com armas, tecnologia, economia e tudo que respinga na sociedade inexoravelmente. O que víamos e ouvíamos nos noticiários telegráficos que sempre faziam parte dos “truques” das revoluções econômicas nem sequer “raspavam” as verdades dos fatos que ocorriam desde a década de 30, 40 e que ainda seguem sendo gestados nas mais diversas alquimias dos donos do poder. Realmente impactante.
Meus alunos comentam que sempre que leio um livro fico entusiasmado ao extremo. Sempre o último é melhor que o penúltimo. E é verdade. Apenas salientando que entre o último e penúltimo existem vários outros que mesmo me trazendo entretenimento e novas visões das mais diversas áreas ficam apenas armazenados na minha memória. Outros não. E então quero – pela diferença de impacto que me causaram – dividir com aqueles que, como eu, modestamente procuram entender um pouco mais do mundo que vivemos para, quem sabe, reinventá-lo sob outra ótica.

Mas sigo ainda falando sobre este me suprindo de novos argumentos agora num pequeno trecho que a autora coloca no prefácio de seu ensaio:
Este livro é uma contestação da suposição mais fundamental e acalentada da história oficial – a de que o triunfo do capitalismo desregulado nasceu da liberdade, de que mercados não-regulados caminham passo a passo com a democracia. Pelo contrário, vou mostrar aqui que essa espécie fundamentalista de capitalismo foi parida pelas formas mais brutais de coerção infringidas tanto sobre o corpo político coletivo quanto sobre os incontáveis corpos individuais. A história do livre mercado contemporâneo – mais bem compreendida como a ascensão das corporações – foi escrita com choques.

As apostas são altas. A aliança corporativa está perto de conquistar suas últimas fronteiras: as economias petrolíferas fechadas do mundo árabe, e setores das economias do Ocidente que foram longamente protegidos da lógica do lucro – inclusive a defesa civil e os exércitos crescentes. Na medida que não há sequer necessidade de manter as aparências e buscar o consentimento público, tanto no país quanto no exterior, para privatizar essas funções essenciais, o aumento dos níveis de violência, assim como desastres cada vez maiores, tornou-se imperativo para o alcance desse objetivo. O papel decisivo desempenhado por choques e crises foi efetivamente eliminado dos registros oficiais acerca da ascensão do livre mercado. Assim, as medidas extremas exibidas no Iraque e em Nova Orleans  são frequentemente confundidas com a incompetência ou com o conluio existentes na Casa Branca de Bush. Na verdade, as proezas de Bush representaram apenas o ápice monstruosamente violento e criativo de uma campanha de mais de cinquenta anos pela total liberdade das corporações.
A vontade é seguir escrevendo. Mas muito se tem a falar sobre esse livro, então encerro com as considerações postadas na sua contra capa apenas desafiando àqueles que querem realmente entender a relação entre o desenvolvimento tecnológico e o paradoxo da crescente desigualdade social e a conhecerem a história não oficial escrita nos porões do poder.
O que o furacão Katrina de Nova Orleans tem a ver com as ditaduras da década de 1960 na América Latina? Qual a relação entre o tsunami na Ásia e o massacre da Praça da Paz Celestial na China? Afinal, existe uma conexão entre a Guerra do Iraque e a democracia acorrentada da África do Sul?

A resposta, segundo a jornalista canadense Naomi Klein, é SIM.

Sua tese é a de que todas estas tragédias, naturais ou construídas, fazem parte do processo de ascensão do “capitalismo de desastre” – a forma atual que o sistema capitalista encontrou para se tornar hegemônico em lugares e situações em que até então ele não era. Exemplos? Em Nova Orleans, após o furacão Katrina, a educação foi reformulada – as escolas públicas foram, a partir de um “conselho” do economista Milton Friedman, privatizadas. Numa gafe tremenda, a secretária de Estado Condoleezza Rice declarou o tsunami uma “oportunidade maravilhosa” para a política externa norte-americana.

Sob a “doutrina do choque”, o medo e o desespero se transformam em oportunidade de ganhar dinheiro. Das técnicas de tortura usadas pela CIA desde os anos 1950 à instalação de resorts de luxo nas praias da Tailândia devastadas pelo tsunami, Naomi mostra a lógica perversa de um sistema orientado pela busca do lucro. Um sistema que não produz diretamente as tragédias naturais, mas que não tarda em incorporá-las em sua agenda de negócios.

Ao misturar depoimentos pessoais a uma análise histórica consistente do último meio século, Naomi Klein constrói com A doutrina do choque um novo Best-seller, um livro indispensável para entender o nosso mundo.
Tim Robbins, ator e diretor de cinema; tanto quanto eu, entusiasma-se a comentar o livro:

“Uma revelação! Com rara coragem e clareza, Naomi Klein escreveu o livro mais importante e necessário de sua geração. Nele são expostos mentirosos, assassinos e ladrões, e é desmascarada a política econômica da Escola de Chicago, assim como a sua conexão com o caos e o banho de sangue em todo o mundo. A doutrina do choque é um livro tão importante e revelador que poderia se tornar um catalisador, um divisor de águas, um ponto de virada no movimento por justiça econômica e social”
 

Walter Antonio Bazzo


Uma história íntima da humanidade Theodore Zeldin. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008, 572 p.

Uma História Íntima da humanidade
Theodore Zeldin
Rio de Janeiro: BestBolso, 2008, 572 p.

 

Nascido em 1933, o historiador inglês Theodore Zeldin foi considerado pela revista francesa Magazine Littéraire um dos cem mais importantes pensadores vivos da atualidade. Zeldin é catedrático de St. Anthony’s College, em Oxford, membro da Academia Européia e professor visitante em Harvard e na University of Southern Califórnia. Em 1994 o autor se consagrou internacionalmente ao publicar Uma história íntima da humanidade. A leitura desta biografia, constante do livro que comento a seguir, já seria motivo suficiente para empreender a leitura de suas páginas. Este livro de bolso – apesar de sua extensão – foi publicado no Brasil em 2008. Que bom. Somos brindados por uma leitura imperdível para todos que gostam de ler , em especial para aqueles que sentem ao lidar com as coisas técnicas que seu aprendizado sempre precisa passar primeiro pelo entendimento das coisas humanas.

O autor define os marcos das mudanças que os sentimentos e as relações pessoais sofreram ao longo dos séculos e, por consequência, nos permite reflexões que nos ajudam a compreender os comportamentos que registramos na sociedade em que atualmente vivemos. Misericórdia, crueldade, ódio, felicidade, desejo, coragem, o livro acompanha todas estas e outras emoções na vida das pessoas em diferentes épocas, culturas, religiões e regimes políticos. Cada capítulo – que prefiro aqui chamar de pequenas histórias – tem como introdução um caso real analisado pelo autor – e que cada leitor seguramente se situará de acordo com seus comportamentos de vida –, que constrói uma abordagem original da história sentimental da humanidade. Nas palavras do próprio Zeldin – constantes na contracapa do livro –, esta é uma obra onde o leitor não achará a história “como ela é exposta em museus, com cada império e cada período cuidadosamente separado”, este texto é “sobre o que não fica parado, sobre o passado que ainda está vivo na mente das pessoas hoje”.

O mais ambicioso historiador social da atualidade” – como bem define o New York Times Book Review –, apesar de seu vasto currículo acadêmico, nos traz uma linguagem simples, romântica e muitas vezes engraçada nos brindando com uma leitura prazerosa e instigante. Ao contrário das muitas linguagens rebuscadas que nos espantam logo nas primeiras páginas de outros tratados históricos e sociológicos.

Já nos títulos dos diferentes capítulos – ou pequenas histórias – ele nos instiga a ver o que o conteúdo nos traz. Alguns exemplos:

– Como os seres humanos continuam a perder as esperanças, e como novos encontros, e um bom par de óculos, as renovam; – Como homens e mulheres aprenderam lentamente a ter conversas interessantes; – Como as pessoas em busca de suas raízes estão começando a enxergar longe e com profundidade; – Como algumas pessoas adquiriram imunidade à solidão; – Como novas formas de amor foram inventadas; – Porque houve mais progresso na culinária do que no sexo.

Além das pertinências dos temas, eles são escritos de forma estanque que nos permitem uma leitura pausada. Ou seja, um livro que não perde a continuidade mesmo com as inevitáveis interrupções que somos forçados a fazer pela enormidade de tarefas que temos que cumprir durante a leitura de um livro. Penso que a curiosidade pelos temas estabelecidos acima já seriam suficientes para nos determos nesta leitura.

Mas tem mais, muito mais:

Como o desejo dos homens pelas mulheres, e por outros homens, mudou ao longo dos séculos; – Como o respeito se tornou mais desejável que o poder; ­– Como aqueles que não querem dar ordens nem recebê-las podem se tornar intermediários; – Como as pessoas se libertam do medo ao conhecer medos novos; – Como a curiosidade se tornou a chave da liberdade.

Poderia seguir citando os temas que este livro traz no seu bojo, mas é melhor deixar a imaginação de cada um fluir livre. Nestas alturas, duvido que alguém não deseje seguir em frente. Mas antes de encerrar minha provocação para a leitura desta obra me utilizo de um pequeno texto que o autor traz no seu prefácio. Ninguém melhor que ele para nos dizer o porquê da obra:

Nossa imaginação é habitada por fantasmas. Aqui estão os resultados de minhas pesquisas sobre os fantasmas familiares, que nos acalmam, os preguiçosos, que nos tornam obstinados e, acima de tudo, os assustadores, que nos desestimulam. O passado nos assombra, mas de quando em quando é possível mudar de opinião. Quero mostrar como, hoje em dia, as pessoas podem formar uma nova opinião de sua própria história pessoal e de todo registro da crueldade humana, seus equívocos e alegrias. Para se ter uma visão nova do futuro, é necessário adquirir uma nova visão do passado.”

Eu aceitei o convite do autor. Confesso que balancei muitas das minhas convicções como cidadão, como ser humano e, principalmente, como educador. Tem convites que não aceitamos e depois nos arrependemos por muito tempo.

“Extraordinário e belo. O mais envolvente e marcante trabalho de não-ficção dos últimos tempos.” Daily Telegraph

Walter Antonio Bazzo


Meninos no poder Domingos Pellegrini. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2005, 287 p.

Meninos no Poder
Domingos Pellegrini
Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2005, 287p.

Adquiri um costume que preenche uma boa parte de minhas atividades, dos meus estudos e do meu lazer. Comprar livros. De preferência sempre buscando as infindáveis promoções que acontecem quase todos os anos nas mais diferentes livrarias. Muitos deles, de excelentes qualidades, por não constarem nas listas dos mais vendidos em revistas e em jornais, às vezes, jazem nas prateleiras produzindo prejuízos aos seus editores. Então eles vão à liquidação. Não pela qualidade, mas pela pouca procura. Compro aos quilos – no sentido metafórico –, obviamente dando uma raspada de olho nas “orelhas” e nos sumários para ver de que se trata. Confesso que não seleciono muito a área do conteúdo. Em todas elas sempre colhemos subsídios para aprimorar a nossa missão de educadores. Gosto de contar aos outros sobre os assuntos e suas correlações com a educação tecnológica, com as imbricações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, a educação no seu campo mais geral, as ideologias, a política e por aí vai. Muitos eu não resenho ou não propago aqui – mas confesso que todos eles me provocam a fazer isso. Quem sabe alguns eu ainda traga relatados aqui, dependendo do tempo e relevância. Mas um me chamou atenção pela utilidade do tema para quem pensa em educar. Meninos no Poder, de Domingos Pellegrini – mais um dos que junto a dezenas de outros colhi nas gôndolas das livrarias – me atiçou a entender que mesmo educando em tecnologia tudo tem um começo mais amplo que passa pela consciência das pessoas em raciocinar pelos seus direitos e deveres e dentro de um contexto bem brasileiro, o que o torna mais importante.

Meninos no poder é um romance de ideias que se lê com o coração, pois as ideias são vividas intensamente por personagens palpitantes de ação e emoção. Personagens que passam longe dos bancos escolares da academia, mas que requerem e precisam de uma educação básica suficiente para não serem números contados apenas na hora de votar. O personagem principal não tem nome próprio, embora seja o motivo e a meta dos outros personagens: é o povo – aquele que pelo menos no discurso dizemos que é o alvo da educação que trabalhamos nas mais diversas escolas – a massa eleitoral a ser assediada, encantada, conquistada e manipulada, para o mal ou para o bem.

Este romance trata do nascimento de uma carreira política. Desde suas primeiras páginas há a utilização dos mais variados recursos para eleger alguém: a manipulação, as convicções abandonadas, o cerco dos interesses, as estratégias e a falta de educação para as reflexões ideológicas e de prioridades de vida. Leitura rápida, gostosa, porém de uma profundidade intensa para entendermos um pouco mais das questões que levam sempre as pessoas menos esclarecidas a se tornarem “massa de manobra” nas mãos daqueles que querem o poder para continuar dando conta de seu jogo de interesses.

Um final interessante que nos leva a refletir sobre democracia, valores humanos e, acima de tudo, a perguntar: que meninos queremos no poder? Mas antes de tudo leva a pensar que sem educação pouco ou quase nada muda. Educação de valores, de tecnologia, de economia... E que, não sendo tão lineares, o senso comum, destituído de questões mais racionais, também requer uma educação libertadora.

Walter Antonio Bazzo

 


Aprender a viver Aprender a viver, Luc Ferry. Rio de Janeiro: Editora Objetivo, 2006, 302 p.

Aprender a Viver
Luc Ferry
Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2006, 302p.
 

Quando postamos esta seção no NEPET nosso objetivo não se resumia a criar resenhas em modelos ou padrões triviais. Queríamos falar de livros. Apenas isso. Dividir as boas leituras que são próximas de nosso assunto CTS. Claro que nos intervalos destas leituras muitas outras foram feitas...

E quem sabe não estaremos listando algumas delas, mesmo que em outros assuntos (afinal, nosso aprimoramento intelectual se encontra também nos romances, nas ficções, nas poesias, nas crônicas...) para que vocês também os conduzam para as similaridades com o tema CTS?

Temos aqui um exemplo. Falaremos deste livro de Luc Ferry.

Uma resenha sobre este livro não seria suficiente para referenciar um livro com o teor de informações culturais ao qual se propõe.  É prejuízo, inclusive ao intelecto destes que escrevem, querer dar uma vasta noção da obra, abstendo-se da oportunidade de realizar uma conversa dialógica entre leitores que também fazem parte das leituras da página do NEPET.

De um lado, uma orientada; doutro, o seu orientador.

A primeira, tomada pelo desafio de suas leituras iniciais. O segundo, no encanto daqueles dentre as centenas de livros lidos, julgando-o uma das grandes obras de sua biblioteca particular...  e que, sente-se instigado a cada referencia a Ferry, a novamente passar os olhos pelas linhas de Aprender a Viver.

Assim é que convidamos aos interessados, a estenderem seu tempo nestas próximas linhas, no intuito de fomentar ainda mais o desejo pela leitura de Aprender a Viver.

Eis o que segue.

Aluna: em Aprender a Viver, Ferry expõe saberes culturais num viés filosófico que se sobrepõem a lições a respeito da história da vida. Traz a tona colocações esclarecedoras, ressaltando que “Algumas pessoas passam grande parte da vida antecipando a infelicidade, preparando-se para a catástrofe – a perda de um emprego, um acidente, uma doença, a morte de uma pessoa próxima etc. Outras vivem aparentemente na mais total despreocupação. Elas até consideram que questões desse tipo não tem espaço na existência cotidiana, que provêm do gosto pelo mórbido que beira a patologia. Sabem elas que as duas atitudes mergulham suas raízes em visões do mundo cujas circunstâncias já foram exploradas com profundidade extraordinária pelos filósofos da Antiguidade grega” . 

Orientador: Não é preciso acrescentar muito. A leitura desta obra nos conduz a um entendimento mais acentuado do motivo do posicionamento epistemológico mais aberto e filosófico que nos leva a entender melhor CTS. E novamente nos fica claro que CTS é mais uma forma de dizer que a Ciência e a Tecnologia precisam ser vistas com seu viés sociológico para ter razão de ser.

Aluna: e o autor propõe a reflexão de que vivemos em busca da salvação e na verdade, este é o grande medo que temos e pelo qual corremos atrás da religião, de padrões de conduta ética e tentamos incessantemente justificar a vida e a morte.

Orientador: Ressaltando sempre que esta avidez pelo construir, buscar, acelerar um desenvolvimento humano atrelado somente ao ter e não mais ao ser nos leva a caminhos perigosos do viver humano. Luc Ferry nos alerta isso com sabedoria.

Aluna: Obviamente o nosso deleite pela leitura não deixou de ser contemplado por questões eminentemente filosóficas a respeito da “veneração” que temos por objetos, tecnologia, e o valor que atribuímos a essas “necessidades”. Ferry diz que vivemos continuamente buscando a realização de nossa felicidade por meio de objetos medíocres ou grandiosos. Faz uma convergência ao pensamento estóico quando observa a necessidade de viver o presente e admirar o que está à frente. Ao que diz “Por exemplo, quando você vai tomar banho de mar, quando põe a máscara para observar os peixes, você não mergulha para mudar as coisas nem para melhorá-las ou corrigi-las, mas, ao contrário, para admirá-las e amá-las. É mais ou menos segundo esse modelo que o estoicismo nos estimula à reconciliação com o que é, com o presente tal como ele é, para além de nossas esperanças e de nossos remorsos. É para esses momentos de graça que ele nos convida, e para multiplicá-los, torná-los tão numerosos quanto possíveis, ele nos sugere, de preferência, a mudança de nossos desejos, e não a da ordem do mundo”.

É nesta forma de avaliar a vida e sugerir o “Aprender a Viver”, que o autor traz doses homeopáticas de explicações sobre as histórias da vida, mostrando e atenuando a (des) necessidade de olhar o mundo de forma agradável, com menos medos e valorizando aspectos da vida aos quais desprezamos em função do vislumbramento da finitude da vida na terra. Doutro lado, traz os aspectos religiosos que mostram a extensão desta vida num pós-morte, donde encontraremos a prometida salvação.

Ainda, permeando a evolução dos conceitos éticos estabelecidos pelas religiões, como sendo prerrogativas de conduta de vida, o autor enfatiza que esta deve ser o cerne da existência e do viver e sobrepor-se à questionável vida no pós morte, em que deixa evidente ser o medo a questão pela qual buscamos apoio e conforto no eco da palavra salvação.

Orientador: Não precisa seguir em frente na descrição.... Sugerimos o diálogo de todos para saborear e aprender muito com estas reflexões. A leitura é a forma mais completa de trocar e construir novos argumentos

Walter Antonio Bazzo e Deisi Minella Ferreira

 


Planeta: A aventura desconhecida Planeta: A aventura desconhecida, Edgar Morin e Christoph Wulf. São Paulo: Editora UNESP, 2003, 69 p.

Planeta: A Aventura Desconhecida
Edgar morin e christoph wulf
São Paulo: Editora UNESP, 2003, 69 p.
 

Na busca incessante de subsídios para entender os problemas de uma pesquisa que se deseja realizar, textos incríveis aparecem em nossas mãos. A curiosidade por novos pensamentos – ou antigos, mas ainda desconhecidos pela vasta quantidade de leituras que necessitamos fazer – nos trouxe Planeta: A aventura desconhecida que, dentro dos objetivos desta seção de nossa página, agora estamos aqui dividindo com nossos leitores. Novamente ressaltamos que não estamos fazendo um resumo sucinto da obra. Apenas chamando novamente a curiosidade das profundas reflexões com que estes autores nos brindam.

Os relatos deste pequeno grande livro foram transcritos de um programa radiofônico levado ao ar na França.

Trata-se de uma conversa com linguagem coloquial, entre dois críticos renomados por suas obras tanto na Europa, como noutras partes do mundo.

Num “papo dialógico”, o leitor tem o deleite de raciocinar com os autores, frente aos pontos de vista que, ora convergem, ora são antagônicos em relação ao fator humanização no mundo tido como globalizado.

Se for na proposição de encontrar respostas aos problemas inerentes ao processo de mundialização e do progresso como um todo, engana-se o leitor.

É justamente na tentativa de desafiar-se a si próprio, que o leitor encontrará a maior benesse da leitura deste pequeno livro composto por não mais do que suas 69 páginas.

A satisfação em lê-lo é proporcionada pelas constantes indagações que permearão o pensamento do leitor; será sua busca por reflexões decorrentes de colocações como “Nossa própria civilização, ao desenvolver formas extremamente especializadas de conhecer as coisas do mundo, divide-as e as compartimenta”. (p. 26). Ou, “O que falta é a capacidade de contextualizar e de globalizar” (p. 26-27).

Ora, nestes nossos intensos debates para entender o problema que queremos averiguar constantemente nos perguntamos: não estamos inertes ao movimento tido como globalizado?

Deisi Minella Ferreira e Walter Antonio Bazzo


A Revolução da Esperança A Revolução da Esperança, Erich Fromm. São Paulo: Círculo do Livro S. A., xxxx¹ , 190 p.

A Revolução da esperança
Erich Fromm
São Paulo: Círculo do Livro S. A., xxxx¹ , 190 p.
 

A revolução da esperança – por uma tecnologia mais humanizada – é mais uma das obras do psicólogo, sociólogo, filósofo, historiador e economista Erich Fromm. Talvez essas características o façam ser conhecido como um “profeta” da vida humana.

Outros, o chamam de “revisionário de Freud”. Qualquer dos adjetivos que possa ser atribuído a Fromm, torna evidente a referência que se deseja realizar ao autor.

A Revolução da Esperança foi escrito na década de 50 e parece tão próximo da atual, que poderia ser chamado quem sabe, de uma “profecia” da sociedade da época industrial.

Fromm procura evidenciar comportamentos humanos frente ao uso da tecnologia, assim como as ansiedades e medos inerentes às nossas vidas pelo seu uso ou desconhecimento.

Sua crítica nos coloca à luz da falta de valores humanos que constituem a sociedade tecnológica. Justifica, discutindo um engajamento que está para o desenvolvimento e o progresso cuja primazia é a produção massificada de aparatos e ferramentas que sirvam a uma sociedade quase incapaz de julgar que princípios orientadores conduzem suas vidas; quiçá, o próprio desenvolvimento tecnológico.

Questiona “Qual é o efeito desse tipo de organização sobre o homem?”; ao qual realiza a crítica sobre o uso que a indústria faz da tecnologia, quando concebe o comportamento do homem como consumidor:

Ela reduz o homem a um apêndice da máquina, governado pelo seu próprio ritmo e exigências. Ela o transforma no Homo consumens, o consumidor total, cuja única meta é ter mais e usar mais. Essa sociedade produz muitas coisas inúteis e, no mesmo grau, muita gente inútil. O homem, como um dente de engrenagem da máquina de produção, torna-se uma coisa e deixa de ser humano. (p. 53)

Com um linguajar bastante próprio e simples, Fromm se faz aproximar do leitor, apresentando aspectos da sociedade tecnológica, fomentada por interesses econômicos (e sociais), enfatizando que o interesse pelo puramente mecânico encontra crescente popularidade entre as sociedades, incluindo cientistas, professores, alunos.

Por certo fizemos um relato bastante superficial de tal obra e muito mais do autor que possui um sem número de textos que, pela interdisciplinaridade do campo CTS, pode contribuir de maneira expressiva com nossas reflexões. A vontade de levar ao conhecimento de nossos leitores desta seção os escritos de Fromm surge de nosso maior contato com os livros do autor na busca de subsídios para uma dissertação de mestrado que procura decifrar alguns comportamentos dos jovens em relação ao mundo tecnológico. Pareceu-nos que para estes propósitos as leituras de Fromm se tornaram indispensáveis.

Talvez uma dificuldade adicional surja ao buscar contato com estas produções pela sua ausência em grande parte das livrarias, mas recomendamos aqui a procura através de sites de Sebos que ainda trazem excelentes ofertas em relação a Fromm. Reforçamos que esta leitura não o deixará livre de excelentes reflexões dos conteúdos CTS.

Walter Antonio Bazzo e Deisi Minella Ferreira


¹ O ano da obra ficou em aberto porque não constava no livro utilizado. No entanto várias edições em diversos anos podem ser consultadas, pois o texto se manteve inalterado.

A Reinvenção do Mundo – Um Adeus ao Século XX Jean-Claude Guillebaud. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, 378 p.

A reinvenção do mundo – um adeus ao século xx
Jean–Claude Guillebaud
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, 378 p.
 

Eis um livro difícil de resenhar. Ao lê-lo a vontade que se tem é de reescrevê-lo por completo para que todos possam também ter este privilégio. Livros caem em nossas mãos por oportunidades. Eis a grande vantagem da nossa lida constante na educação, do nosso contato direto com aprendizes e mestres. Mais uma vez a indicação de uma aluna para dar uma pequena espiada no conteúdo de um livro encontrado nas prateleiras de livrarias. Como de costume o fiz e não mais parei. Instigante, atual, necessário para todos que querem discutir a civilização humana. Ele é de 2003, mas parece ter sido escrito hoje, agora! Por falar em oportunidades é por isso que esta seção está aqui postada na página do NEPET. Uma indicação que seja – e nem sempre atinge a todos como esperamos, pois os gostos são diversos; ainda bem – é o suficiente para dar um “nó” nas nossas “verdades” e “convicções”. Por isso a leitura, sempre a leitura. Mas vamos ao livro. Rapidamente como é nosso costume nesta seção. Provocar as vontades de novas reflexões.

Refundação é o termo que Jean-Claude Guillebaud vai pedir emprestado a Pierre Legendre para responder a nosso maior desafio atual: neste mundo globalizado, multicultural e plural, o que pode alicerçar a possibilidade de os homens viverem juntos e em paz? Sobre que fundações (re)construir o edifício de nossos códigos, convicções comuns, princípios partilhados, certezas admitidas, projetos definidos, fidelidades herdadas? Refundar não é repatriar valores e tradições sem antes reinventá-los; mas a partir de que bases se pode dar esta reinvenção? É assim que Maria Helena Kühner inicia a apresentação desta grande obra. E um trecho colocado na contra capa do livro pode sintetizar o que eu gostaria de dizer ao final desta minha rápida e instigante leitura. Claro que voltarei a lê-lo com mais profundidade. Uma obra indispensável para quem quer entender mais um pouco desta inebriante relação entre ciência, tecnologia e sociedade. Eis o trecho que escolho para o meu convite a esta leitura:

“Há na atmosfera de nosso tempo algo que soa falso e nos alarma. Será que devemos resignar-nos ao fim dos pensamentos universalistas, ao reino versátil da democracia de opinião, ao novo dogmatismo do mercado total ou da tecnociência, ao desaparecimento definitivo das utopias e da esperança? Por trás desses discursos, adivinhamos formas novas de dominação, desigualdades que se aprofundam, um princípio de humanidade que naufraga. Mas estes perigos nos encontram estranhamente desarmados. Depois de um século marcado pelas tiranias, as loucuras e as ruínas, não sabemos mais como enfrentá-los. Nós estamos ‘descrentes de tudo’ e nos desencantamos muito rapidamente. Raramente nos havia parecido tão urgente reencontrar um pouco de terra firme. É a esta necessária ‘re-fundação’, para este reembasamento, que nos convida Jean-Claude Guillebaud. O interesse pelo futuro, a igualdade, a razão, o universal, a liberdade, a justiça: cada um destes valores é fruto de uma história específica, enraizada no pensamento grego, no judaísmo e no cristianismo”. Só a clara consciência da história permite compreender porque estes valores, que são os mais essenciais, estão ao mesmo tempo mais frágeis do que nunca. Reinventar o mundo não é somente resistir à barbárie, é redefinir com lealdade o que nos une e para que futuro queremos caminhar.

Jean-Claude Guillebaud é escritor, jornalista e editor. Publicou entre outras obras, La Trahison dês Lumières (A traição do Iluminismo) – Prêmio Jean-Jacques Rousseau, 1995 – e A Tirania do Prazer – Prêmio Renaudot de Ensaio, 1998.

Um grande desafio: pois como diz o autor, “o planeta do futuro não será nossa herança e sim nossa criação ou invenção. O mundo que nos espera não está para ser conquistado, está por ser construído”.

 

Walter Antonio Bazzo


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