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Muita Leitura. Sempre!


Ler, sempre, de preferência nas mais diversas áreas de conhecimento, indubitavelmente é um potente "combustível" para o nosso aprimoramento intelectual. Eis a razão desta seção de publicação de resenhas sobre livros. Ela não deve ficar a cargo apenas dos componentes do Nepet. Ao contrário, deve ser um fórum onde todos possam nos brindar com as mais variadas contribuições através de relatos e informações que emprestem à leitura um forte componente para alimentar as reflexões na educação tecnológica.

(As resenhas são feitas a partir do original que foi lido.)


O mito do milênio: espiritualidade, amor e morte no fim dos tempos Michael Grosso. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1999 475 p.

O mito do milênio
Espiritualidade, amor e morte no fim dos tempos
Michael Grosso
Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1999, 475 p.

“O pavoroso, como disse Heidegger, penetrou em nossa mente. Desde Copérnico, como alegou certa vez Nietzsche, o planeta Terra está rolando do centro em direção a X. Somos um navio no mar, sem bússola, sem carta, sem comandante. Após dois mil anos de Cristianismo, descobrimos que nos encontramos num mundo virado de cabeça para baixo pela ciência e pela tecnologia, um mundo com imensas sublevações em formação, um mundo que cambaleia em algum ponto entre o Dia do Juízo Final e uma nova era.”

Este trecho já nos dá uma “pincelada” do assunto que novamente tem a ver com CTS. Aliás, quantos livros nos escapam de vista por não serem especialmente escritos para uma área de atuação em particular. Este é um deles. Michael Grosso – confesso nunca ter ouvido falar dele até então – é artista, psicólogo e diretor do Departamento de Filosofia e Religião no Jersey State College nos Estados Unidos. Nos diz, neste tratado, que a atração do ser humano pelos anos que encerram ou iniciam os milênios é uma das mais intensas forças do inconsciente da nossa espécie: o desejo de transformação, de integração de uma vida mais de acordo com as nossas tendências profundas.

É esse desejo de uma humanidade mais integrada que impulsiona tudo o que fazemos e que explode em nosso consciente no marco de cada milênio. O Mito do Milênio faz um balanço, uma avaliação e dá novas perspectivas aos nossos sonhos. Uma vida mais intensa, um amor com mais êxtase, um trabalho menos escravizador e finalmente uma morte mais mística, o contato com seres do espaço misterioso – tudo isto pode fazer a vida humana nos próximos anos dar um salto incomparável, o maior que já tínhamos experimentado, ou fazer-nos submergir sob o peso do nosso luxo e da nossa loucura se continuarmos nos mesmos padrões de destruição em que vivemos hoje.

São temas polêmicos que se somam às inúmeras variáveis de nossa equação complexa de entender a civilização humana contemporânea. Mas para sabermos melhor de que trata o livro nada melhor que a própria descrição do autor no início da obra:

Uma Visão Rápida do Futuro

“Este livro divide-se em duas partes. A primeira é histórica e focaliza a influência do Mito sobre momentos decisivos na história do Ocidente. Começamos com as origens da grande visão, retroagindo a Zoroastro e à criação épica babilônica. Passamos em seguida a um capítulo sobre o profeta medieval Joachim de Fiore, cuja grande realização consistiu em associar o Mito de Milênio à história. Joachim foi precursor de uma extensa linhagem de historiadores proféticos, como Hegel, Nietzsche, Marx, Comte e outros. Na Renascença e no Iluminismo, essas duas brilhantes cristas em nossa onda temporal evolutiva, a mente e a alma do Mito acendem-se em locais históricos específicos. A Renascença revela o indivíduo multifacetado e o imenso potencial da arte e da ciência; o Iluminismo transmite à história os ideais modernos de igualdade, pluralismo e otimismo. Em raros casos, o ideal de igualdade do Iluminismo une-se ao entusiasmo milenarista, como no americano que George Bernard Shaw chamou certa vez de “super-homem” – John Humphrey Noyes, o fundador de um dos mais ousados experimentos da história americana. Ainda no modo histórico, o Capítulo 5 passa em revista o Milênio americano, um local em tempo imaginado no qual a quase divindade do “homem comum” é descoberta, um lugar onde cada pessoa reivindica seu direito nato de compor a sua própria “Canção de Mim Mesmo”.

Os dois últimos capítulos da primeira parte nos colocam face a face com o lado de pesadelo do Mito, com os frutos da transcendência maligna. O Mito do Milênio desempenhou um papel de vulto no movimento hitlerista e no comunismo soviético. As aberrações sociais desses movimentos constituíram ampliações da “Família” de Manson e dos “Homens Poderosos”, de Koresh. Continham alto grau de idealismo deformado, misturado com um sentimentalismo brutal. Infelizmente, as forças que contribuíram para o nascimento desses horrores anti-sociais continuam ainda muito presentes entre nós – a pobreza, a anomia, a injustiça e um anelo por soluções messiânicas, isto é, simplistas.

Na parte dois, formulo hipóteses sobre as maneiras de como o Mito pode estar modelando o futuro da consciência americana. Analiso a balbúrdia denominada de Nova Era Americana através da lente do Mito do Milênio e passo em seguida a uma visão geral dos muitos fenômenos estranhos e, não raro, anômalos, que estão sendo atualmente divulgados na América e em outros países, e descubro que estão carregados de conotações milenaristas. Os anjos, por exemplo, são símbolos bíblicos do fim dos tempos que se aproxima, fato este interessante, à luz da epidemia de notícias sobre o aparecimento de anjos, que estamos hoje presenciando.

Descubro ainda que o Mito vem aplicando seu encanto ao caso amoroso do homem com a tecnologia. Quando a tecnologia moderna converge com a imaginação apocalíptica, surge um novo fenômeno, que me levou a cunhar uma palavra – tecnocalipse. A tecnocalipse está mudando nossa natureza biológica. Nossa vida torna-se cada vez mais entrelaçada com máquinas. Dirigimo-nos em linha reta para a escatologia da máquina.

O que quer que a máquina prometa fazer por nós, permanecerão dois temas que precisaremos deslindar: o amor e a morte, que perpassam por todos os capítulos. Nada há de modesto no Mito do Milênio: o mito está decidido a abolir a morte. O Mito – e dele vemos os primeiros vislumbres no épico de Gilgamesh – rebela-se contra a morte. Nas palavras de São João, o Divino, “a morte não existirá mais”, ou para citar um profeta de tipo diferente, Timothy Leary disse que a “ciência tem que esmagar a morte”. Examinaremos, portanto, as perspectivas de escapar da maldição de nossa mortalidade e tentaremos esboçar um novo paradigma para a morte.

O mito reescreve também as regras do amor, do sexo e das relações humanas. Numa época em que é rampante a incivilidade selvagem, talvez seja aconselhável repensar a faixa e qualidade de nossos amores, a maneira como eles nos humanizam e bestializam. Conforme veremos, o Livro do Apocalipse leva-nos ao núcleo abrasante do Mito do Milênio. Nele enfrentamos o dilema de acorrentar ou soltar a serpente. Este é o único caminho para o milagre prometido pelos profetas, o milagre do amor e do sexo – emancipados do demônio do medo e da opressão.”

É ou não é um convite irresistível para a leitura deste livro? Eu confesso que me surpreendi com as reflexões que ele me proporcionou.

Walter Antonio Bazzo
Julho de 2011


O Século Betty Milan. Rio de Janeiro: Editora Record S/A, 1999, 179 p.

O Século
Betty Milan
Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, 179 p.

Nada como alguns dias de férias nas atividades de sala de aula para colocar as leituras em dia. E, para que os leitores destas pequenas resenhas tenham tempo também para esta “arrumadinha” nas leituras serei breve na descrição de mais este livro. Aliás, este é mais um daqueles que já estão nas gôndolas a preço de liquidação. E junto com eles vieram muitos outros que serão motivos de comentários nesta nossa seção em futuro próximo. O Século é uma coletânea de excelentes entrevistas realizadas por Betty Milan no início do século XXI. Nesta reunião de grandes pensadores temos muitos temas que nos ajudam a entender as imbricadas relações no mundo contemporâneo. Paul Virilio, quando fala sobre as cidades diz que “o arranha-céu é um gueto vertical”. Ao responder à repórter sobre a guerra, Pierre-Marie Gallois traz o Brasil à tona ao comentar: “Se o Brasil que entrar no clube das grandes nações, tem que se tornar uma potência nuclear”. Declarações bombásticas que nos fazem pensar muito trazendo novamente à discussão as complexas relações da tecnologia e a sociedade. Os temas são os mais variados e Pierre Gourou também é convidado de Betty para responder sobre a Terra: “O clima do mundo não depende do que acontece na Amazônia, mas da repartição das terras e dos mares”. Gérard Chaliand comenta sobre o Desterro. A vida dura das imigrações de vários povos. Assuntos que muitas vezes só vemos superficialmente através dos noticiários televisivos sem qualquer juízo de valores. Em sua entrevista diz: “Só o ocidente acolhe imigrantes”. “Acredito que não ultrapassaremos os 100, 110 anos. Mas é possível que aos 100 possamos fazer sexo como aos 20” é uma das declarações mais fortes de François Jacob ao discorrer sobre a vida. As mulheres é o tema tratado com Michele Sarde que diz em certa altura da entrevista: “A liberdade tem um preço e os homens tendem a fugir das grandes mulheres”. Na sequência destes provocativos temas Catherine Millot conversa com Betty sobre o sexo: “A liberdade sexual não existe. Ou bem estamos sujeitos à interdição ou ao imperativo de transar”. Nesta malha de questões postas sobre a civilização humana mais 3 temas são tratados; a língua, quando Claude Hagège diz textualmente: “A americanização dos brasileiros é um insulto à latinidade”; a arte em que George Mathieu é duro: “Baudrillard tem razão: a arte contemporânea é nula”; e, finalmente, Dominique Wolton fala sobre a comunicação – talvez uma das mais potentes ferramentas de dominação que existe hoje: “A função principal da mídia é estabelecer o laço social”. Precisa mais desafios para esta leitura?

Walter Antonio Bazzo
Julho de 2011


A próxima Idade Média: A degradação do grande sistema Roberto Vacca. Rio de Janeiro: Editora Pallas S/A,1975, 163 p.

A próxima Idade Média
A degradação do grande sistema
Roberto Vacca
Rio de Janeiro: Editora Pallas, 1975, 163 p.

Vejam a data deste livro. 1975. Mesmo assim sua leitura é imperdível. O problema vai ser encontrá-lo. Acho que a grande possibilidade reside em vasculhar os Sebos existentes na Internet. Mas reforço que vale a pena. Roberto Vacca nasceu em Roma em 1927. Laureado em Engenharia Eletrotécnica, projetou e construiu linhas de transmissão de energia elétrica de alta tensão, engenhos automatizados, aparelhos mecânicos e circuitos de cálculo eletrônico. Eis, portanto um engenheiro falando sobre sua obra. Já naquela época colocando a possibilidade da degradação dos sistemas tecnológicos. Essa ideia de relacionar o aparecimento de uma nova Idade Média em função da degeneração dos sistemas que controlam a vida humana atualmente – no caso de seu livro na década de 1970 – é grande contribuição de seu estudo. Passaram mais de 40 anos e muito daquilo comentado no livro já aconteceu. Outras coisas continuam acontecendo. E o homem segue na sua inabalada “caça” ao progresso daquilo que nem sabe para que. Não vou me aprofundar nesta análise – é melhor que o livro seja lido pelos interessados – e apenas dizer que este livro – escrito por um especialista de engenharia e sistemas – analisa outros sintomas, ainda não revelados, da deterioração dos sistemas, explica como se chegou a esta situação e descreve como, porque e quando as grandes cidades começaram a morrer, arrastando, neste seu retrocesso, os mais avançados países da atualidade. Fazer um estudo similar com a atualidade se torna mais fácil depois da leitura deste livro. Para quem quer entender um pouco mais sobre CTS é indispensável. Tomara que os interessados consigam encontrar a obra.

Walter Antonio Bazzo
Julho de 2011


O império do medo: guerra, terrorismo e democracia Benjamin R. Barber. Rio de Janeiro: Editora Record, 2005, 250 p.

O império do medo
Guerra, terrorismo e democracia
Benjamin R. Barber
Rio de Janeiro: Editora Record, 2005, 250 p.

O mundo parou. As televisões, rádios, jornais e correlatos não falam em outra coisa. Finalmente Bin Laden está morto. A vitória americana se configura em mais um sucesso na defesa da civilização humana. Começam a ser justificados os bilhões de dólares investidos na guerra contra o terror. Os americanos comemoram. Os humanos se sentem mais aliviados. O mundo está mais seguro. E o império do medo segue na sua carreira inabalável.

Coincidentemente, nesta avalanche de informações, dúvidas, euforias e similares, eu estava lendo um livro que agora encerro, e não sabia se o recomendava aqui em nossa seção.

No entanto ele nunca me pareceu mais propício para entendermos essa rede complexa que rege o mundo em seus mais diversos interesses isolados. Por isso estou aqui recomendando, sempre com o cuidado de dizer que as leituras oferecem as mais diferentes interpretações. Esse cuidado, no entanto, não nos leva a abandonar algo que pode dar de frente com nossas convicções.

O Império do Medo é escrito por um professor da Universidade de Maryland chamado Benjamin R. Barber, cientista político e autor de vários outros ensaios. É norte-americano, portanto farto conhecedor da política dominadora daquele país. Seu apontamento principal recai no seu dito “Não podemos derrotar o medo com o medo”. Neste pressuposto desenvolve todo o seu raciocínio desafiando a todos os americanos – e por extensão todos os habitantes da terra – a repensar o desenvolvimento humano, tecnológico, econômico e social por uma política onde o medo dê lugar à fraternidade.

“O medo é a arma mais poderosa do terrorismo. Se nos deixarmos dominar por especulações sobre o que “poderia acontecer”, tornaremo-nos instrumentos – súditos voluntários ou involuntários – do império do medo. Nesta análise crítica – contundente, mas pragmática – da política externa do governo Bush [mas ainda impregnada na vida americana atualmente], Benjamin Barber expõe em detalhes a insensatez de um programa de guerra preventiva, e o situa no contexto de 200 anos de doutrina estratégica dos Estados Unidos, abordando inclusive a história recente dos conceitos de dissuasão e contenção.

O Império do Medo mostra como os “Estados Unidos” foram selecionados para substituir terroristas – difíceis de serem localizados e destruídos; e como Washington continua a apoiar ditaduras em nações consideradas amigas, enquanto acredita ser capaz de impor a democracia a inimigos subjugados. O 11 de setembro ensinou aos americanos que seu impressionante poderio militar não os protege; a guerra com o Iraque demonstrou que podem ter meios de conquista, mas evidenciou suas limitações como agentes da democratização.

Os Estados Unidos, em sua resposta ao terrorismo, invocaram o direito de promover ações unilaterais que abalam o sistema internacional de cooperação e domínio da lei, do qual este país foi, no passado, o principal arquiteto, e que constitui o único meio de superar a anarquia terrorista. Embora se considerem um modelo de sociedade democrática, os governantes americanos agem frequentemente com um desdém plutocrático pelo resto do mundo. Condenam um “eixo do mal” obscuro, ignorando, ao mesmo tempo, algo bem evidente como o “eixo da desigualdade”.

O autor argumenta convincentemente que este farisaísmo coloca em risco o futuro dos Estados Unidos – e do restante do mundo –, e que não é possível promover democracia confundindo liberdade com livres mercados anárquicos, nem querendo impor a outras nações um materialismo secular agressivo, ou estruturas políticas calcadas no modelo de Washington. Da epidemia de AIDS ao aquecimento global, dos monopólios da mídia transnacional aos sindicatos internacionais do crime, tudo em um mundo independente aponta para a necessidade de uma estratégia de “segurança nacional” com base em uma “democracia preventiva”. Com insights perspicazes e uma crítica bem fundamentada, Barber oferece uma visão inspirada e inspiradora da cidadania mundial para o século XXI.

Esta citação constante da orelha basta para recomendar o livro em questão. Paro por aqui sugerindo fortemente – o que não é novidade para quem lê meus relatos costumeiramente – sua leitura sem fazer juízo de valores. Cada um que tire suas conclusões e reflexões, pois certamente elas surgirão às centenas.

Mas ao terminar este relato não resisto em deixar a pergunta que muito me instigou depois desta leitura: quem será a “bola da vez” para que os norte-americanos – parcela deles ao menos – continuem justificando os trilhões de dólares para continuar movendo sua indústria bélica de tecnologia avançada para fazer cada vez mais o império do medo continuar dirigindo nossas vidas?

Ah, ia esquecendo de colocar o conteúdo básico do livro. Isso é importante para mapear, mesmo que superficialmente, os argumentos que o autor utiliza para desenvolver sua brilhante linha de raciocínio. O livro é dividido em duas partes:

    PRIMEIRA PARTE
    Pax Americana ou Guerra Preventiva

  • Águias e corujas
  • O mito da independência
  • A guerra de todos contra todos
  • A “nova” doutrina da guerra preventiva
  • A “velha” doutrina da dissuasão

    SEGUNDA PARTE
    Lex Humana ou Democracia Preventiva

  • Democracia preventiva
  • Não se pode exportar o McMundo e chamar isso de democracia
  • Não se pode exportar os Estados Unidos e chamar isso de liberdade
  • CivWorld

Walter Antonio Bazzo
Maio de 2011


Jogos finitos e infinitos: a vida como o jogo e possibilidade James P. Carse. Rio de Janeiro: Editora Nova Era, 2003, 235 p.

Jogos finitos e infinitos
A vida como o jogo e possibilidade
James P. Carse
Rio de Janeiro: Editora Nova Era, 2003, 235 p.

Estava ansioso pelo mês de abril. Todos os anos, nesta época, vou às gôndolas de livrarias que costumam “queimar” estoques. O nome das livrarias não importa. São muitas e nos oferecem verdadeiras “pérolas” por preços bem interessantes. Não sei por que, mas muitas adotam o famoso R$ 9,90 por exemplar. Melhor para nós que podemos adquirir uma verdadeira coleção e depois degustá-la ao longo do ano. São romances, ficção, poesias, dramas, técnicas… que desfilam sob nossos olhos trazendo as ideias de vários pensadores. Nosso intuito, não cansamos de repetir, é trazer, nesta página, conteúdos que, de uma maneira ou outra, contribuem com nossas reflexões voltadas à sociedade contemporânea. Isso é muito arriscado porque nessa seleção ficamos com alguns apenas para nós. É o preço que se paga pela escolha direcionada. Mas reafirmamos como fazemos na chamada desta seção: Muita Leitura! Sempre. Nos romances, nas ficções, muitas dessas reflexões também estão presentes.

Enfim, vamos falar de um especificamente. Na livraria, já na leitura da “orelha” não consegui mais parar. Instigou-me sobremaneira. Fala de pessoas, educação, jogos, escolhas e principalmente de solidariedade na resolução de problemas. Os outros, que já havia colocado na sacola, ficam para mais tarde – mas seguramente também serão lidos. Todos a seu tempo e de acordo com meu tempo.

James P. Carse, professor de religião na New York University, neste livro fala de jogos. Os finitos e os infinitos. Que será isso? Quem ganha? Quem perde? Por que o finito tem regras rígidas e precisa de ganhador? E o infinito de que trata? O que isso tem a ver com educação e treinamento? Depois de várias colocações instigantes, já lá pela página 38 ele começa a nos apontar traços de uma possível resposta:

“Estar preparado para combater a surpresa significa ter sido treinado. Estar preparado para a surpresa é ter sido educado. A educação descobre uma crescente riqueza no passado, porque ela vê o que está inacabado nele. O treinamento encara o passado como encerrado e o futuro como algo a ser terminado. A educação leva em direção a uma contínua autodescoberta; o treinamento conduz a uma autodefinição final. O treinamento repete no futuro um passado concluído. A educação faz um passado não terminado continuar no futuro.”

Podíamos parar por aqui e já teríamos motivos para ir buscar a resposta desta citação intrigante na leitura do livro. E como tem a ver com tudo que estamos discutindo sobre CTS e futuro do homem! Mas vamos mais em frente trazendo mais alguns fragmentos de sua tese.

O sumário do livro nos permite conhecer o apontamento de suas ideias: 1. Existem pelo menos dois tipos de jogos; 2. Ninguém pode jogar sozinho; 3. Eu sou o gênio de mim mesmo; 4. O jogo finito ocorre dentro de um mundo; 5. A natureza é a esfera do indizível; 6. Controlamos a natureza por motivos sociais; 7. O mito provoca uma explicação, mas não aceita nenhuma delas. Estes capítulos são escritos de maneira leve e de forma rápida. Encerram ao longo deles mais que 100 itens escritos com reflexões instigantes.

Dentro dessas inúmeras ideias, lá num dos itens do livro – para ser mais preciso no 25 – ele traz novamente as questões educacionais pontuando:

“Enquanto os jogadores finitos conquistam títulos para que vençam seus jogos, devemos dizer que os jogadores infinitos possuem apenas seus nomes. São dados os nomes à semelhança dos títulos. As pessoas não podem dar nomes a si mesmas, assim como não podem conferir títulos a si mesmas. Não obstante, ao contrário dos títulos, que são concedidos pelo que a pessoa fez, o nome é dado na ocasião do nascimento – num momento em que a pessoa não pode ainda ter feito nada. Os títulos são outorgados no final do jogo; os nomes, no início. Quando a pessoa é conhecida por um título, a atenção recai sobre um passado completado, sobre um jogo concluído, e portanto que não será jogado de novo. O título na verdade tira a pessoa do jogo. Quando a pessoa só é conhecida pelo nome, a atenção dos outros recai num futuro aberto. Não podemos simplesmente saber o que esperar. Sempre que nos dirigimos uns aos outros pelo nome desprezamos todos os roteiros, e abrimos a possibilidade de que nosso relacionamento se tornará profundamente recíproco. O fato de eu não poder prever agora seu futuro é exatamente o que torna o meu imprevisível. Nossos futuros se interpenetram. O que é o seu futuro, e o meu, se torna nosso. Nós nos preparamos mutuamente para a surpresa”.

Será que o trecho acima não nos faz refletir ainda mais sobre o educar e o treinar?
Os fragmentos realmente provocam a leitura para entender o fio condutor do livro como um todo. E o autor, juntando à educação, fala de máquinas e lixo. Tudo a ver com os perigosos “jogos” que estamos enfrentando com vistas ao futuro:

“A maquinaria é contraditória ainda de outra maneira. Ao usá-la contra ela mesma e contra nós mesmos, também a usamos uns contra os outros. Eu não posso usar a maquinaria sem usá-la com outra pessoa. Eu não falo ao telefone; eu falo com alguém ao telefone. Eu ouço alguém no rádio, vou de carro visitar um amigo, computo transações comerciais. Na medida em que minha associação com você depende dessa maquinaria, o agente de comunicação faz de cada um de nós uma extensão de si mesmo… Se operar uma máquina é operar como uma máquina, então nós não apenas operamos uns com os outros como máquinas, mas também operamos uns aos outros como máquinas…
Esse fato é particularmente verdadeiro com relação às armas eletrônicas aerotransportadas da atualidade, nas quais o operador só lida com a tecnologia – botões, pontos no radar, luzes, mostradores, alavancas, dados de computador – e nunca com o oponente invisível. Com efeito, a maquinaria moderna de extermínio é de tal modo destituída de drama, que ela é projetada para atacar os inimigos somente enquanto eles ainda permanecem invisíveis. Isso alcança uma forma extrema na crença de que nossos inimigos são inimigos por serem invisíveis e não que eles são invisíveis por serem inimigos”.

“Como a maquinaria exige uma força externa, seu uso sempre requer a busca de uma energia consumível. Quando pensamos na natureza como um recurso, é como um recurso para a energia. À medida que nos preocupamos com a maquinaria, a natureza passa cada vez mais a ser vista como um reservatório de substâncias necessárias. Ela é formada por uma quantidade de materiais que existem para serem consumidos, principalmente nas nossas máquinas. Por não ser dividida, a natureza não pode ser usada contra si mesma. Por conseguinte, nós não consumimos a natureza, nem exaurimos a natureza. Nós simplesmente reorganizamos nossos padrões sociais de uma maneira que reduz nossa capacidade de reagir, de um modo criativo, aos padrões de espontaneidade, ou seja, usando a expressão social, nós criamos resíduos. Os resíduos, é claro, não são de modo algum inaturais. O lixo e o entulho de uma civilização não poluem a natureza; eles são a natureza – mas de uma forma que a sociedade não mais é capaz de explorar para satisfazer seus objetivos.
A sociedade encara seus resíduos com uma consequência infeliz, porém necessária, das suas atividades – o que resta depois que tornamos disponíveis bens essenciais para a sociedade. Mas os resíduos não são o resultado do que fizemos. Eles são o que fizemos. O plutônio residual não é uma consequência indireta da indústria nuclear; ele é um produto dessa indústria”.

O livro não traz uma conclusão. Ele traz uma porção de questionamentos que nos fazem refletir sobre uma gama de consequências que fazem “tremer” as bases da educação que vemos acontecer e que sentimos precisamos mudar.

Robert M. Pirsig, autor do livro Zen e a arte da manutenção das motocicletas, – que recomendamos fortemente sua leitura – faz um comentário, na contracapa do livro, que utilizamos aqui para encerrar nosso relato sobre ele:

“Habitualmente, nós acrescentamos novos fatos ao conhecimento existente, mas de vez em quando surge um livro como este e faz exatamente o oposto – ele adiciona um outro padrão de conhecimento aos fatos existentes. O resultado é incrível. Coisas monótonas e antigas que já conhecemos há anos de repente surgem com uma dimensão bem diferente”.

Walter Antonio Bazzo
Abril de 2011


O fim da América: cartas a um jovem patriota norte-americano Naomi Wolf. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010, 255 p.

O fim da América
Cartas a um jovem patriota norte-americano
Naomi Wolf
Rio de Janeiro: Editora Record, 2010, 255 p.

“É fácil olhar em volta nos Estados Unidos de 2007 e escolher acreditar que esta advertência é exagerada. Afinal, estamos, de modo geral, fazendo o que sempre fizemos no dia a dia. Navegamos num mundo vibrante pela internet, circulamos por centenas de canais de TV, nos divertimos com filmes de Hollywood, lemos Best Sellers que apresentam todo tipo de opinião do universo político. Os tribunais estão apresentando suas decisões, os jornais publicam furos, passeatas contra a guerra estão sendo organizadas, uma corrida presidencial está em curso.” (p.53)

Escolhi este trecho, já na página 53 do livro que agora aqui apresento, para ressaltar o “sonambulismo” em que vivemos, ao pensar que a vida segue sempre no desenrolar honesto daquilo que nossos “eleitos” desconfiam nos levam a uma sociedade mais feliz e libertada.

O que me levou a ler este livro, confesso, foi o título. Nas minhas incursões em saber os escritos que podem nos auxiliar no debate constante da neutralidade da ciência e da tecnologia, O fim da América me convidava a saber que problema havia com a sociedade que se diz ser a mais “livre” do mundo ocidental. Gostei de ter aceitado o convite. E novamente estamos “bebendo” nos acontecimentos dos EUA. Pouco importa! A similaridade do desenvolvimento, nos países que se dizem democráticos, é quase total.

Naomi Wolf é americana nascida em São Francisco, em 1962. É consultora política e advoga em prol de causas feministas e ajudou a fundar o American Freedom Campaign, um movimento democrático cuja missão é defender a Constituição e o cumprimento das leis nos Estados Unidos. Por isso a importância de seu ensaio. Uma americana defendendo a continuidade das liberdades de sua constituição, segundo ela, formulada com uma intenção – pelos que ela chama de os “Fundadores” –, e que pela falta de cuidado e pelo “sonambulismo” de muitos corre sérios riscos. A chamada da contracapa evidencia esta preocupação:

“Nós, americanos, confiamos na liberdade ao nosso redor como confiamos em ter ar para respirar, por isso possuímos um entendimento limitado das fornalhas da repressão que os Fundadores conheciam intimamente. Poucos de nós consomem muito tempo pensando sobre como o sistema que eles estabeleceram protege nossas liberdades. Gastamos ainda menos tempo considerando os métodos dos ditadores do passado para destruir democracias ou reprimir levantes democráticos. Nós achamos que nossa liberdade americana está garantida, do mesmo modo que consideramos garantidos nossos recursos naturais. Em ambos os casos, acreditamos, sem pensar, numa renovação mágica. Demoramos muito a perceber como eram vulneráveis ambos os recursos – só quando os sistemas começaram a falhar. Fomos lentos em aprender que a liberdade, como a natureza, requer que cuidemos dela para que continue a nos sustentar”.

Já seria o suficiente a renovação do convite a leitura. Mas o livro traz muito mais porque nos leva a raciocinar sobre o que vem acontecendo também no Brasil – as similaridades de comportamentos sociais são evidentes – com a imprensa, as escolas, as políticas e o descuido com os comportamentos sub-reptícios que embalam aqueles que vivem ainda no berço esplêndido do “progresso” pelo progresso. Mesmo sabendo que pouquíssimos possuem as “possibilidades” para isso. Ou vamos continuar seguindo “nossos heróis” dos Big Brother Brasil, que tomam quase todas as manchetes dos nossos tão “livres” meios de comunicação?

Ainda falando um pouco mais sobre a importância do teor do livro, reporto-me, agora, à “orelha”, que descreve resumidamente a ideia mestra da autora:

“Em cartas endereçadas ao idealista Christopher Le – o ‘jovem patriota’ do subtítulo, um ativista nato, professor e líder de base, que ajuda a administrar uma entidade nacional de prevenção a suicídios e milita a favor de várias causas –, Naomi Wolf mostra que há dez etapas clássicas que ditadores e aspirantes a ditadores sempre adotam quando querem sufocar uma sociedade aberta. Cada uma dessas etapas, segundo a autora, está em andamento nos Estados Unidos. Neste oportuno chamado às armas, Wolf nos leva a encarar o modo como os Estados Unidos estão sob ataque atualmente, seja pelo ódio islâmico, seja pelo uso de procedimentos ilegais para julgar combatentes inimigos. Ela alerta – com a franqueza concidadã de um panfleto revolucionário de Thomas Paine – que os norte-americanos têm pouco tempo a perder se quiserem que a próxima geração viva a liberdade genuína de uma verdadeira democracia. O fim da América vai chocar, enfurecer e motivar, impelindo os americanos a agir como rebeldes e patriotas – do modo como os fundadores fariam em tempos como estes – para preservar a liberdade e a nação.”

É uma tese complexa que, seguramente, levará a diversas interpretações e analogias com as mais diferentes sociedades organizadas pelo mundo afora. A autora foi ousada e para isso desenvolveu seu raciocínio através da seguinte organização do texto:

– Prefácio; Introdução: dez etapas; 1. Os Fundadores e a fragilidade da democracia; 2. Invocar ameaças internas e externas; 3; Criar prisões secretas; 4. Desenvolver uma força paramilitar; 5. Vigiar cidadãos comuns; 6. Infiltrar-se em grupos de cidadãos; 7. Deter e libertar cidadãos arbitrariamente; 8. Perseguir pessoas-chave; 9. Cercear a imprensa; 10. Classificar as críticas de “espionagem” e a discordância de “traição”; 11. Subverter o estado de direito; Conclusão: A missão do patriota.

Nessa linha de raciocínio, traz à “baila” determinados comportamentos de personagens que vão de Bush a Stalin, de Hitler a Pinochet e de muitos outros que, com comportamentos semelhantes, foram desenhando a civilização do século XXI. Sem no entanto trazer tendências de julgamento, traz dados congruentes que nos fazem, neste trecho, verificar como isto tudo respinga no comportamento da ciência e da tecnologia, nas formas como elas são trabalhadas e produzidas nos mais diversos setores da sociedade:

“Todas as ditaduras e aspirantes a ditadores estrategicamente direcionam suas armas para alguns indivíduos-chave. Perda de emprego e obstáculos na carreira são alguns dos primeiros tipos de pressão que essas pessoas provavelmente vão enfrentar. Em 2001, a Fundação Nacional de Ciências deixou claro que seus subsídios não seriam mais concedidos de acordo apenas com critérios científicos se as pesquisas questionassem o programa político do governo Bush. Quando os recursos de patrocínio de um pesquisador são extintos, ele é neutralizado como cientista. O governo Bush abarrotou com aliados os comitês científicos consultivos, que eram para ser apartidários. Em fevereiro de 2004, a União dos Cientistas Preocupados publicou uma condenação desses abusos, com 6 mil assinaturas. Mais uma vez, essa pressão não é uma ideia original. Goebbels interferiu nas ciências também – até mesmo criando um instituto de ciência baseada em raça para substituir a ‘degenerada’ ciência baseada em ciência. Quando os pesquisadores alemães se queixaram de que seu trabalho estava sendo prejudicado porque alguns membros haviam sido expurgados por não concordarem com a ‘linha do partido’, Hitler observou que, a seu ver, a Alemanha podia passar sem física ou química por uma centena de anos.” (p. 157/158)

Quantas vezes, em nossos estudos sobre a ciência e a tecnologia, nos debatemos a estudar a neutralidade de suas ações. É possível tal discussão sem o conhecimento dessa história ideológica do comportamento social?

“Os Estados Unidos não se orientam apenas por ideologias puras como aconteceu com a Itália fascista e a Alemanha nazista. Nos Estados Unidos, os lucros guiam os acontecimentos onde a ideologia não o faz. Poucos dias depois dos atentados de 11 de setembro, indústrias de segurança estavam fazendo lobby junto a funcionários de governo e dos aeroportos para que investissem em novas tecnologias de vigilância. Seis anos depois, a indústria de vigilância se tornou um negócio formidável: ‘Tecnologias de vigilância estão emergindo como um dos filões mais sólidos da nova ‘indústria do antiterrorismo’’. Em 2003, analistas de negócios calcularam o valor dessa florescente indústria em US$ 115 bilhões anuais. Se as tendências continuassem, segundo eles, a onda de demanda por novos produtos de vigilância e segurança traria lucros de US$ 130 a 180 bilhões por ano em 2010”. (p. 69/70)

Então? Quanta coisa para discutir em aulas de CTS… Quantas interrogações a ilustrar a equação do desenvolvimento tecnológico e humano… Enfim, eis fragmentos deste livro. A sequência fica com os interessados. Mas um alerta mais agudo fica nesta citação que abre as páginas deste livro:

“O cair da noite não acontece de uma vez só, nem a opressão. Nos dois casos, há um crepúsculo em que tudo parece continuar igual. E é durante esse crepúsculo que todos nós precisamos ficar muito atentos às mudanças no ar – por mais sutis que sejam –, antes que nos tornemos vítimas involuntárias da escuridão.” (Juiz William O. Douglas)

Walter Antonio Bazzo
Março de 2011


Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos Benjamin R. Barber. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008, 473 p.

CONSUMIDO
Como o mercado corrompe crianças,
infantiliza adultos e engole cidadãos
Benjamin R. Barber
Rio de Janeiro: Editora Record, 2008, 473 p.



“O professor Barber é alguém que deve ser ouvido”, escreve o The Guardian numa das chamadas da contra capa deste livro. Após uma leitura rápida, confesso que fiquei instigado a dizer que ele deve ser muito ouvido – no caso em questão lido –, porque a linha mestra de sua profunda obra nos remete a pensar na “embrulhada” em que a sociedade humana vem se metendo pela voracidade do consumismo exacerbado.

Este provocativo estudo sobre democracia e capitalismo, ao qual Benjamim Barber dedicou toda sua vida, mostra como o etos infantilista priva a sociedade de cidadãos responsáveis e substitui bens públicos por mercadorias privadas. A tradicional sociedade democrática liberal é colonizada por uma imposição generalizada do mercado; o espaço público é privatizado; a identidade é transformada numa marca comercial; o nosso mundo, homogeneizado.

Barber argumenta que o consumismo se apresenta numa forma tardia do capitalismo, inicialmente um sistema de produção de bens úteis à população. O autor considera que a desigualdade global separou o planeta em dois tipos de potenciais consumidores: o pobre do país em desenvolvimento, com muitas necessidades, mas sem meios de satisfazê-las, e o rico do país desenvolvido, com muito dinheiro, mas sem ter porque gastar. E então afirma que o capitalismo atual não se baseia mais na produção de mercadorias, mas na de necessidades.

Esses indícios trazidos pelo livro me inquietaram. Não são poucas as perturbações, quando estamos discutindo Tecnologia e Desenvolvimento em nossas aulas, que trazem à tona a questão da geração de necessidades. E isso está encravado nas nossas ansiedades, quando vemos o papel da tecnologia na sociedade atual. Até quando teremos matéria prima disponível para “tentarmos” o tão em moda “desenvolvimento sustentável”? Cada vez me convenço mais – infelizmente – que, a continuar com este modelo de consumo, estamos montando uma equação que não comporta uma solução com final feliz.

É Barber quem diz que, se os pobres não podem enriquecer o suficiente para se tornarem consumidores, então os adultos do mundo em desenvolvimento – atualmente responsáveis por 60% do consumo mundial – terão que ser atraídos às compras. Induzi-los a permanecer infantis e impetuosos em seus gostos ajuda a assegurar que comprem os bens do mercado global destinados a jovens indolentes e prósperos.

De maneira brilhante e profunda, Barber confronta as prováveis consequências para nossos filhos, nossa liberdade e nossa cidadania, e acaba por mostrar como os cidadãos podem resistir e transcender à esquizofrenia cívica que o consumismo disseminou. Para tal linha de raciocínio seu livro traz as seguintes reflexões:

Parte 1 – O nascimento dos consumidores: 1. O capitalismo triunfante e o etos infantilista; 2. Do protestantismo à infantilidade.

Parte 2 – O Eclipse dos cidadãos: 3. Infantilizando consumidores: A chegada dos Kidults; 4. Privatizando cidadãos: A produção da esquizofrenia cívica; 5. Ostentando identidades: A perda de significado; 6. Homogeneizando a sociedade: O fim da diversidade.

Parte 3 – O destino dos cidadãos: 7. Resistindo ao consumismo: O capitalismo pode curar-se?; 8. Superando a esquizofrenia cívica: Restaurando a cidadania num mundo de interdependência.

Vou ser repetitivo em relação às outras resenhas – ou chamadas para leitura – dizendo que este livro é mais um dos imperdíveis para produzir reflexões quando estamos falando sobre Desenvolvimento Humano e Desenvolvimento Tecnológico. Ele nos ajuda a não ficarmos apenas em “conversas de botequim” dos “eu acho”, “me parece”, “vi na TV” e por aí vai. Fundamentado em extensa pesquisa, o livro produz uma rede de reflexões que nos leva a pensar que tipo de cidadania queremos. Mas, mesmo querendo parar por aqui, não me furtarei de colocar alguns trechos que podem, mesmo sem a leitura do livro como um todo – que reafirmo deve ser feita –, suscitar muitos debates quando estamos trabalhando os conteúdos de nossas aulas. Independentemente da área de atuação.

“A nova corrupção no ensino superior decorre de tratar os estudantes não como aprendizes autônomos, mas como consumidores livres e compradores ainda não comprometidos com marcas – clientes de serviços educacionais. Vendedores veem um mercado de US$ 200 bilhões por ano formado por ‘subsistema particularmente atraente de jovens americanos’ que ainda estão procurando marcas e que controlam uma extraordinária renda disponível e influência de mercado sobre seus pais e outros adultos. Faculdades e Universidades carentes de recursos vêem oportunidades de ‘parceria’ (um contrato exclusivo com a Coca-Cola ou a Pepsi, uma ocasião favorável de pôr o nome num estádio) como uma oportunidade ‘livre’ de replanejamento de orçamentos que sofrem com a redução de recursos do Estado.” (p.26)

“Também é mais fácil, num sentido genérico, assistir do que fazer; mais fácil assistir à TV, onde a imaginação é mais passiva, do que ler livros, onde a imaginação é mais ativa; mais fácil masturbar-se do que estabelecer relacionamentos dentro dos quais a sexualidade recíproca e a sensualidade interpessoal são componentes saudáveis; mais fácil manter um relacionamento sexual arbitrário e inconstante do que um relacionamento envolvendo compromisso. Em suma, é mais fácil ser uma criança do que um adulto, mais fácil brincar do que trabalhar, mais fácil deixar de lado do que assumir uma responsabilidade. Este não é um argumento conservador frouxo (embora conservadores talvez o entendam melhor do que outros). Chame-o de aristoteliano ou mesmo de utilitário na versão de John Stuart Mill. Porque o que está sendo argumentado é que em cada caso o que é fácil também pode revelar-se menos gratificante, dificultando, em vez de aumentar a felicidade humana. Mas esta é uma lição que apenas os adultos aprendem – depois de ser ajudados a crescer por pais, escolas, igreja e sociedade. Sob a influência da cultura da infantilização, faz-se com que esta lição pareça rígida e puritana, a preservação de pessoas hostis à felicidade”. (p. 106)

“A cultura do capitalismo de consumo moderno jogou fora toda esta bagagem freudiana (e protestante). Pela primeira vez na história, uma sociedade sente que sua sobrevivência econômica exige uma espécie de regressão controlada, uma cultura que promove a puerilidade em vez do amadurecimento. A estratégia não representa uma campanha contracultural para reconhecer que essas características da infância podem ser fontes de virtudes (inocência, autenticidade, criatividade, espontaneidade e espírito brincalhão). Pelo contrário, é uma campanha para reprimir essas características da infância em favor de outras que tornam os adultos vulneráveis, manipuláveis, impulsivos e irracionais. Essa estratégia faz sentido comercial, uma vez que o mercado não infantiliza devido a um amor ético à infância e as suas supostas virtudes, mas devido a uma necessidade instrumental de vender bens desnecessários a pessoas cujo julgamento e gosto adultos são obstáculos a esse consumo. Por outro lado esta estratégia pode fazer pouco sentido eticamente ou em termos de civilização”. (p. 130)

“Os cidadão são adultos. Os consumidores são crianças […] Os cidadãos adultos exercem o poder coletivo legítimo e gozam da verdadeira liberdade pública. Os consumidores exercem a escolha trivial e gozam da liberdade falsa. Mesmo quando são infantis, os consumidores têm um lugar numa sociedade livre e representam uma parte do que significa viver livremente. Mas não definem, e não podem definir, a liberdade civil. Quando são definidos como tal, a sociedade livre é posta em risco. A privatização não apenas reforça a infantilização: no reino da política, é a sua própria realização”. (p. 185)

“Num livro com o sugestivo título de Preference Pollution: How Markets Create the Desires We Dislike, o economista David George explica como o mercado tem usado sua capacidade para satisfazer ‘desejos de primeira ordem’ (como Harry Frankfurt os chama num trecho citado no capítulo 4) mesmo quando ignora os ‘desejos de segunda ordem’ que constituem o que poderíamos entender como sendo nossa vontade genuína. O mercado nos dá o que ‘queremos’ (meu exemplo anterior de carrões poluentes e que consomem muita gasolina), mas não presta atenção alguma ao que queremos querer (independência em energia e ar limpo). Ao servir ao desejo, ele se sente livre para empreender uma ‘persuasão irrestrita’ sobre os desejos de primeira ordem, achando que fazendo isso legitima a livre vontade”. (p. 249)

Mas, espera, não posso terminar esta tentativa de um relato sobre um livro que nos preocupa, mas que também nos devolve esperanças, sem as palavras finais que li e reli para a complementação destas breves reflexões:

“A resistência a essas forças pode surgir de uma renovação do chamado cívico. O chamado cívico conclama uma sociedade capaz de atender generosamente às ‘necessidades irredutíveis’ das crianças no mundo sem transformar adultos em crianças ou seduzir crianças ao consumismo em nome de uma capacitação vazia. O chamado cívico assume o papel de Wendy na antiga luta entre Wendy e Peter Pan, recorrente em cada geração. Reconhece os verdadeiros prazeres da infância e ajuda as crianças a serem crianças novamente, preservando-as do fardo de um mundo adulto explorador e violento. Recusa-se a ‘capacitá-las’, retirando delas as bonecas e os carrinhos e substituindo-os por telefones celulares, videogames e cartões de crédito. Recusa-se a libertá-las dos pais e de outros guardiões a fim de atraí-las para o flautista de Hamelin do mercado-louco, que as leva ao precipício comercial do shopping Center. As crianças devem brincar, não pagar; agir, não assistir; aprender, não comprar. Até onde pode, o capitalismo deveria ajudar a proteger as fronteiras da infância e preservar a guarda de pais e cidadãos; do contrário, deveria sair do caminho. Nem tudo precisa ter um lucro, nem todo mundo precisa ser um comprador – não o tempo todo”. (p. 375/376)

“Hoje, nas condições de hiperconsumismo que examinamos aqui, o chamado cívico parecerá a muitas pessoas palavras vazias; e a cidadania global, um sonho utópico. Não tenho uma fórmula para concretizá-los. Mas a realidade brutal da interdependência os torna tanto necessários quanto, a longo prazo (se tivermos um longo prazo), inevitáveis. A única questão é se descobrimos ou inventamos e depois adotamos novas formas de governança cívica global que os custos do etos infantilista pedem gritando e que as crises do capitalismo de consumo autorizam; ou se primeiro pagamos um preço terrível pela puerilidade, pelo caos no mercado e pela liberdade privada insatisfatória. Esse preço já está sendo pago por aqueles que menos têm condições de pagar: as mesmas crianças que achamos que imitamos e capacitamos com nosso tolo vício na cultura do infantilismo. Este é um ponto crítico ao qual nos trouxe a história do capitalismo e de seu etos justificador engenhoso e sempre em mutação. Mas, como sempre, esta é uma história que fazemos para nós mesmos. De forma que, como sempre, mesmo sob a dominação dura mas sedutora do capitalismo triunfante, o destino dos cidadãos continua em nossas próprias mãos”. (p. 377)

São fragmentos do texto. Inquietantes e reflexivos. Concordamos? Não concordamos? Não importa esta questão agora. É mais um extenso estudo que nos ajuda a ser educadores e aprendizes. E para isso precisamos estar cada vez mais conscientes que a educação – e ela não tem áreas definidas – passa pelo conhecimento dos mais variados e profícuos pensamentos dos seres humanos.

Walter Antonio Bazzo
Março de 2011


Microtendências -- as pequenas forças por trás das grandes mudanças de amanhã Mark J. Penn. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2008, 582 p.

Microtendências – as pequenas forças por trás das grandes mudanças de amanhã
Mark J. Penn
Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2008, 582 p.

Este livro escrito por Mark Penn, um respeitado especialista em pesquisas de opinião política dos Estados Unidos, com a participação de E. Kinney Zalesne, advogado que atua na área de transformações sociais também naquele país, vale a pena ser lido. Já havia iniciado sua leitura e comentei isso na resenha anterior, quando o interrompi para a leitura de SIGA? As tendências que regerão as vidas no futuro – também disponível nesta página. Impressionante a semelhança de objetivos. Mas com fundamentais diferenças na sua abordagem e na temporalidade de acontecimentos – um escrito em 1997 e outro originalmente em 2007. Este me parece mais completo e mais agradável de ser lido. Traz várias tendências sem querer ser “adivinho” das possibilidades de concretização. Apenas relata questões que dificilmente serão motes de análises em salas de aula com nossos alunos pela extensão dos assuntos, mas de vital importância para, principalmente os jovens, se situarem numa civilização que, pelas suas microtendências, amanhã poderá ser completamente diferente daquela que vivemos hoje. Mas esqueçamos estes aspectos comparativos e vejamos do que trata esta longa leitura de quase 600 páginas, novamente escrita na perspectiva e visão de dois autores que vivem esse processo nos EUA.

Este relato foi feito depois de longa conversa entre mim e o professor Teixeira, que, além de coincidentemente estar lendo o livro na mesma época que eu, compartilha destas imensas dificuldades em tratar estas questões em uma disciplina que tem este objetivo. Portanto, aqui estará nosso relato do porquê achamos importante sua leitura.

Em Microtendências, o autor – em consonância com seu colaborador – apresenta um conceito que leva o leitor – e isso constatamos que ele consegue com maestria – a ver a vida moderna sob uma nova perspectiva. Ele parte da ideia de que as mais poderosas forças da sociedade são as tendências emergentes e contra-intuitivas que estão transformando o futuro bem diante dos nossos olhos. Faz isso numa perspectiva diferente daquela que estamos acostumados a ver nos noticiários diários apenas relatando os fatos sem pensar nos seus motivos. São assuntos, os mais diversos, que raramente tomam conta das nossas reflexões como relevantes na mudança comportamental da sociedade contemporânea. Setenta e cinco ao todo, escolhidos e destacados em várias áreas abrangentes. Exemplificamos alguns para ver a lógica e o ineditismo de suas análises:

Amor, sexo e relacionamentos: Solteiras demais; Tigresas; Romance no trabalho; Casais a distância; Casados pela internet.
Vida no trabalho: Aposentados na ativa; Deslocamentos radicais; Trabalhando em casa; Mulheres prolixas; Amazonas ardentes.
Raça e religião: Rompendo barreiras; Pró-semitas; Famílias inter-raciais; Hispânicos protestantes; Muçulmanos moderados.

Já temos uma ideia da lógica de abordagem. E já podemos nos perguntar. O que isso tem a ver com nosso comportamento como professores e estudantes? É nisso que se configura a reflexão feita ao longo do livro. Talvez uma das respostas seja termos conteúdos para as intricadas relações que tais “coquetéis” de assuntos trazem em relação ao desenvolvimento científico e tecnológico. Mas é interessante reforçar mais algumas preciosidades trazidas ao longo do texto. Elas despertarão cada vez mais nossa curiosidade e poderão, quiçá, nos provocar a reescrever ensaios adaptados à nossa realidade brasileira. Sempre é bom reforçar que esta visão vem de um país que, pelo seu “domínio”, há muito se configura como gerador das tendências da humanidade. E, reconheçamos, para bem ou para mal, que isso é uma verdade.

Saúde e bem estar: Avessos ao sol; Notívagos; Canhotos a solta; Automedicação; Deficientes auditivos.
Vida em família: Novos pais coroas; Pais de estimação; Pais tolerantes; Homossexuais assumidos; Filhos zelosos.
Política: Elites impressionáveis; Os indecisos no comando; Imigrantes ilegais militantes; Cristãos sionistas; Ex-presidiários recém-libertados.
Adolescentes: Ligeiramente desorientados; Jovens tricoteiras; Ídolos adolescentes negros; Jovens magnatas; Aspirantes a franco-atiradores.
Comida, bebida e dieta: Crianças vegetarianas; Peso desproporcional; Famintos por vida; Loucos por cafeína.

Poderíamos parar por aqui, mas vamos continuar depois de uma breve reflexão que até a altura desta parte do livro já nos faz pensar nos rápidos comentários econômicos feitos a exaustão nos noticiários herméticos, cujo fio condutor a população talvez nem desconfie. As variáveis são inúmeras. E os comentários sempre lineares, como se a economia e o desenvolvimento dependessem exclusivamente dos “iluminados” que sabem magistralmente controlar o comportamento de uma sociedade multifacetada. Depois de lerem o livro entenderão sobre o que estamos falando. Seguimos.

Estilos de vida: Adeptos aos longos períodos de atenção; Pais negligenciados; Falantes nativos; Unissexuais.
Dinheiro e classe: Compradores de segundas casas; Mary Poppins modernas; Milionários tímidos; Burgueses falidos; Sem fins lucrativos.
Aparência e moda: Tatuado chique; Desleixados e atolados; Amantes das cirurgias; Pequenos notáveis.
­Tecnologia: Geeks sociais; Novos “ludistas”; Tecfatais; Mães que compram carros e gostam de futebol.
Lazer e entretenimento: Mães arqueiras?; Impróprio para menores; Jogadores crescidinhos; Neoclássicos.
Educação: Crianças espertas que ficam para trás; Estudantes que aprendem em casa; Estudantes que largam a faculdade; Viciados em números.

É o bastante, não é? Mas tem mais. Os autores para finalizar nos brindam ainda com alguns assuntos “tabus” que delineiam o tablado internacional das complicadas relações humanas de culturas, costumes e comportamentos nos deixando, ainda, mais atônitos com questões que raramente passam pelos nossos momentos de reflexão.

Internacional: Novos religiosos; compradores de casas internacionais; Casais solteiros (Reino Unido); Mammonis (Itália); Eurostars; Empresários vietnamitas; Abstêmios franceses; Picassos chineses; Vira-casacas Russos; Mulheres indianas em ascensão; Terroristas educados.

Além de todas estas reflexões – poderíamos chamar de provocações – o livro é “recheado” de fontes – links, artigos, jornais, livros – que permitem nosso aprofundamento em vários dos assuntos tratados. São mais de 50 páginas para destacar este aspecto acompanhado de um completo índice remissivo que facilita a procura por temas do interesse do leitor.

Seguem alguns comentários – de substancial importância para entender um pouco mais da obra –, tecidos pelo próprio autor ao final do livro:

Quando os filósofos gregos tentaram explicar pela primeira vez a mudança natural do mundo ficaram confusos. Até que Demócrito, em cerca de 460 a.C., propôs a teoria de que o mundo era feito de átomos – pequenas mas distintas partículas cuja combinação definia o estado e a natureza da matéria. Muitos discordaram; até Aristóteles foi seu principal crítico. Com o tempo, contudo, demonstrou-se que Demócrito tinha razão. Na verdade, até mesmo a massa mais sólida é feita de bilhões de átomos invisíveis que determinam sua natureza.

Como qualquer aluno do ensino médio sabe, apenas uma ligeira mudança nessa combinação de átomos causará efeitos profundos na resistência do aço, no brilho dos diamantes ou na radioatividade do urânio enriquecido. Essa analogia reflete a teoria subjacente das microtendências – a nossa cultura hoje é cada vez mais produto do que identifico como átomos sociais – pequenas tendências que refletem hábitos e escolhas que estão mudando. Em geral, são difíceis de identificar, mas tentei apresentar uma espécie de tabela periódica das tendências nas principais searas da vida diária. Ligeiras mudanças na combinação desses átomos culturais causarão profundas transformações na forma de nosso globo e na natureza de nossa sociedade.

Hoje a maioria das pessoas faz críticas semelhantes às de Aristóteles – uma visão holística dos eventos a partir do próprio ponto de vista. Entretanto, diferentemente de Aristóteles, elas muitas vezes alegam ter visto a floresta sem realmente terem examinado as árvores…

Cremos que no caso específico do Brasil, onde o hábito da leitura e, consequentemente o abastecimento constante de conteúdos para a reflexão, ainda são tão incipientes que precisamos, muito mais que examinar as árvores, conhecer as sementes.

Algumas opiniões sobre o livro, constante em sua contra-capa:

“Fascinante… Uma análise surpreendente de fatos que podem mudar radicalmente nossa visão do presente e do futuro.” – The New York Times
“A premissa de Penn é a de que a internet, a mudança nos estilos de vida e outros fatores dividiram a sociedade em centenas, se não milhares, de grupos, cada um com seus desejos.” – BusinessWeek
“Você acha surpreendente descobrir que o consumo de vinho diminui drasticamente entre os franceses, que as crianças estão optando cada vez mais pela alimentação vegetariana e que as mulheres estão à frente dos homens quando o assunto é tecnologia? Muitas transformações estão em curso neste momento, determinando as inovações do futuro. Aprenda a identificá-las e saiba como padrões de comportamento relativamente discretos em nossa cultura – as microtendências – influenciam o mundo dos negócios, a política, a sociedade e o seu cotidiano.” – Os editores

Ficamos por aqui, encerrando com mais alguns pequenos comentários. Parece que estamos dependentes de grandes acontecimentos, de retumbantes notícias. Como se tudo o que importasse em nossas vidas fossem bombásticos choques, que mudassem radicalmente os rumos das sociedades. Saturados pela ansiedade dos grandiosos momentos históricos, ficamos assim cegos às pequenas coisas à nossa volta. Pior que isso: imaginamos-nos imunes aos acontecimentos comezinhos, inertes aos fatos que roçam o nosso cotidiano, que por familiares e relegados a plano secundário parecem inócuos, inofensivos. Parece-nos que Microtendências descortina com competência esse paradoxo entre as importâncias relativas do grande e do pequeno, abrindo brechas para que repensemos nossas vidas. Remete-nos a pensar que talvez a vida seja o que acontece entre dois “momentos grandiosos”. Enquanto esperamos o próximo “grande passo”, a próxima “grande descoberta científica”, a próxima tecnologia que nos “redimirá de nossas fraquezas”, educamos, fazemos tecnologia e ciência, lutamos, construímos nossas vidas, vivemos…

Walter Antonio Bazzo e Luiz Teixeira do Vale Pereira
Fevereiro de 2011


Siga? As tendências que regerão as vidas no futuro Ira Matathia & Marian Salzman. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004, 320 p.

SIGA? As tendências que regerão as vidas no futuro
Ira Matathia & Marian Salzman
Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004, 320 p.

Fazia tempo que este livro “olhava” para mim desde a prateleira. Foi mais um dos inúmeros comprados apenas pelo título e pelo desafio do assunto. Sempre fui postergando sua leitura. Estava lendo outro e coincidentemente o professor Teixeira também – sobre o qual estamos preparando um relato – chamado Microtendências; as pequenas forças por trás das grandes mudanças do amanhã. Então, pela correlação de ideias, a curiosidade foi mais forte que meu tempo selecionado para outras leituras. Não é um livro que eu indicaria como possível de balançar conceitos. É escrito por duas autoras especializadas em Marketing e que veem o mundo, e suas mudanças, com o pragmatismo do que está acontecendo e poderá acontecer. Sempre no viés do modelo capitalista, onde desenvolvimento significa sucesso econômico. Mas traz relatos interessantes sobre as mudanças na Europa com a instituição da Comunidade Européia. Através da análise sempre voltada ao “umbigo” dos EUA, relatam o quem vem acontecendo também com o novo modelo de desenvolvimento na Ásia e suas grandes enrascadas culturais pela ânsia de se adaptar a um modelo globalizado. Penso que aqui reside o principal motivo que me leva a sugerir esta leitura. Principalmente para jovens estudantes que estão no mundo de hoje. Mas ele deve ser lido com cuidado. Será que devemos apenas nos moldar a tudo para não parecermos “estranhos no ninho”? É interessante saber das tendências. Porém, mais interessante é refletirmos se são estas tendências que nos interessam, e mais, se interessam para o desenvolvimento pleno da civilização em busca de um pouco mais de felicidade. O livro foi escrito originalmente em 1997. Lido hoje já podemos ver muitas das repercussões corretas – ou vislumbradas, melhor dizendo – e as mudanças significativas que ocorreram até agora no ano 2011. Claro que tudo é muito dinâmico e as visões de vida e bem-estar se digladiam entre aqueles que acreditam em felicidade humana atrelada ao desenvolvimento tecnológico e outros que enxergam muito além disso.

Na contra-capa do livro, com a finalidade de conquistar o leitor, os editores escrevem:

Num mundo em vertiginosa mudança, nada mais tentador do que a possibilidade de prever o futuro. Não com a ajuda de uma bola de cristal ou de qualquer outro método divinatório, e sim com o rigor e métodos científicos. É o que oferece este livro, amplo e preciso diagnóstico das tendências que guiarão nossas vidas nas primeiras décadas deste novo milênio inaugurado pelo século XXI.

Confesso que não encontrei tanto rigor científico e muito menos precisos diagnósticos. Talvez se for embalado pela visão “positivista” das autoras que vêm este comportamento como imutável… Mas não me parece ser isso o que está acontecendo com a civilização que a cada dia se questiona sobre este modelo que tantas desigualdades vêm trazendo à sociedade contemporânea, tanto em termos individuais como coletivo. Enfim fica ao juízo de cada leitor. Repito o que sempre digo sobre os livros que leio e recomendo: eles devem ser lidos. E sempre profundamente analisados. É assim que se constrói o conhecimento. E é assim que podemos colaborar com as modificações que a civilização vem buscando desde sempre.

Na página 49 o livro traz a seguinte pergunta: Em termos globais, o que vem a seguir? Em 13 anos, desde o lançamento do livro, muitas coisas já aconteceram e podem ser objeto de uma análise mais concreta. Mas o que instiga esta leitura, principalmente desta parte do livro, é a nossa constante pergunta: estaremos mais para máquinas ou para seres humanos nas décadas que se avizinham? Para subsidiar esta pergunta, as autoras trazem vários assuntos que relato aqui para provocar a sua curiosidade de participar da análise. São elas:

  1. Siga: um estrondo de pequenas vozes – e outras não tão pequenas. O estrondo da internet nos meios de comunicação para transformar a informação mais democrática;
  2. Siga: participação a distância. As redes informais dispensando as presenças físicas;
  3. Siga: marcas 2000. O domínio das grandes corporações através de suas marcas mundialmente famosas. O poder das corporações. Aproveito a carona do assunto para recomendar o filme The Corporation para complementação desta análise;
  4. Siga: uma existência “marcada”. O poder da mídia. A capacidade de moldar os comportamentos através de sua mediação.

E por ai segue. Mas gostaria de relatar mais alguns aspectos que também chamam a atenção. O que virá a seguir? Novas tendências. Estilos de vida: prazeres simples; culinária como passatempo; clubes de jantar; sexo de silício; co-paternidade; coleta de experiências; VRTV; passatempos; cultos a saúde; relaxamentos. Ambientes: renascimento da grande cidade; somente para sócios; eletrodomésticos mais inteligentes que você; o grande mundo das paredes; casas high-tech; viver sob medida; casas de chá. Serviços: nutrição sobre rodas; assistentes pessoais comunitários; genética por mala direta; seguro-não-é-minha-culpa; cardápio de mídia; descobridores de amizade; segurança de quatro patas; pacotes de feriados; “meu” big brother; transmissão automática de presentes; assinaturas digitais; disque-técnico; varredura de genes; pagamento triplo; compradores pessoais. Engenhocas e trecos: canais para dormir; cortadores de grama robóticos; quiosque de análise digital de nutrição. Aparência pessoal: trato instantâneo; grande como você quer; moda funcional; adotando “a” aparência; beleza masculina; big brother no céu; o inteligente permanece sexy; cérebro acima de músculos; anseio global…

Ufa, quanta coisa. Cada uma mais curiosa que a outra. Seremos donos de nossas próprias ações? Independentemente de nossas convicções ideológicas, políticas e pessoais o mundo continua girando e precisamos saber como nos comportar nele ou, melhor, como podemos mudá-lo se assim for nosso desejo e esperança. Para isso precisamos compreendê-lo. E a leitura, sempre a leitura nos permite isso. Mas o livro tem muito mais. Vale a pena lê-lo! Contradição de minha parte? Absolutamente. Não está na minha concordância com o conteúdo a minha indicação e sim na pertinência de sabermos os mais diferentes posicionamentos para nos colocarmos perante eles.

Walter Antonio Bazzo
Fevereiro de 2011


A idéia de decadência na história ocidental Arthur Herman. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001, 541 p.

A idéia de decadência na história ocidental
Arthur Herman
Rio de Janeiro: Editora Record, 2001, 541 p.

Cada livro, novo dilema. Repito o que já disse em outras resenhas. Dá uma vontade de escrevê-lo – ou transcrevê-lo – na sua totalidade aqui. Mas não é este o objetivo. Quero apenas incitá-los a lê-los, guardando sempre o princípio que defendo em minhas aulas: o aprendizado passa pela leitura constante de livros. Todos, mas alguns em especial, por atender diretamente nossos objetivos do aprofundamento em Educação Científica e Tecnológica.

Esta obra de Arthur Herman, “A idéia de decadência na história ocidental”, apesar de ter sido escrita originalmente em 1997, cumpre com maestria mais este passo do aprendizado. E vou utilizar do expediente de transcrever seus conteúdos – poucos, logicamente pela sua extensão – que me levaram a lê-lo por completo e ganhar inúmeros conceitos que me fizeram repensar várias discussões em CTS. Sua leitura, aliada aos últimos acontecimentos catastróficos que nos abalaram nas questões voltadas ao meio ambiente e aos problemas sociais – em particular ao maior desastre da história do Brasil ocorrido no mês de janeiro nas serras do Estado do Rio de Janeiro – nos conduzem a pensar que as questões são em sua maioria absoluta de caráter político e ideológico do que técnicos. Por quê? As respostas, de maneira sub-reptícia, encontram-se neste tratado profundo e crítico.

O livro faz uma “viagem de varredura” na história contemporânea, através de três partes componentes, rastreando vários autores que se debruçam e se debruçaram sobre os maiores problemas humanos e que, agora, com o advento determinante da C&T, buscam soluções para o paradoxo humano da desenfreada desigualdade social aliada a excessiva concentração de renda decorrente dos aparatos tecnológicos disponíveis.

Na introdução, o autor justifica o pessimismo e otimismo dos escritos de centenas de estudiosos que já viam a “derrocada” da civilização ocidental. Para isso, no decorrer do livro, evidencia alguns fatos que nos permitem pensar sobre a problemática. E, como não haveria de ser diferente, também provoca a refutação de muitas de suas ideias.

Na parte I, agora já se detendo em estudos de inúmeras fontes, inicia suas argumentações para mostrar as “Linguagens da decadência”, trata sobre progresso, declínio e decadência. “Sobre os escombros” é o título que traz para se basear em Arthur de Gobineau e discutir sobre o pessimismo social. Para abordar sobre “Pessimismo Histórico e Cultural”, Herman busca subsídios no pensamento filosófico de Friedrich Nietzsche e Jacob Burckhardt. Finaliza, então, com um tratado sobre “Degeneração – A Ruína do liberalismo”.

Na parte II, ele trata do seguinte tema: “Profetizando a decadência do Ocidente”. Nela, quatro capítulos nos levam a entender a tal profecia: 1. O apocalipse da Idade Dourada – Henry e Brooks Adams; 2. Preto no Branco – W.E.B. Du Bois; 3. A estagnação do Pensamento Alemão – Oswald Spengler e A decadência do Ocidente; 4. Aceitando a Derrota – Arnold Toynbee.

Quando exponho os dois primeiros “pedaços do livro” supra, eu o faço de maneira muito superficial, trago apenas alguns pensadores que direcionaram a linha de raciocínio do autor. Embora as citações tenham sido feitas aos milhares. Focault, Sartre, Rousseau e centenas de outros pensadores que precisavam ser visitados com maior profundidade. Uma das virtudes de Herman, com “A idéia da decadência na história ocidental”, se materializa nessa síntese de forma precisa e clara. Somente para reforçar diria, sem medo de errar, que essa leitura se torna indispensável para todos que pensam em lidar na Educação Científica e Tecnológica. Sem o conhecimento humano da “evolução”, estamos arriscados a perpetualizar algo que sentimos não vem dando conta do “recado”.

“O triunfo do pessimismo Cultural” é a parte III, que pretende “fechar” a linha de raciocínio do autor. Para isso se vale de quatro capítulos: 1. A personalidade Crítica – A Escola de Frankfurt e Herbert Marcuse. Reitero aqui que passar pela Educação Tecnológica sem o conhecimento das ideias dos pensadores dessa Escola produz um imenso vazio – diria crucial – para quem quer ser um educador na área. 2. Os Modernos Profetas Franceses – Sartre, Foucault, Fanon; 3. O Impulso Multiculturalista; 4. O Ecopessimismo – Cai o Pano.

São mais de 500 páginas que nos remetem a pensar sobremaneira. Não o suficiente para trazer soluções – aliás, muitos vêm fazendo isso desde que o homem é homem e deu início a “poluição” do Planeta Terra – seguramente, sim, para balançar nossas convicções. Continuar a escrever é reiterar o que salientei no começo desta apresentação. Portanto, paro por aqui apenas renovando o apelo de outras descrições de livros que me marcaram. Não deixe de lê-lo. E se tiver tempo depois relê-lo – o que farei em breve – pois tenho convicção que estará mudando muitas “certezas” de professores e pesquisadores das questões humanas.

Não resisto em reproduzir um fragmento do posfácio, no qual Herman, com mais propriedade que meu entusiasmo pela obra, divulga a razão de seus estudos:

O objetivo fundamental deste livro foi tratar da ideia de decadência da civilização e do surgimento do pessimismo cultural. Mas de certo modo, por ironia, ele também veio a ser uma história de outro tipo de decadência – o declínio da imagem humanista liberal do homem e da sociedade, de sua moral e seus valores, diante de seus vários oponentes. Decadência talvez não fosse o melhor termo. Uma metáfora melhor poderia ser a de um majestoso cântico de encerramento: enquanto os brilhantes expoentes da tradição ocidental liberal iam um a um abandonando o palco, os eugenistas, racistas e pessimistas raciais, fascistas, modernistas e multiculturalistas iam tomando conta.

As tradições mais antigas envolvem muito mais do que apenas uma cega confiança no desenvolvimento e na superioridade da civilização ocidental acima de qualquer alternativa. O humanista liberal reconhece que a sociedade civil, como todas as instituições humanas, foi construída intencionalmente para satisfazer vários propósitos, propósitos esses necessariamente preenchidos por indivíduos que agem em conjunto. Raça, classe e sexo de fato não determinam a direção da sociedade e da história; eles agem na superfície das coisas. As verdadeiras forças da mudança residem nas escolhas que fazemos enquanto indivíduos, as ações que essas mudanças estimulam e suas conseqüências para o outro. O produto mais característico da tradição humanista ocidental é o indivíduo livre e autônomo – que também é o pior inimigo do pessimista cultural.

O pessimista cultural sempre defronta a “volatilidade” das instituições ocidentais – o capitalismo, a tecnologia, a democracia, os preceitos básicos da lei e da moralidade – com frustração. Como pode um monólito opressivo, artificial e fraudulento tão nitidamente fadado ao fracasso continuar prosperando e até mesmo ampliando sua influência? Apesar dessa volatilidade, e de sua contínua atração, essas instituições estão muito relacionadas com o preconceito individualista operando como fonte de força e não de fraqueza. O humanismo supõe que, já que as pessoas geram conflitos e problemas na sociedade, elas também podem solucioná-los, e se concentra em suprir as pessoas com ferramentas materiais, morais e culturais para que possam fazê-lo. Como Tocqueville comentou a Gobineau depois de ler o Ensaio sobre a desigualdade:

“Sim, por vezes me desanimo com o gênero humano. Quem não se desanima (...) Eu sempre disse que é mais difícil estabilizar e manter a liberdade em nossas novas sociedades democráticas do que em certas sociedades aristocráticas do passado. Mas nunca ousarei pensar que é impossível. E oro a Deus para que Ele não me inspire com a ideia de que alguém possa deixar de tentar”.

Para finalizar, embora tratando sobre a decadência da civilização, o livro também anuncia a esperança. Meu desejo é que professores e estudantes, ao lerem esta obra, possam despertar do sono dogmático paralisante e possam se inspirar com a ideia de que haverá sempre prósperas manhãs, sem dúvida possibilidades de criar e ousar.  

Walter Antonio Bazzo
Janeiro de 2011


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