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Muita Leitura. Sempre!


Ler, sempre, de preferência nas mais diversas áreas de conhecimento, indubitavelmente é um potente "combustível" para o nosso aprimoramento intelectual. Eis a razão desta seção de publicação de resenhas sobre livros. Ela não deve ficar a cargo apenas dos componentes do Nepet. Ao contrário, deve ser um fórum onde todos possam nos brindar com as mais variadas contribuições através de relatos e informações que emprestem à leitura um forte componente para alimentar as reflexões na educação tecnológica.

(As resenhas são feitas a partir do original que foi lido.)


A Técnica e o Desafio do Século Jacques Ellul. Rio de Janeiro: Paz e Terra Ltda., 1968, 445 p.

A Técnica e o Desafio do Século
Jacques Ellul
Rio de Janeiro: Paz e Terra Ltda., 1968, 445 p.

O mundo cada vez mais moderno. As pessoas já com seus livros eletrônicos debaixo do braço e lá vem o prof. Bazzo com suas recomendações “jurássicas”. Até posso concordar em parte com isso. Mas, sem ser pretensioso, pretendo me especializar cada vez mais em CTS e dentro deste propósito dividir com nossos leitores materiais que nos permitem tal objetivo. Aliás, vejo esta postura epistemológica – que alguns preferem chamar de estudos em CTS – como uma grande possibilidade de trazermos de volta a cultura humanística a fazer companhia a esta cultura tecnológica que dirige o comportamento social nos dias de hoje. É isso que faz, com maestria lá nos longínquos anos 50 do século passado, Jacques Ellul através do livro A técnica e o desafio do século. Muitos poderão dizer: isso tem validade depois de mais de 60 anos? Tal pergunta já era respondida pelos editores do livro – através de Roland Corbisier – no ano de 1968 no início do seu prefácio:

“Publicado em 1955, o livro de Jacques Ellul sobre a técnica e o desafio do século, cuja tradução brasileira é agora editada por Paz e Terra, longe de tornar-se obsoleto, adquiriu, ao contrário, nestes últimos dez anos, surpreendente atualidade.”

Vou utilizar o mesmo bordão depois de mais de 60 anos. Ellul não perdeu sua atualidade e, tal qual Mumford, Fromm, Ortega Y Gasset, precisa se efetivar como leitura obrigatória para aqueles que querem entender os motivos da introdução do campo CTS nos estudos sobre a tecnologia atual.

Este livro de Ellul é daqueles que, para leitores como eu que gostam de marcar certas páginas importantes para posterior releitura com pequenos papéis, complica a técnica estabelecida. O livro quase dobra de volume. Toda página traz conteúdos para reflexão. E nessa reflexão uma similaridade inconteste com as questões discutidas exaustivamente na atualidade. Ele parece mais atual que naquela época. Falo isso porque não vivi naquela época, mas por pensar sobre os mesmos temas neste início de milênio. Muitos nem sequer imaginam de que trata tal obra – e provavelmente os interessados novamente terão que ir em busca dos Sebos nacionais – por isso é interessante aqui um pequeno trailer sobre o conteúdo básico:

PREFÁCIO;

CAPÍTULO I – TÉCNICAS
1 – Situações – Máquinas e técnica. Ciência e técnica. Organização e técnica. Definições. Operação técnica e fenômeno técnico.
2 – Desenvolvimento – Técnica primitiva. Grécia. Roam. Cristianismo e técnica. Século XVI. A revolução industrial.

CAPÍTULO II – CARACTEROLOGIA DA TÉCNICA 1 – A técnica na civilização – Técnicas tradicionais e civilização. Os caracteres novos.
2 – Caracteres da técnica moderna – Automatismo da escolha técnica. Auto crescimento. Unicidade (ou insecabilidade). Preparo das técnicas. Universalismo Técnico. Autonomia da técnica.

CAPÍTULO III – TÉCNICA E ECONOMIA
1 – “The best and the worst” – Influência da técnica na economia. Consequências econômicas.
2 – A via secreta – As técnicas econômicas de verificação. As técnicas econômicas de ação. O planejamento e a liberdade.
3 – As grandes esperanças – Os sistemas em face da técnica. Progresso. Economia centralizada. Economia autoritária. Economia antidemocrática.
4 – O homem econômico

CAPÍTULO IV – A TÉCNICA E O ESTADO
1 – Encontros – Técnicas antigas. Novas técnicas. Técnicas privadas e técnicas públicas. Reação do Estado em face das técnicas.
2– Repercussões no Estado – Evolução. O organismo técnico. O conflito dos políticos e dos técnicos. Técnica e Constituição. Técnica e doutrinas políticas. O Estado totalitário.
3– “Summus jus, summa injuria”
4 – Repercussão sobre a técnica – A técnica sem freio. Função do Estado no desenvolvimento das técnicas modernas. As instituições a serviço da técnica.

CAPÍTULO V – AS TÉCNICAS DO HOMEM
1 – Necessidades – A tensão humana. Modificação do meio e do espaço. Modificação do tempo e do movimento. A massificação da sociedade. As técnicas do homem.
2 – Recensão – Técnica da escola. Técnicas do trabalho. A orientação profissional. Propaganda. Divertimento. O esporte. Medicina.
3 – Ecos – As técnicas, os homens e o Homem. O homem-máquina. Dissociação do homem. Triunfo do inconsciente. O homem de massa.
4 – A integração total – A anestesia técnica. Integração dos instintos e do espiritual.

VI – POSFÁCIO

Mesmo se fosse apenas para uma revisão histórica destes assuntos – mas não o é – o conteúdo acima é bastante chamativo. Mas, finalizando, só para comprovar o que falei no início de nossa conversa, vou abrir uma página aleatoriamente – naqueles papeizinhos demarcatórios que comentei – para verificar a relevância dos temas tratados:

“A técnica integra todas as coisas. Evita os choques e os dramas; o homem não está adaptado a êsse mundo de aço: ela o adapta. Mas é verdade também que no mesmo momento muda a disposição dêsse mundo cego para que nêle o homem possa entrar sem ferir-se nas arestas e sentir a angústia do ser entregue ao inumano. A técnica estende assim uma cortina, especifica as atitudes válidas, de uma vez por todas. O mal-estar criado pela turbulência mecânica se apazigua no ronronar consolador da unidade. Enquanto a técnica é exclusivamente representada pela máquina, é possível dizer: ‘a máquina e o homem’. Apresenta-se um problema de relação. A máquina permanece um objeto e o homem, que, em certa medida, é influenciado pela máquina (mesmo que em larga medida: na vida profissional, na vida privada, em seu psiquismo), permanece apesar disso independente: pode-se afirmar fora da máquina. Pode tomar posição em relação à máquina.

Mas, quando a técnica penetra em todos os domínios e no próprio homem, que se torna para ela um objeto, a técnica deixa de ser ela mesma objeto para o homem, torna-se sua própria substância: não é mais colocada em face do homem, mas nêle se integra e o absorve progressivamente. Nesse ponto, a situação da técnica é radicalmente diferente da situação da máquina. Essa transformação, que atualmente podemos observar, resulta do fato de ter-se a técnica tornado autônoma.” (Obs. A redação foi mantida a original do livro, apesar da insistência do corretor do word em dizer que estava errado…)

Está aí posto. E eu paro por aqui. Vou lá eleger mais alguns “papeizinhos” para refletir mais um pouco nas páginas deste belo livro.

Walter Antonio Bazzo
Fevereiro de 2012


Ter ou ser? Erich Fromm. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, 202 p.

Ter ou ser?
Erich Fromm
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, 202 p.

Este é daqueles livros que quando se chega ao final já se está pensando em uma nova leitura. É exatamente o que estou fazendo agora. Recomeçando desde seu prefácio. Ter ou Ser? remete-nos às mais variadas reflexões sobre a vida. Leitura para ser feita desarmado de qualquer rejeição às ideias que podem bater de frente com nossas convicções mais profundas. Este livro resenha e culmina – em parte é lógico – a vasta obra de Fromm. Polêmico, sem dúvida, este autor da metade do século passado, como toda posição radical, mas sobretudo pela sua interpretação pessoal do dogma cristão e do marxismo, aos quais despoja do caráter revolucionário e de doutrina social, converte-os em metas do indivíduo. Para atingir estas metas, Fromm propõe um programa de oito pontos no qual postula um crescimento limitado e seletivo – aqui é impressionante a atualidade das metas, apesar de terem sido escritas em meados do século passado –, apenas para evitar o colapso econômico e como garantia das satisfações psíquicas e afetivas. Evidentemente, como premissa ter-se-ia que frear a produção industrial tendente a um ‘fascismo tecnológico com a face sorridente’, banimento da ‘economia de mercado’ e restabelecer as possibilidades de iniciativa individual na vida, ‘e não nos negócios’. Ele é o primeiro a reconhecer as dificuldades do seu plano, ‘em vista do poder das empresas’ e da ‘apatia e fragilidade de grandes segmentos da população’. Foi isso que os editores escreveram para apresentar o livro ao público leitor da época. Não faço diferente depois de mais de 50 anos. Leitura imprescindível para aqueles que ainda apostam na educação como possibilidade de regeneração de uma sociedade em conflito. Aqui me dirijo mais especificamente ao professor que labuta na educação tecnológica e sempre, por cultura das profissões decorrentes desta área, acha que as questões humanas podem ser dispensáveis para quem pensa em ‘progresso’ atrelado apenas à produção em massa de bens tecnológicos que parecem nos trazer a felicidade plena.

Todo livro é interessante, porém reconheço que este poderá ser difícil de encontrar. Os sebos, novamente se constituem em solução. Confesso que para mim foi fácil conseguir – e por um preço bastante acessível – grande parte da obra de Fromm através de consulta e compra pela internet.

Já falei em outras oportunidades que minha ideia aqui não é resenhar os livros. Mas é simplesmente chamar a atenção daqueles que procuram material bibliográfico para entender cada vez mais a complicada sociedade atual que, ainda, está apostando no ter em detrimento do ser. Erich Fromm nos ajuda, com maestria, a notar este equívoco quando falamos em educação, quando criamos nossos filhos e, acima de tudo quando procuramos a felicidade neste pequeno período de tempo em que fazemos parte da humanidade. Mas afinal, quem é Erich Fromm que nos brinda com tais estudos? É bom saber dele e depois procurar conhecer mais de sua obra [1].

Erich Fromm teve sua ascendência em uma família judia extremamente religiosa, da qual se originaram diversos rabinos. Ele mesmo desejava originalmente seguir este caminho. Cresceu em Frankfurt, onde inicialmente estudou direito, mudando depois ao estudo da sociologia em Heidelberg, doutorando-se lá em 1922 junto a Albert Weber sobre lei judaica. Até 1925 ele teve além disto aulas de talmude com o rabino Rabinkow. Em 1926 ele se casou com a psicanalista Frieda Reichmann. No fim dos anos 20, Fromm começou sua formação psicanalítica no Instituto de Psicanálise de Berlim junto a um aluno de Freud que não era médico, o jurista Hanns Sachs. Neste período, ele e sua esposa desistiram de seu estilo de vida judeu ortodoxo. A partir de 1929, Fromm atuou como analista leigo, por não possuir formação médica. Desde 1930 ele foi diretor do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt (Frankfurter Institut für Sozialforschung). Ao mesmo tempo ele pertenceu ao grupo de psicanalistas marxistas ao redor de Wilhelm Reich e Otto Fenichel e contribuiu com a formação do marxismo freudiano com algumas publicações. Em 1931, ele se separou de Frieda Reichmann, mas continuou mantendo relações de amizade com ela (separação apenas em 1942). Depois da tomada do poder por Hitler, Fromm mudou-se para Genebra, emigrando em maio de 1934 para os Estados Unidos, onde trabalhou na Columbia University de Nova Iorque. No fim de 1939, após diversos conflitos, ele se desligou do Instituto de Pesquisas Sociais, depois de ter sido um dos seus mais importantes colaboradores por muitos anos. Em maio de 1940 ele se tornou cidadão americano. Em 1944 casou-se com a imigrante alemã- judia Henny Gurland. Em 1950, Fromm se mudou para a cidade do México e lecionou na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Após a inesperada morte de sua esposa Henny em 1952, casou-se com a americana Annis Freeman. A partir de 1957, ele filia-se ao movimento pacifista americano. Pessoalmente, sempre representara um socialismo humanista e democrático. Em 1965, recebeu méritos; Em 1974 mudou-se para Muralto (Tessin, Suíça).

[1] Extraído da internet no dia 31/01/2012 no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Erich_Fromm

Walter Antonio Bazzo
Janeiro de 2012


Armas, Germes e Aço: Os destinos das sociedades humanas Jared Diamond. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006, 472 p.

Armas, Germes e Aço
Os destinos das sociedades humanas
Jared Diamond
Rio de Janeiro: Editora Record, 2006, 472 p.

Sempre que iniciamos nossa disciplina do curso de Engenharia Mecânica, Tecnologia & Desenvolvimento, com nossos alunos de fases já mais adiantadas – ver detalhes sobre a disciplina nesta nossa página – um autor é mencionado como fonte indispensável de consulta. Ele é Jared Diamond, professor de Fisiologia da Escola de Medicina da UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles). Jared iniciou sua carreira científica em fisiologia, ampliando seu campo de pesquisa para a biologia evolutiva e biogeografia. Membro da Academia Americana de Artes e Ciências, da Academia Nacional de Ciências e Sociedade Filosófica Americana, recebeu bolsa de estudos da Fundação MacArthur e o Prêmio Burr, da National Geographic Society. Publicou mais de 200 artigos nas revistas Discover, Natural History, Nature e Geo. É lógico que, junto a este breve currículo, muitos outros predicados poderiam ser adicionados. Mas cremos que isso já seja suficiente para torná-lo uma autoridade nos estudos sobre a evolução do homem dentro da natureza e sociedade que o cerca. Mas agora queremos falar especificamente sobre um livro – em outra oportunidade falaremos também de Colapso, outra de suas obras exuberantes para quem quer entender cada vez mais a relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade – onde ele “entrelaça domínio tecnológico com extensão histórica, humor com ampla visão conceitual, domínio de fontes com criatividade”, como bem comenta o Washington Times ao falar sobre Armas, Germes e Aço.

Por utilizar muitos conceitos e relatos deste livro durante minhas aulas na área CTS, encerrado o semestre 2011.1, resolvi reler esta obra. Que grande ideia. Deliciei-me com a revisão de seu conteúdo e, por isso, vim correndo aqui nesta seção do NEPET reforçar meu convite para que aqueles que estão sempre procurando entender esta imbricada relação da sociedade com sua evolução e com suas dificuldades com os novos aparatos tecnológicos também o façam. Poderia me estender a falar muito mais sobre ele, mas creio, me utilizando também de outras opiniões, que o relato feito pelos editores nas “orelhas” do livro é bastante elucidativo. Vejamos então:

“Por que os povos eurasianos conquistaram, desalojaram ou dizimaram nativos das Américas, Austrália e África? Por que não foram os nativos americanos, africanos e aborígenes australianos que subjugaram ou exterminaram os europeus e asiáticos? O biólogo evolucionista Jared Diamond redireciona estas questões, frequentemente respondidas em termos racistas, revelando fatores ambientais como os reais responsáveis pelo curso dos acontecimentos. Armas, Germes e Aço conquistou o Prêmio Pulitzer de 1998 ao mostrar como a história e a biologia podem se enriquecer mutuamente, produzindo uma compreensão mais profunda da condição humana. Por meio de uma intrigante revisão da evolução dos povos, em uma viagem através de 13000 anos de história dos continentes, Jared Diamond conclui que a dominação de uma população sobre outra tem fundamentos militares (armas), tecnológicos (aço) ou nas doenças epidêmicas (germes), que dizimaram sociedades de caçadores e coletores, assegurando conquistas. Assim, alguns povos desenvolveram a tecnologia que proporcionou a expansão de seus domínios e aumentou a resistência à doenças, entre outros fatores, conferindo-lhes grande poder político e econômico. Valendo-se da geografia, da botânica, da zoologia, da arqueologia e da epidemiologia, Diamond nos faz ver como a diversidade humana é o resultado de um processo histórico, e não de particularidades referentes a inteligência ou aptidões. Ele conclui que a história seguiu determinados rumos para os diferentes povos devido às diferenças entre ambientes e não às diferenças biológicas. Armas, germes e aço aborda as origens dos impérios, da religião, da escrita, das colheitas e das armas. Fornece as bases das diferentes evoluções das sociedades humanas nos continentes, derrubando teorias racistas. Este relato da formação do mundo desafia o conhecimento convencional e traz indispensáveis lições para o futuro.”

É interessante, ainda sobre este livro, saber de que perguntas nasceram tantas procuras de respostas por parte do autor. Isso ele nos conta no Prólogo – A pergunta de Yali – de seu estudo quando relata um diálogo com um morador da Guiné:

Caminhando por uma praia na ilha tropical de Nova Guiné, em julho de 1972, eu conversava com Yali, morador daquele lugar do mundo. Muitas perguntas ele me fazia. Respondia na medida de nossa caminhada, até que uma delas me direcionou a pensar mais fortemente no estudo que desenvolvi neste livro: “Por que vocês, brancos, produziram tanto ‘cargo’ e trouxeram tudo para a Nova Guiné, mas nós, negros, produzimos tão pouco ‘cargo’?”

O que é cargo? Por que da pergunta de Yali? O que suscitou tanta revolução no cérebro de Diamond que o levou a escrever Armas, germes e aço? Eu fico por aqui dizendo que fui buscar as possíveis respostas e a leitura – pela segunda vez – me ocupou dois dias de minhas férias. E que ocupação deliciosa. Além de me fartar de grande quantidade de “combustível” para discutir CTS e educação tecnológica neste semestre que está por iniciar confesso que me diverti.

Walter Antonio Bazzo
Janeiro de 2012


A condição do homem: Uma análise dos propósitos e fins do desenvolvimento humano Lewis Mumford. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1956, 503 p.

A condição do homem
Uma análise dos propósitos e fins do desenvolvimento humano
Lewis Mumford
Rio de Janeiro: Editora Globo, 1956, 503 p.

Desta vez não tem saída. É preciso recorrer aos “sebos” de todos os cantos para conseguir esta obra prima que, segundo minha avaliação, – juntamente com a Conduta da Vida, do mesmo autor –, é um dos mais importantes documentos que introduz a ideia de CTS nas preocupações dos estudiosos e pesquisadores nas mais diferentes áreas do conhecimento humano.

Eu os consegui assim: num sebo em Salvador-BA. Tenho verdadeiro prazer em visitar as prateleiras que reúnem estas relíquias que deveriam ser resgatadas pelas editoras atuais. As reflexões são tão ou mais importantes do que aquelas que continuamos fazendo à exaustão. E muitas vezes redobrando trabalhos que já foram feitos. Mas isso é outro assunto. Vou comentar algumas coisas sobre o livro. Duvido que quem as ler não ficará curioso e motivado a, primeiro, encontrá-lo e, depois, como eu, lê-lo, uma, duas vezes.

O livro, num rastreamento temporal, é dividido em onze capítulos. Sem contar a Introdução que já é uma obra à parte. Nos primeiros três capítulos (1 – Prelúdio de uma era; 2 – O primado da pessoa e 3 – A estratégia da retirada) Mumford nos conta o porquê de suas preocupações em procurar a condição de homem neste “volume de controle” em que vivemos, chamado planeta Terra. Depois, já deixando muita coisa explicitada pela chegada deste homem no seu habitat, ele traz uma verdadeira síntese sobre a era medieval e as concepções ideológicas assumidas a partir de então, nos capítulos 4 – A síntese medieval e 5 – Capitalismo, Absolutismo, Protestantismo. Mas, paralelo a isso, outras questões foram “forjando” o homem a partir de seus novos contatos e relacionamentos (com outros seres humanos e também com a máquina) tornando cada vez mais complexo seu comportamento em meio a tantas mudanças e “evoluções”. Isso ele desenvolve nos três capítulos subseqüentes: 6 – Eclosão da libido; 7 – Os novos hemisférios e 8 – A insurreição romântica. Agora, já abordando o capitalismo e a intricada relação do homem com a máquina e com processos determinados também por aparatos tecnológicos, Mumford nos elabora um tratado que, apesar de ter sido escrito há quase um século, poderia ter sido registrado como escrito em 2011. Ele fala de ciência, tecnologia, sociedade, ecologia… com uma visão humana incomparável. Insisto e reafirmo que quem pretende estudar CTS – na concepção que me parece a mais interessante para o mundo em que vivemos – este livro é indispensável e fundamental. Para encerrar estes meus breves comentários, não vou usar um trecho de suas conclusões – que são geniais e reflexivas – e sim uma pequena parte de sua introdução, que pode motivar ainda mais a busca da leitura desta obra.

“O período que estamos vivendo apresenta-se como sendo de irrestrita confusão e desintegração; período de depressões econômicas paralisantes, de ilimitadas carnificinas e escravizações e de guerras que assolam o mundo todo; período que traiu todas as suas promessas de realização do bem pela prática do mal. Atrás, porém de todos esses fenômenos de destruição física, podemos descobrir uma série mais antiga e talvez mais fundamental de modificações: perda de comunhão entre classes e povos, colapso no comportamento estável, ausência da forma e do fim em muitas das artes, que dão cada vez maior destaque ao acidental e ao trivial. Em suma, a primeira forma desta crise, a mais remota, foi interna, um ‘cisma da alma’, como lhe chama Toynbee, e uma dissolução de todo o sistema mental.”

“O drama que nossa civilização tinha apresentado durante os últimos quatro séculos foi representando até o fim; estava, de fato, terminado; e a continuação da presença dos atores no mesmo palco, tagarelando nos mesmos papéis, repetindo gestos em que se haviam adestrado em excesso, teve como único resultado uma confusão que encobria sua carência geral de propósito.”

“É chegado o momento de se conceber, compor e representar um novo drama. Cada um de nós tem seu papel a desempenhar nessa renovação. E, primeiro que tudo, precisamos conhecer as forças modeladoras que ainda estão agindo em nossa civilização: por meio desse conhecimento mais completo e profundo de um passado que ainda vive em nós, reformaremos os próprios atores e dar-lhe-emos novos papéis a desempenhar. Atualmente, como já antes, na decadência das épocas clássica e medieval, a conquista de uma nova personalidade, e uma nova atitude em face do homem, da natureza e do cosmos, são questões de vida ou de morte: precisamos criar um novo estilo de vida, que dê a cada homem novo valor e nova significação em suas atividades cotidianas. Uma crise enfrentada e vencida dá ao sobrevivente nova confiança em suas forças. Ele chega, por esse meio, a um ponto superior ao que poderia alcançar por um processo mais normal de desenvolvimento. É aí que está nossa esperança.”

“Numa tentativa de dominar as forças desintegradoras que atuam em nossa sociedade, devemos voltar à busca da unidade; e para este fim, devemos explorar a natureza histórica da personalidade moderna e da comunidade, em toda a sua riqueza, variedade, complexidade e profundeza, não somente como o meio, mas também como o fim do nosso esforço. Como os processos que conduzem à unidade constituem a configuração do espirito, é lícito esperar uma integração semelhante nas instituições. Tal modificação não é, porém, automática. Somente aqueles que dia a dia procuram renovar-se e aperfeiçoar-se serão capazes de transformar nossa sociedade; e mais: somente aqueles que estão empenhados em distribuir seus mais preciosos bens com a comunidade toda – direi mesmo, com toda a humanidade – serão capazes de transformar-se a si próprios.”

Os parágrafos acima foram extraídos diretamente do livro e portanto apresentam algumas diferenças na redação. Procurei manter o texto original, porém a correção automática do computador pode ter alterado muita coisa. A propósito, a redação da época é mais uma atração no referido livro. Enfim, boa leitura para aqueles que tiverem o privilégio de conseguir acesso a esta obra. Os sebos são uma primeira excelente fonte de consulta.

Walter Antonio Bazzo
Dezembro de 2011


Do que riem as pessoas inteligentes? Uma pequena filosofia do humor Manfred Geier. Rio de Janeiro: Editora Record, 2011, 300 p.

Do que riem as pessoas inteligentes?
Uma pequena filosofia do humor
Manfred Geier
Rio de Janeiro: Editora Record, 2011, 300 p.

Viajar por este Brasil, para trabalhar CTS nos mais diversos fóruns, sempre me traz um prazer enorme. Associado a isso, o tempo de aeroporto e da viagem como um todo me proporciona agradáveis leituras. Desta vez, quando da minha ida a São Luis do Maranhão, havia levado um grande livro (em todos os sentidos) – sua resenha já está quase pronta – chamado “A Condição de Homem” de Lewis Mumford. Mas, devido a distância e o tempo de deslocamento, eu consegui fechar sua leitura mesmo antes de empreender minha viagem de volta. Sem nada mais para ler, então, comecei o “garimpo” pelas livrarias de aeroportos para encontrar alguma novidade. Confesso que não é minha “praia” preferida porque nas gôndolas sempre habitam os “mais vendidos” que, afora algumas exceções, trazem pouco conteúdos para minhas prioridades de aprendizagem sobre as questões contemporâneas relacionadas a CTS.

No entanto, depois de muita procura, um título me chamou a atenção pela abordagem interessante que trazia. Comprei li e gostei. Mas não vou me demorar muito em descrevê-lo. Apenas sugerir para aqueles que sempre comentam ser a filosofia muito carrancuda, que vale a pena dar uma olhadinha neste. Também não conhecia o autor. Mas deixando estes detalhes de lado discorro abaixo algumas citações feitas nas capas do livro que me chamaram a atenção e que também podem chamar as suas. Vamos lá:

“Durante séculos, a filosofia clássica execrou o humor. Em Do que riem as pessoas inteligentes? Manfred Geier, doutor em Teoria da Linguagem e de origem tcheca, resgata o prazer da comicidade no pensamento filosófico ocidental. O riso humano e suas razões são minuciosamente analisados à luz da filosofia. Passando por Kant até Karl Valentin, que potencializou o espanto filosófico diante do riso, sem esquecer Platão, Aristóteles e a Antiguidade Clássica, Geier integra o humor ao pensamento acadêmico”

“Durante séculos, o riso, a pilheria e a zombaria foram considerados obstáculos no caminho da iluminação filosófica. Coisas do diabo, uma careta que desfigura o ser humano e o aproxima dos macacos, a gargalhada era, ainda, sinal de vulgaridade e pouca educação. O chiste, algo a se evitar a todo custo.”

“O humor não teria, então, lugar na filosofia? Não existiriam pessoas inteligentes adeptas da manifestação externa da alegria humana? O filósofo e filólogo Manfred Geier mostra que, apesar do expurgo do sisudo Platão e de seus incontáveis sucessores na filosofia acadêmica, o riso encontrou seu lugar na verdade filosófica.”

“Rir é algo vital para a condição humana, mas raramente o humor é escolhido como tema de pesquisa histórica séria. Aqui, o autor examina o assunto como uma chave para a compreensão de culturas, religiões, grupos sociais e profissionais, além de colocá-lo no centro da história cultural e social do homem.”

“De que riem as pessoas inteligentes? conta uma deliciosa história do humor na filosofia ao traçar a trajetória do riso na sociedade ocidental. Mostra, ainda, do que os pensadores como Rabelais, Kant e Schopenhauer riram em suas respectivas épocas.”

“Geier contrapõe os ideais platonianos às ideias do sorridente Demócrito. Recapitula suas crenças e descreve o que os grandes filósofos pensam sobre o humor. Explica por que Platão estudou a ideia do ridículo, mas não a achou engraçada. E por que a natureza humana se define não apenas por saber rir, mas também por estar condenada a ser ela própria motivo de riso.”

Para mim, que sempre tratei a filosofia como uma forma de vida e nunca como uma profissão, foi uma leitura deliciosa. Até porque, considero o riso e o bom humor fundamentais em qualquer processo humano educacional quando falamos de ensino e aprendizagem. Portanto está aí uma boa dica para a leitura de férias.

Walter Antonio Bazzo
Dezembro de 2011


Criatividade e grupos criativos Domenico de Masi. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, 795 p.

Criatividade e grupos criativos
Domenico de Masi
Rio de Janeiro: Sextante, 2003, 795 p.

Raramente, ao falar para qualquer público em minhas palestras ou afins, deixo de mencionar os escritos do sociólogo italiano Domenico De Masi. Eles habitam, pelo menos a maioria de sua vasta produção literária, as prateleiras dos meus livros. Mas, por aquelas falhas que às vezes não entendemos, este em especial não está resenhado ou “propagandeado” nesta seção da página do NEPET. Penitenciando-me e, inclusive relendo “Criatividade e Grupos Criativos”, me utilizo dos relatos descritos nas orelhas e na contracapa do livro para contar ao leitor o porquê da minha insistência – para aqueles que querem entender o processo civilizatório relacionado à tecnologia – para que leiam esta obra. Ela, de fato, é indispensável! Apenas salientado que, ao procurar por este livro, na maioria das vezes agora será encontrada em dois volumes, mas mantendo todo o conteúdo aqui comentado.

Vejam o relato postado na orelha:

“Em Criatividade e Grupos Criativos, Domenico De Masi refaz o percurso da história da humanidade à luz da tensão fabril que a impele, sem parar, a corrigir a natureza com a cultura: da roda aos óculos, do paraíso à Magna Carta, das cidades da Mesopotâmia à linha de montagem, das catedrais góticas ao Projeto Genoma, do cinema ao jazz.

A maior parte das criações humanas é obra não de gênios individuais, mas de grupos e de coletividades nos quais cooperam personalidades concretas e personalidades fantasiosas, motivadas por um líder carismático, por uma meta compartilhada. Hoje, mais do que nunca, todas as descobertas científicas e as obras-primas artísticas não decorrem do lampejo de gênio de um único autor, mas do aporte coletivo e tenaz de trabalhadores, troupes, teams, squadre, equipes.

Decorrem das progressivas aproximações coletivas, da experiência milenar de clãs e tribos, da imaginação de um povo, do espírito de uma época. Não são mais do que etapas de um processo sem pontos de partida nem pontos de chegada, em que forças contraditórias como linhas retas e linhas curvas, razão e intuição incessantemente se alternam e entrelaçam.

Talvez na sociedade pós-industrial esses dois opostos possam finalmente chegar a uma síntese feliz. Para isso, De Masi apela às neurociências, à psicanálise, à psicologia, à epistemologia e sobretudo à sociologia: compreendendo as dinâmicas secretas do processo criativo, quem sabe não se possa aumentá-lo e colocá-lo em sintonia com a eterna aspiração humana pela felicidade?

Segundo De Masi, ‘este livro representa a síntese de todas as ideias que elaborei no decurso da vida a propósito da mutação social, do trabalho humano, da criatividade, da latinidade, do ócio criativo. O meu desejo é que ele sirva para tornar os leitores mais felizes, mais conscientes de que a vida merece ser vivida, liberada, valorizada; mais decididos a remover as barreiras à criatividade e em satisfazer as próprias necessidades de introspecção, amizade, amor, lazer, beleza e convivência’.”

Nessa minha releitura – lembram que no começo desta resenha eu dizia que iria ler novamente o livro? Comecei há 2 dias e já estou pela metade, por conta do feriado que tivemos – tenho concordado cada vez mais com os dizeres que vêm estampados nesta contracapa. E, impressionante, como numa releitura a estrada traçada pelo autor fica mais clara para que a gente percorra com mais entendimento e profundidade os caminhos da viagem humana! Domenico, com maestria e atratividade, nos mantém presos à leitura. Desde os primórdios da humanidade até o advento da informática o caminho percorrido tem trazido acontecimentos fantásticos na escalada da sociedade, da máquina e da busca pela felicidade. Um livro que preenche várias lacunas para o nosso entendimento da relação ciência, tecnologia e sociedade.

Domenico De Masi é catedrático de Sociologia do Trabalho na Universidade La Sapienza, de Roma, e fundador da S3-Studium, escola de especialização em ciências da administração, que tem sede na Itália e no Brasil. Entre seus livros publicados no Brasil destacam-se O Ócio Criativo, A Emoção e a Regra – já resenhado nesta nossa seção –, O Futuro do Trabalho e muitos outros. Recomendamos a leitura de todos eles. Já os li e um dia, quem sabe, uma pequena descrição colocaremos aqui nesta seção.

Apenas para finalizar recomendaria uma leitura homeopática desta obra. Ela é longa e precisa de muita maturação na análise de seus dados. Mas tenham certeza que valerá a pena e chamará até para uma releitura como agora eu estou fazendo.

Walter Antonio Bazzo
Novembro de 2011


Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do pensamento social de nossa época Aloisio Teixeira (org.). Rio de Janeiro: Record, 2002, 530 p.

Utópicos, heréticos e malditos
Os precursores do pensamento social de nossa época
Aloisio Teixeira (org.)
Rio de Janeiro: Record, 2002, 530 p.

“Se tivesse que responder, com uma única palavra, à seguinte pergunta: o que é a escravatura? – responderia: é um assassinato – e meu pensamento seria imediatamente compreendido. Não teria necessidade de um longo discurso para mostrar que o poder de privar um homem de seu pensamento, de sua vontade, de sua personalidade, é poder de vida e de morte, e que tornar um homem escravo é assassiná-lo. Por que então a essa outra pergunta – o que é propriedade? – não posso responder da mesma forma – é um roubo – sem ter a certeza de ser entendido, ainda que essa segunda proposição não seja senão a primeira transformada?”

Este é um trecho de “O que é a propriedade?” escrito em 1840 por Pierre-Joseph Proudhon e que denota um dos capítulos do livro a que estou me referindo agora. Forte não? Mas como ele, inúmeros outros nos impressionam pela atualidade de suas reflexões de autores poucas vezes trazidos aos estudos na Academia e ainda mais no senso comum.

Aloisio Teixeira, autor brasileiro, doutor em Economia, professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e que foi diretor da FINEP, secretário de Abastecimento e Preços do Ministério da Fazenda e secretário do Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro – dados de 2002 –, nos brinda com uma obra de imenso significado para nosso entendimento de evolução social e tecnológica nos últimos dois séculos.

Os dados constantes das orelhas do livro – escritos por Leandro Konder – nos ajudam a nos fascinar por esta obra. Diz ele:

“Este livro nasceu de um curso ministrado pelo professor Aloisio Teixeira, quando o ministro da Educação Paulo Renato de Souza o impediu de se tornar reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1998. Aloisio levou seus alunos a revisitar autores do século XIX e do início do século XX. Relendo textos pouco conhecidos de Saint-Simon, Fourier, Owen, John Gray, Louis Blanc, Proudhon, mas também Sidney Webb, Bernard Shaw, Hobson, Kautski, Veblen e Hilferding, o professor possibilitou aos estudantes a descoberta da vitalidade que estava contida nas teorias antigas. Os jovens perceberam que nem tudo no passado passa: e o que fica é, muitas vezes, um fermento surpreendentemente vigoroso. Nos ‘delírios’ e nas mais descabeladas fantasias de pensadores tidos como ‘exóticos’ ou ‘bizarros’, prenunciavam-se, de fato, alguns acertos magníficos a respeito de problemas importantes, que não estavam sendo enxergados. Os utópicos, os heréticos e os malditos, então, aparecem como precursores, em alguns momentos, do melhor pensamento crítico-social da nossa época. Muita gente não soube compreendê-los. Muitas cabeças contemporâneas ‘bem pensantes’ repeliram seus escritos rebeldes e os consideraram ‘amalucados’. No entanto, quando são relidos agora, conforme o leitor poderá verificar, ficamos todos abalados em nossas reflexões a respeito dos sonhos deles. É claro que ainda existem os aficionados dos esquemas pretensamente onipotentes da ‘racionalidade’, gente que não aprecia a ‘música’ desse inconformismo, o ‘som’ dessa efervescência intelectual. Os utópicos, contudo, os malditos e heréticos, ‘bizarros’ e ‘exóticos’, sempre poderão repetir o verso de Carlos Drummond de Andrade: ‘Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou’”.

É impressionante a recorrência das ideias. Dá vontade de sair por aí escrevendo tudo novamente adaptado a um contexto que mudou em termos tecnológicos, mas pouco em termos sociológicos. Pela densidade do tema temos a impressão de dar de cara com um texto árido e de complicada leitura. Mas não. Ele é fluido e gostoso de ler. Aliás, até demais. Devora-se em algumas horas porque é difícil de parar.

Como está muito bem acentuado na contra capa do livro, mais que uma arqueologia de clássicos do pensamento econômico, esta seleção de textos organizada por Teixeira sinaliza questões da atualidade. Estes utópicos, heréticos e malditos reunidos por Aloisio nos provam que as ideias pairam por tempo no ar: “O leitor se espantará ao verificar que muitos temas da moda – da regularização à descentralização, da globalização à economia solidária – estão inteiramente presentes em textos cuja idade varia de cem a duzentos anos. Lê-los, portanto, pode nos ajudar a trilhar caminhos que levem efetivamente à superação do quadro de dificuldades por que passa a humanidade e nosso país. Pelo menos, a evitar que se cometam os mesmos erros”

Hoje, meados de setembro de 2011, quando juntamente com os alunos de Tecnologia e Desenvolvimento – disciplina oferecida pelo curso de Engenharia Mecânica da UFSC (ver seus conteúdos nesta página do NEPET) – assistíamos uma entrevista do sociólogo Domenico De Masi – outro autor que deve ser lido para entendimento de muitas questões relacionadas a CTS – as ideias contidas neste livro vieram, em todos os momentos, à tona. Então me volta à razão a importância da leitura. Tudo é entrelaçado e, portanto as variáveis da equação social vão ficando mais ‘palatáveis’ se formos conhecendo as ideias dos mais variados pensadores da civilização humana.

Como das outras vezes, repito que teria muito a escrever sobre este livro. Mas, cada vez me entendo mais como um divulgador de leituras e por isso me atenho apenas a dizer: leiam e tenham uma matéria prima incrível para profundas reflexões. Até nosso próximo encontro.

Walter Antonio Bazzo
Setembro de 2011


Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais Boaventura de Sousa Santos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, 501 p.

Semear outras soluções
Os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais
Boaventura de Sousa Santos
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, 501 p.

Já mencionei, em outras ocasiões, que sou um leitor compulsivo. Isso me custa um preço, tanto econômico quanto de prioridades para outras atividades. Mas gosto de pagá-lo, porque sempre tenho privilégio de trocar as riquezas da leitura, através desta nossa seção, com uma enormidade de pessoas que também poderão desfrutar de conteúdos que muitas vezes jazem nas prateleiras por serem muito reflexivos ou “chatos” de serem analisados. Mas sou um professor e sempre tive nas minhas concepções que esta profissão se prioriza por orientar. É o que estou fazendo aqui, mais uma vez através da indicação de um livro, com um prazer imenso pela profundidade e compreensão sobre epistemologia que adquiri através da leitura deste em especial. Penso que nenhum estudante – outros leitores também é claro – que pense em entender sobre educação científica/tecnológica – especialmente na área CTS – pode se eximir desta leitura. E, depois desta provocação, nem vou me estender em maiores detalhes. Apenas dizer com ênfase: leiam.

Quando entrei na livraria lá estava seu exemplar “piscando” para mim – dentro aqueles com preços de oferta que nos seduzem mais ainda – e me convidando para uma “espiadinha” no seu sumário. Mas antes do sumário fui passear nos acessórios da contra capa, das orelhas e de outras informações que sempre são importantes para nossa escolha. É isso que reescrevo para vocês e que me conquistou a estar por quase duas semanas passeando em suas páginas:

“Este livro é o quarto volume da coleção ‘Reinventar a Emancipação Social; Para Novos Manifestos’. Trata-se de um vasto conjunto de estudos em que se dá conta de como, em diferentes países, os grupos sociais subalternos se organizam para resistir contra a exclusão social produzida pela globalização neoliberal e o fazem em nome da aspiração de um mundo melhor que julgam possível e a que sentem ter direito. O volume 4 é dedicado ao tema da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. O argumento central deste livro é o da existência de uma dimensão epistemológica crescentemente importante do conflito Norte/Sul. Trata-se dos confrontos entre conhecimentos rivais – sobretudo entre o conhecimento científico e conhecimentos não-científicos (leigos, populares, tradicionais, camponeses, indígenas) – e do acesso cada vez mais desigual à informação, ao conhecimento científico-técnico como consequência da mercantilização global destes últimos. São analisadas iniciativas e experiências de multiculturalismo no Brasil, Colômbia, Índia, África do Sul, Moçambique e Portugal.”

Poderia escrever mais – e quanto tem para escrever – mas prefiro que todos vocês matem suas curiosidades indo à fonte. Tenho plena convicção que, como eu, terão uma grata surpresa em relação a esta obra. Quanto a mim, com licença, vou à livraria à cata dos outros 6 volumes desta bela coleção. Não havia dito antes, mas esta coleção é constituída de 7 livros. Imaginem a diversidade e disponibilidade de aprendizados e informações. Boas leituras!

Walter Antonio Bazzo
Setembro de 2011


A sombra da águia: Por que os Estados Unidos fascinam e enfurecem o mundo Mark Hertsgaard. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003 185 p.

A sombra da águia
Por que os Estados Unidos fascinam e enfurecem o mundo
Mark Hertsgaard
Rio de Janeiro: Editora Record, 2003, 285 p.

Uma autocrítica sobre os comportamentos de um país que define os rumos da humanidade. Mark Hertsgaard, jornalista americano, com trabalhos publicados no The New Yorker, Harper’s e The New York Times em constantes viagens pelo mundo ausculta a opinião de inúmeros cidadãos das mais diferentes raças e credos habitantes dos mais diversos países do Planeta. Hoje, quando entramos no século XXI, esta questão em relação ao modo de vida, ao comportamento político, à política externa e ao alto consumismo do povo americano diz respeito diretamente aos rumos que a sociedade mundial irá tomar.

Aliás, este livro é bastante pertinente de ser lido neste instante em que, novamente, o mundo passa por tremendos problemas econômicos e, para variar, dependendo mais uma vez das decisões e rumos que os Estados Unidos tomarem.

As palavras do autor, no inicio do livro, é, talvez, a melhor forma de vermos os motivos que levam os humanos a pensarem de formas tão distintas sobre a nação mais poderosa do mundo contemporâneo:

“Os Estados Unidos tem muito do que se orgulhar, mas também têm coisas para lamentar. Por que os americanos acham isso difícil de admitir? Nós vamos nos relacionar bem com os vizinhos, e vice-versa, se encararmos este fato pouco surpreendente mas poderoso. Insistir em ignorar nossos defeitos – e rotular como traidor qualquer um que se recuse a ficar quieto – é idiotice. Verdades desconfortáveis não desaparecem só porque vozes fortes querem que elas sejam silenciadas. Tampouco a dissensão é uma postura antiamericana; pelo contrário. Se uma das lições do 11 de setembro é que nenhuma nação é invulnerável no mundo atual, certamente a outra é que a América não pode mais se dar ao luxo de ignorar o que o resto do mundo pensa, mesmo quando – talvez especialmente quando – esse pensamento não é elogioso.

O que me traz ao mapa de narrativa desse livro. Cada um dos seus dez capítulos oferece uma espécie de diálogo organizado ao redor de uma lista de coisas que os estrangeiros pensam sobre a América e sobre a qual os americanos geralmente não falam, como se segue: 1. A América é provinciana e egocêntrica; 2. A América é rica e empolgante; 3. A América é a terra da liberdade; 4. A América é um império hipócrita e dominador; 5. Os americanos são ingênuos em relação ao mundo; 6. Os americanos são filisteus; 7. A América é a terra da oportunidade; 8. A América acha que sua democracia é a melhor que existe; 9. A América é o futuro; 10. A América só pensa em si mesma.

Não pretendo ter todas as respostas em relação à América. Minha pátria é vasta demais, multifacetada demais, muito cheia de surpresas para ser facilmente resumida. Os Estados Unidos, escreveu John Steinbeck, é um país ‘complicado, paradoxal, cabeça-dura, tímido, cruel, espalhafatoso, indizivelmente querido, e muito lindo’. Sendo ainda uma nação jovem, permanece (um de seus pontos mais fortes) como uma obra inacabada. Num livro tão pequeno como este é impossível explorar a América com muitos detalhes. Meu objetivo, em vez disso, é levantar questões, algumas vezes incômodas, sobre o comportamento e as crenças da América no alvorecer do século XXI. Ainda que este livro se baseie em muitas viagens, reportagens e pesquisas, ele funciona mais como uma argumentação inicial do que como uma prova definitiva. Espero provocar pensamentos e debates, e, se os leitores não discordarem de pelo menos alguma coisa do que eu escrever, provavelmente não fiz bem meu serviço.

Sei que algumas partes deste livro serão difíceis para alguns americanos. Como observou Tocqueville, nós tendemos a ‘viver num estado de auto-adoração perpétua (...) somente os estrangeiros ou a experiência podem trazer certas verdades para a atenção dos americanos’. Mas, como ilustrou a demonstração global de simpatia depois do 11 de setembro, o resto do mundo tem grande afeto pelos americanos junto com outros sentimentos menos entusiasmados. A vasta maioria dos estrangeiros diferencia os americanos como povo – de quem geralmente gostam – e o poder e a política externa dos EUA, que são muito menos admirados.

De sua parte, a maioria dos estrangeiros reconhece com bastante clareza que é de seu interesse entender a América do modo mais claro possível; afinal de contas, todos eles vivem à sombra da Águia. ‘Eu queria escrever uma matéria opinativa para The New York Times insistindo em que as eleições americanas fossem abertas para estrangeiros, porque o que o governo americano decide em relação à política econômica, às ações militares e às questões culturais me afeta e afeta todas as outras pessoas ao redor do mundo’, disse-me Abdel Monem Said Ali, um jornalista que dirige o Centro Al-Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos no Cairo. ‘Quando a economia dos EUA cresce devagar, nós vimos o preço do petróleo cair. Quando a bolsa de valores dos EUA cai, baixam as verbas da Fundação Ford para o meu centro no Cairo’.

Qualquer que seja o âmbito – econômico, militar, político, científico ou cultural –, os Estados Unidos são a nação dominante do mundo. De modo nenhum seu poder é absoluto, mas ele é o ator decisivo cujo comportamento, para o bem ou para o mal, moldará o mundo onde todas as pessoas viverão no século XXI. Beldrich Moldan, ex-ministro do Meio Ambiente na República Tcheca, falou de modo melhor: ‘Como europeu – disse-me ele em Praga –, você pode gostar dos Estados Unidos ou pode não gostar dos Estados Unidos, mas sabe que eles são o futuro’.”

Posto isso, muitos irão perguntar por que tenho trazido tantos livros falando no domínio dos Estados Unidos, seus problemas, suas reflexões e suas limitações. Simples – e para isso basta seguir os noticiários de hoje (da forma limitada em sua transparência, como fala o autor deste livro num dos capítulos mais fortes sobre liberdade) ­– porque se quisermos entender de tecnologia, sociedade e desenvolvimento precisamos saber as tendências dos EUA para este século e inicio de milênio. Caso contrário estaremos resolvendo pequenos problemas que serão irrelevantes se não entendermos o verdadeiro significado da tal de globalização que, para variar, são capitaneadas pelos Estados Unidos.

Mark Hertsgaard, com seu livro “À sombra da águia”, nos traz uma excelente contribuição. Aliás, eu diria que, mesmo com as promessas do autor sobre a obra, ela superou minhas expectativas.

Walter Antonio Bazzo
Agosto de 2011


As palavras no tempo: Vinte e seis vocábulos da Enciclopédie reescritos para o ano 2000 Domenico de Masi e Dunia Pepe. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2003 472 p.

As palavras no tempo
Vinte e seis vocábulos da Enciclopédie reescritos para o ano 2000
Domenico de Masi e Dunia Pepe
Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2003, 472 p.

A ideia de um livro com esta abordagem cai como luvas nos assuntos que procuramos discutir constantemente nesta página do NEPET. Trazer à baila discussões dos iluministas “construtores” da Encyclopédie para nossos tempos contemporâneos. A ciência, a tecnologia, a infância, a comunicação e um sem fim de outros assuntos, que continuam tomando conta da mente de pensadores e da população como um todo na constante busca da felicidade, são trabalhados na perspectiva dos iluministas no século XVIII e de autores atuais em contrapontos que instigam nossa mente a refletir na qualidade de simples leitores, mas também preocupados com os rumos da civilização. Aliás, a felicidade também é tema de discussão nesta fantástica obra indispensável para aqueles que, como eu, trabalham a educação nos mais diversos setores da sociedade.

Mary Del Priori – historiadora – nos dá uma ideia mais ampla desta obra nas “orelhas” do livro em questão: “Fruto de uma imensa audácia intelectual, este livro nasce sob as bênçãos de uma questão genial: o que têm a dizer, hoje, os homens de ciências, sobre o que foi pensado, ontem, pelos iluministas? Sabemos que durante muito tempo a história da literatura considerou a Encyclopédie muito filosófica, enquanto a filosofia a considerava muito literária. Não se sabia como classificá-la. Ela incomodava. Se em nossos dias alguns verbetes ainda chocam, por seu profundo radicalismo, outros nos revelam a duradoura paixão pelas coisas do espírito e da imaginação. Não importa quantos anos tenham passado, a obra segue interpelando artistas e escritores.”

Aliás, me parece desproposital quando falamos em nossas aulas sobre Educação Científica e Tecnológica – e por que não na educação em seu sentido mais geral – que não tenhamos conhecimento, ou ainda mais, como tema de análise a complexa formulação de Diderot e seus colaboradores da Encyclopédie que começava a sistematizar os conhecimentos humanos para a posteridade. Este livro ajuda muito a resgatar essa lacuna. Os dois primeiros capítulos falando sobre arte e ciência e sobre a criança e adulto são absolutamente impressionantes nas suas análises e reflexões. Mas sigo com as colocações de Mary Del Priori:

“Domenico De Masi e Dunia Pepe compreenderam que malgrado seus duzentos e cinquenta anos, a Encyclopédie encontra ressonância em nossas dúvidas e esperanças. E tal como Diderot, seus organizadores preferem o diálogo ao sistema; a interrogação à afirmação; a desordem e a hibridação às hierarquias e limites. Já disse alguém que por ser o pensador da complexidade, da fugacidade e da individualidade, Diderot se impõe como um personagem por excelência do século XXI. De Masi e Dunia Pepe escolheram caminhar a seu lado para viver uma aventura intelectual que os incita, junto com vários colaboradores, a se interrogarem sobre muitos dos temas concernentes à humanidade: a natureza e a civilização, o tempo e a história, a vida e a morte, a paixão e a razão, a criança e o adulto, o homem e a mulher, entre outros. Autores como Fúlvio Carmagnola, Alain Touraine, Alberto Oliverio – para citar os mais conhecidos – situam de maneira inovadora, o trabalho da filosofia em relação a uma experiência sempre vinculada aos fatos que marcaram o século: nas artes, nas ciências, na política e na história. Experiência – sublinhe-se –, não como um arrazoado de conceitos e sim, como um feixe de existências, com suas forças, suas intensidades e energias. Nesta trajetória, os autores colocam-se distantes, portanto, da dominação sem partilha de um discurso de competências, ferozmente científico, preferindo-se próximos a uma filosofia moral, nascida longe das oficinas escolásticas ou de outras escolas. Os organizadores nos convidam, assim, a evitar os domínios fechados dos modernos campos disciplinares, buscando, ao contrário, captar os gestos criadores, os diálogos do pensamento para os quais convergem a multiplicidade das temáticas e dos campos de reflexões.”

Realmente foi isso que senti quando li sobre a inteligência e o amor – sem contar outras partes do livro obviamente – mesmo não sendo um estudioso no assunto. Relações com os relatos de Diderot e a atualidade feitas de modo claro sem a necessidade de profundos conhecimentos filosóficos. Aliás bem de acordo com certos autores que afirmam que muito mais que estudar filosofia devemos viver a filosofia. Viver é filosofar. Este livro traz um pouco de tudo isso. Mary segue:

“A forma do livro é originalíssima. Lado a lado, ombream amigavelmente os verbetes da Encyclopédie, cujo primeiro volume é publicado em 28 de junho de 1751, e os textos de autores contemporâneos. O fio condutor que os encaixa é o significado das palavras ontem e hoje. Houve progresso do Iluminismo aos nossos dias? Existiria um instrumento para precisar o quanto andamos para frente ou para trás?, pergunta-se De Masi. Que palavras dão conta de avanços e recuos? A obra coletiva nos faz lembrar que as questões e dúvidas que inauguraram a reflexão iluminista continuam a nos interpelar. Juntamente com os verbetes escritos no século XVIII, existe a preocupação de analisar balanços, tendências e transformações em curso, mas de fazê-lo reconstituindo grandes questões em toda a sua espessura histórica, incorporando gentilmente as teorias, os modelos e os quadros mentais que estruturaram nossa reflexão no longo curso do tempo. A obra As palavras no tempo está longe, longíssimo de ser um mero manual de filosofia. É mais, é muito, e é, sobretudo, um pretexto para pensar. É um livro para que o leitor tenha o prazer em pensar. Para que os autores tenham prazer em contar. Para reencontrar o sentimento tão bem expresso no verbete “narrativa”, da Encyclopédie: “Quem quer que conte uma narrativa verá a graça iluminar o olhar de seu interlocutor.” Pois é essa graça que, estamos certos, ungirá o leitor ao fio das páginas.”

Eu digo que senti prazer em pensar, motivação em refletir e uma enorme sensação de que saber as imensas contribuições dos iluministas através da Encyclopédie é fator primordial para entendermos com mais lucidez a educação científica e tecnológica.

Walter Antonio Bazzo
Agosto de 2011


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