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Ler, sempre, de preferência nas mais diversas áreas de conhecimento, indubitavelmente é um potente "combustível" para o nosso aprimoramento intelectual. Eis a razão desta seção de publicação de resenhas sobre livros. Ela não deve ficar a cargo apenas dos componentes do Nepet. Ao contrário, deve ser um fórum onde todos possam nos brindar com as mais variadas contribuições através de relatos e informações que emprestem à leitura um forte componente para alimentar as reflexões na educação tecnológica.

(As resenhas são feitas a partir do original que foi lido.)


Contestação: Nova fórmula de ensino Neil Postman e Charles Weingartner | RJ | Expressão Cultural | 275p. | 1971
Resenha | Clayton Barbosa Ferreira Filho e Larissa Zancan Rodrigues | PPGECT | UFSC

Contestação: Nova fórmula de ensino
Neil Postman e Charles Weingartner | RJ | Expressão Cultural | 275p. | 1971

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Esta resenha é decorrente do seminário realizado na disciplina «CTS – questões contemporâneas» do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. Está aqui publicada para poder servir como mais uma ferramenta motivadora para a leitura da obra. A disciplina está sob a responsabilidade do professor Walter Antonio Bazzo; esta resenha também teve o seu aval.

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Sobre o livro aqui resenhado, primeiramente, é importante colocarmos algumas palavras sobre a autoria. Neil Postman (1931-2003) foi um teórico e professor do departamento de comunicação da Universidade de Nova York, sendo um grande nome da crítica social estadunidense do século XX. Sua extensa obra possui como centro de investigação as relações entre sociedade, educação e tecnologias de comunicação, as quais foram abordadas em outros livros que escreveu, como: Amusing ouselves to death (1985), Tecnopólio: a rendição da cultura à tecnologia (1992) e O desaparecimento da infância. (1994)

Em Contestação: Nova fórmula de ensino, Postman e Charles Weingartner (que foi colaborador em diversas outras publicações), apresenta uma severa crítica ao sistema de ensino estadunidense e propõe outro modelo de ensino para que se subverta o ensino convencional praticado em escolas e universidades na década de 1960. Infelizmente, de lá para cá pouca coisa mudou, mesmo tendo passados 50 anos do lançamento do livro, o que faz a obra ser, de certa maneira, atemporal, tornando os questionamentos e reflexões propostos muito pertinentes para pensarmos o tempo presente.

A subversiva prática de ensino proposta pelos autores já é anunciada no título original da obra: Teaching as a subversive activity. Contudo, para a edição brasileira, o título foi mudado. Pensamos que isso ocorreu pelo contexto político em que a obra foi traduzida. Vigorava em nosso país, na época, a ditadura militar, dessa forma, a crítica de Postman e Weingartner ao modelo tecnicista, que aqui era adotado, podia ser somada a outras que já eram feitas ao sistema ditatorial como um todo, o que não seria bem aceito por parte dos dominantes.

Especificamente sobre os capítulos do livro, pensamos que esse pode ser dividido em dois grandes blocos (o livro original apresenta um total de 13 capítulos, que não são organizados em blocos). Em um primeiro bloco, os autores explicitam a ideia de formar estudantes capazes de «detectar o lixo» e, após, eles discorrem sobre questões curriculares e relacionadas à linguagem. Na segunda parte do texto, eles defendem a sua proposta para um novo modelo de ensino, tanto para os estudantes da educação básica quanto pensando a formação de professores. Vale destacar que por mais que os autores façam críticas, muitas vezes ácidas e pesadas, à escola e ao ensino, eles as fazem com o intuito de vislumbrar que muitos dos problemas identificados podem ser minimizados/eliminados diante de novas abordagens de educação, tendo em vista que a educação, na concepção deles, permite o aperfeiçoamento da condição humana, sendo «a única instituição em nossa sociedade que é imposta a todos e o que acontece na escola tem uma grande influência – para bem ou para mal». (POSTMAN, WEINGARTNER, 1971, p.15)

Sobre o sistema educacional vigente, os autores trazem uma metáfora interessante e muito expressiva de suas ideias, a qual é apresentada abaixo:

Um modo de representar a situação atual do nosso sistema educacional é o seguinte: É como se conduzíssemos um carro-esporte de muitos milhões de dólares, gritando: «Mais depressa! Mais depressa!», sem deixarmos de tirar os olhos do retrovisor. É um modo bastante impróprio de dizer onde estamos, muito menos para onde estamos indo e, só por muita sorte, não nos espatifamos – até agora. Dedicamos uma atenção quase exclusiva ao carro, equipando-o com toda a espécie de acessórios sofisticados, preparando o motor para alcançar velocidades cada vez maiores, que parece termos esquecido aonde queríamos ir nele. Obviamente, somos candidatos a levar um safanão dos diabos. A questão não é se, mas quando. (POSTMAN, WEINGARTNER, 1971, p. 15-16)

Tal metáfora expressa a ideia de que o sistema educacional não mudou à medida que o mundo ao nosso redor foi se transformando, o que fez com que as crianças sejam, nas escolas, protegidas da realidade, sendo educadas para o obsoleto e a partir do medo, evitando com que aprendizagens significativas e suas inteligências sejam desenvolvidas, pois castiga-se a imaginação criadora e a independência de espírito. Para Postman e Weingartner, não está se fazendo o que precisa ser feito. Como proposição, ao reconhecerem que o sistema educacional é incapaz de gerar energia própria para promover a sua revitalização, eles apontam para a necessidade de levarmos em consideração ideias de autores de outras áreas do saber para que se dê uma «terapia de choque na escola» (POSTMAN, WEINGARTNER, 1971, p. 17). No fim da introdução do livro, os autores indicam algumas leituras, a saber: Understanding media, de McLuhan, The human use of human beings, de Wiener, On becoming a person, de Rogers, Science and sanity, de Korzybsld e Practical criticism, de Richards, entre outros.

No primeiro capítulo, chamado de «a detecção do lixo», os autores questionam se vivemos, de fato, em uma sociedade democrática. Tal pergunta pode nos assustar em um primeiro momento, contudo os autores nos ajudam a desvelar essa questão ao justificarem que as pessoas poderosas, com interesses políticos e financeiros, «preferem muito mais que as escolas pouco ou nada façam para encorajar os jovens a inquirir, duvidar ou contestar qualquer setor da sociedade em que vivem, especialmente aqueles setores que são os mais vulneráveis» (POSTMAN, WEINGARTNER, 1971, p. 20). Nesse sentido, as seguintes perguntas são fundamentais: A quem pertencem as nossas escolas? E a que interesses elas estão preparadas para servir? A seguir, os autores fazem o relato de uma situação que envolveu o célebre escritor Hemingway, que já irritado com as perguntas feitas por um jornalista afirmou que «para ser um grande escritor, uma pessoa deve ter dentro de si um detector de lixo à prova de choque». Nesse sentido, Postman e Weingartner afirmam que é necessário que percebamos que o conhecimento que construímos enquanto humanidade «é um amálgama de concepções errôneas, suposições defeituosas, superstições e até mentiras» (POSTMAN, WEINGARTNER, 1971, p. 21), assim, a nova educação deve «cultivar pessoas especialistas em detecção de lixo», dentro de uma perspectiva subversiva e antropológica para a educação, de forma que a pessoa, ao produzir a sua cultura se situe, ao mesmo tempo, fora dela, para que perceba as abstrações arbitrárias que são colocadas dentro de nossas sociedades, o que poderia gerar uma formação tolerante e menos preconceituosa das pessoas.

No capítulo dois, «o meio é a mensagem» defende-se essa ideia partindo do pressuposto que as mensagens são:

(...) as percepções que nos é consentido construir, as atitudes que somos estimulados a assumir, as sensibilidades que somos encorajados a desenvolver (quase todas as coisas que aprendemos a ver, sentir e avaliar). Aprendemos, porque o nosso meio está organizado de tal modo que permite, ou encoraja, ou insiste em que as aprendamos. (POSTMAN, WEINGARTNER, 1971, p. 38)

De acordo com isso, defende-se que a mensagem que é transmitida nas escolas, mas que também é transmitida pelos meios de comunicação, por exemplo, pode ser identificada a partir do que as pessoas são chamadas a fazer. Ao percebemos que os professores fazem perguntas convergentes, em que os aprendizes adivinham o que o professor está pensado/quer que ele diga (independente da disciplina), o processo educacional se torna muito reduzido. Eles apontam, nesse capítulo, inclusive, 8 intenções não explicitadas pelos professores, mas que regem a prática da maioria, em que, a partir da estrutura da aula ministrada, através do papel do professor/do aprendiz, das regras do jogo verbal, dos direitos que são postos, das disposições tomadas para a comunicação e dos atos que são elogiados ou censurados configuram uma mensagem que é comunicada silenciosamente, insidiosamente, implacavelmente e com grande eficácia. No momento em que tivermos aprendido a fazer perguntas, que sejam substanciais, relevantes e apropriadas, nós teremos expandido os nossos limites fazendo com que ninguém nos impeça de aprender o que quisermos ou o que precisarmos de saber.

No terceiro capítulo, os autores apresentam o método de inquérito como possibilidade para reformar a estrutura da escola. Eles defendem que a ideia de um currículo contínuo ou em espiral não é adequada, pois os aprendizes não se comportam ou aprendem a partir de sequências e compartimentos. Para Postman e Weingartner «se quisermos visualizar o processo de aprendizagem, talvez seja mais autenticamente representado numa tela de Jackson Pollack, cujas cores aumentam de intensidade à medida que o poder intelectual cresce, pois, a aprendizagem é exponencialmente cumulativa» (POSTMAN, WEINGARTNER, 1971, p. 55). Em seguida, os autores apresentam algumas características que consideram relevantes para os bons aprendizes, assim como as dos professores, pois «não pode haver qualquer inovação significativa na educação que não tenha em seu centro as atitudes dos professores e é ilusório pensar de outro modo». (POSTMAN, WEINGARTNER, 1971, p. 58)

No quarto capítulo, intitulado «em busca da relevância», coloca-se que os professores devem cultivar um comportamento nos aprendizes de forma que seja fomentada a formulação de perguntas, a definição e a observação, a classificação e a generalização, a verificação e todas as outras aptidões e recursos do inquérito, tendo em vista o que foi apresentado no segundo capítulo do livro, em que se defendeu que o meio é a mensagem.

No capítulo cinco, chamado de «que vale a pena fazer?», Postman e Weingartner propõem e exemplificam o que chamam de «currículo-questionário», formado por perguntas divergentes, capazes de gerar outras perguntas que potencialmente podem expandir a aprendizagem dos aprendizes. Em seguida, eles apresentam a transcrição de uma aula baseada em inquérito para demonstrar que é possível que matéria ensinada em aula seja dada pelas próprias respostas dos aprendizes aos seus questionamentos.

No sexto capítulo, denominado «formação de significações», os autores afirmam que os processos de mentalização que passamos quando aprendemos são simultâneos, pois as pessoas pensam, se emocionam e se espiritualizam ao mesmo tempo. Existem cada vez mais provas de que nós fazemos a realidade à medida que a percebemos, ao invés de «recebê-la» ou «refleti-la» passivamente, por isso, não se coloca apenas uma disputa sobre os nomes que deveremos usar para «coisas», mas, fundamentalmente, está em jogo sobre que «coisas» devem ter nomes. Portanto, a estrutura da nossa linguagem não é neutra e por mais que a nossa estrutura fraseológica favoreça a ideia de que cada um de nós está separado e é distinto do que se situa fora das nossas peles essa visão é incorreta. Para fundamentar tais ideias, os autores usam os constructos do cientista Adelbert Ames Jr., colocando, ao final, que conhecimento é aquilo que sabemos depois que aprendemos.

No capítulo sete, chamado «a função da linguagem», os autores retomam a ideia de que a linguagem não é neutra e que não obtemos significações a partir de coisas, nós atribuímos significações às coisas, por isso, cada linguagem representa um modo único de perceber a realidade, o que, de certa forma, nos encarcera em uma espécie de «casa de linguagem». Frente a isso, uma nova educação, na concepção dos autores, além de ser centrada no estudante e na pergunta, deve ser também centrada na linguagem para que os aprendizes se tornem sistemas abertos, pois a escola, infelizmente, «cria sistemas fechados com suas decisões predeterminadas, limitando os seus recursos de linguagem». (POSTMAN, WEINGARTNER, 1971, p. 161)

No oitavo capítulo, intitulado «novos professores», os autores identificam 16 propostas-base para a nova educação e no capítulo nove, chamado «escolas públicas», eles afirmam que a comunidade deve se tornar currículo a ser aprendido, Postman e Weingartner, inclusive, identificam alguns tipos de programas que podem ser oferecidos pelas escolas.

No capítulo dez, «novas linguagens: os meios de comunicação», os autores fazem um histórico da invenção da escrita até os dias de hoje defendendo que temos que aprender sobre os meios de comunicação, a fim de que não fiquemos à mercê daqueles que os controlam.

No capítulo onze, «duas alternativas» trazem-se dois casos de ensino, um de Frank Miceli chamado de «educação e realidade» e outro de Elliott Carlson denominado «jogos na aula», para exemplificar que a nova educação pode ser realizada de múltiplas maneiras, dentre elas, a partir de um currículo de perguntas, um currículo de sistemas ou até um currículo de jogos.

No capítulo doze, «o que fazer?», identificam-se algumas ações que o professor pode fazer para construir uma nova educação e no último capítulo, denominado «estratégias de sobrevivência», Postman e Weingartner afirmam que a nossa tarefa enquanto professores é a de nos desfazer de conceitos irrelevantes para a aprendizagem. Nesse sentido, eles elencam cânones arcaicos da escola. Novas estratégias intelectuais para a sobrevivência devem surgir de conceitos como relatividade, probabilidade, contingência, incerteza-função, estrutura como processo, causalidade (ou não causalidade) múltipla, relações não métricas, graus de diferença e incongruência (ou diferença simultaneamente apropriada), fazendo com que:

A nova educação tenha como finalidade o desenvolvimento de um novo tipo de pessoa, uma que será uma personalidade indagadora, flexível, criadora, tolerante, inovadora, liberal, capaz de enfrentar a incerteza e a ambiguidade sem desorientação, que poderá formular novos e viáveis significados para fazer frente às mudanças no meio que ameaçam a sobrevivência individual e mútua. A nova ·educação consiste em fazer os estudantes usarem os conceitos mais apropriados ao mundo em que todos nós temos que viver (...) A finalidade é ajudar todos os estudantes a desenvolverem «detectores de lixo» à prova de choque, como equipamento básico em seu ferramental e sobrevivência.

Diante da relevância e da atualidade de suas propostas, o livro «a contestação» é leitura obrigatória para professores (em formação e/ou em atuação) que estejam comprometidos a repensar as suas práticas a fim de que essas estejam em fase com a dinâmica das transformações que acometem a nossa sociedade, principalmente diante dos inúmeros avanços científicos e tecnológicos que vislumbramos cotidianamente. Além disso, é urgente que comecemos a reconhecer o protagonismo dos aprendizes no processo de aprendizagem e que façamos questionamentos a respeito do mundo à nossa volta para que exista, de fato, transformação e não reprodução social.

Clayton Barbosa Ferreira Filho e Larissa Zancan Rodrigues | PPGECT | UFSC


De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso Eduardo Galeano | Porto Alegre – L&PM | 384 p. | 1999/2009
Resenha | Thiago José Perozzo Cardoso | PPGECT | UFSC

De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso
Eduardo Galeano | Porto Alegre – L&PM | 384 p. | 1999/2009

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Esta resenha é decorrente do seminário realizado na disciplina «CTS – questões contemporâneas» do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. Está aqui publicada para poder servir como mais uma ferramenta motivadora para a leitura da obra. A disciplina está sob a responsabilidade do professor Walter Antonio Bazzo; esta resenha também teve o seu aval.

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De Pernas pro ar (1999) é mais uma dentre as diversas obras do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Huges Galeano, autor também do clássico As Veias Abertas da América Latina (1971), seu grande sucesso. O livro foi finalizado em meados de 1998 e conta com diversas ilustrações, feitas pelo artista mexicano José Guadalupe Posada.


No primeiro destes tópicos, A escola do mundo ao avesso, nos é mostrado o quão contraditória é a nossa sociedade, que dividida em pobres, classe média e ricos, tenta-se igualar todo mundo, mas é o «mundo, que oferece o banquete a todos e fecha a porta no nariz de tantos, é ao mesmo tempo igualador e desigual: igualador nas ideias e nos costumes que impõe e desigual nas oportunidades que proporciona» (p. 35). É pautada pelo consumismo extremo e privilégio de poucos, em detrimento de muitos, que sofrem com esta relação de poder. É uma sociedade hipócrita. Em Seminário de ética nos é mostrado que existe uma falsa moral na qual punições não são as mesmas para ricos e pobres e a tecnologia, tida como salvadora da humanidade, é justamente um dos problemas, como aumento do desemprego, da fome e da violência.

Isso acaba gerando diversos tipos de medo: medo de não ter, medo de perder o que têm e medo do outro, o qual é sempre o vilão. Cátedras do medo é um reflexo do nosso modo de vida, com muita xenofobia e com aversão a opinião do outro, quando contrária à sua. Existe uma dificuldade de convivência entre pessoas diferentes, parece que não existe muita tolerância. Contudo, toda essa ideia de pânico gera muito lucro e ajuda a manter os privilégios e a concentração de renda. O crime compensa para os ricos e poderosos, o capital e o poder estão acima de tudo, o planeta é descartável e está a serviço deles, não importa o quanto isso custe (guerras, ditaduras, mortes em massa, destruição da natureza), são Aulas magistrais de impunidade. Os bens de consumo acabam tendo mais valor do que a própria vida e as máquinas têm mais direitos do que os próprios seres humanos «Nesta civilização onde as coisas importam cada vez mais e as pessoas cada vez menos, os fins foram sequestrados pelos meios» (p. 236).

A sociedade de consumo esmaga as pessoas, o individual prevalece sobre o coletivo e a Pedagogia da Solidão é a cartilha a ser seguida, «Esse modo de vida não é bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica” (p. 238). Somos o tempo inteiro bombardeados por propagandas que nos dizem que a felicidade está no status, no consumo, precisamos sempre do melhor e mais novo, não importa o que seja. As informações são manipuladas, sempre visando atender melhor aos interesses de alguém, são poderosas demais para serem acessíveis a todos. Mesmo escrito a quase 20 anos atrás, a obra continua extremamente atual, muito em função do tema tratado: as relações de poder e suas consequências (racismo, homofobia, machismo, luta de classes, hipocrisia, violência), presentes em nossa sociedade: «Isso é coisa de mulher, diz-se também. O racismo e o machismo bebem nas mesmas fontes e cospem palavras parecidas». (p.66). Através dos seis tópicos de estudos, Galeano relaciona essas relações com saúde, educação, comunicação, industrialização, economia, política e ecologia.


«Fim do século, fim do milênio: fim do mundo? Quantos ares não envenenados ainda nos restam? Quantas terras não arrasadas, quantas águas não mortas? Quantas almas não enfermas? Em sua versão hebraica, a palavra enfermo significa «sem projeto» e esta é a mais grave enfermidade entre as muitas pestes deste tempo. Mas alguém, sabe-se lá quem, andou escrevendo num muro da cidade de Bogotá: Deixemos o pessimismo para tempos melhores.» (p. 298)

É uma obra impactante, com pitadas de ironia e um tom de poesia, construída através de uma série de «tópicos de estudos», baseados em uma bibliografia variada, que muito lembra artigos acadêmicos, tornando a leitura simples e mais objetiva, sem que haja necessidade de seguir uma ordem específica. Nesse sentido, Eduardo Galeano nos mostra o porquê de ser considerado um dos grandes escritores, não só da América Latina, mas de todo o mundo. Leitura fundamental para qualquer educador.

Thiago José Perozzo Cardoso | PPGECT | UFSC


Utopia para realistas: como construir um mundo melhor Rutger Bregman | Sextante| RJ | 256 p.| 2018
Resenha | Maércio Djoni Sumann e Raquel Soares dos Santos| PPGECT | UFSC

Utopia para realistas: como construir um mundo melhor
Rutger Bregman | Sextante| RJ | 256 p.| 2018

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Esta resenha é decorrente do seminário realizado na disciplina «CTS – questões contemporâneas» do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. Está aqui publicada para poder servir como mais uma ferramenta motivadora para a leitura da obra. A disciplina está sob a responsabilidade do professor Walter Antonio Bazzo; esta resenha também teve o seu aval.

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Em uma época de grandes avanços em várias áreas da sociedade, sem pararmos para refletir ou encontrar respostas quando nos questionamos sobre onde estamos indo e onde queremos chegar com isso tudo, é que surge o jovem historiador holandês Rutger Bregman com uma ideia de “Utopia para Realistas”, na qual nos faz pensar sobre maneiras de “construir um mundo melhor”.

Nossa civilização já passou por muitas mudanças que se tornaram marcos históricos e de grande importância para a atual situação que nos encontramos. E muitos desses fatos foram, em algum momento da história, uma grande utopia. Mas tornaram-se realidade e que, então, nos remetem a quanto é necessário termos uma utopia como ponto de partida rumo à realização da mesma.

Ao iniciar o livro com uma coletânea de fatos e dados reais de programas sociais que deram certo em diferentes lugares, contextos e culturas, o autor do livro nos convida a entender o quanto uma tentativa do governo de melhorar a vida de seus cidadãos pode (e deve) ser uma ótima ideia.

Girando em torno de três pontos centrais – renda básica universal, semana de trabalho de 15 horas e mundo sem fronteiras – sempre trazendo fundamento para suas proposições, o autor mostra o quanto é possível a realização desses fatos, pensando no bem-estar e em uma vida saudável a todos de maneira digna. Sem fazer críticas diretas às maneiras de governo, ficam subjetivos muitos questionamentos e contrapontos a regimes adotados que não levam em consideração todos os sujeitos de cada população.

Ao trazer pontos de vista e estudos do âmbito econômico, político e humanitário, Bregman se preocupa em se fazer entender, de maneira bem fundamentada, ao desejar que tenhamos mais utopias na época em que vivemos. Segundo o mesmo, avançamos tanto em considerável curto espaço de tempo que sentimos internamente que já não temos muito para avançar, porém ainda há muitos problemas para resolver!

Ao descrever sobre ao que leva o título da obra, o autor se dedica, também, em deixar esclarecidas as diferenças entre a utopia e a distopia. É como se fossem opostas, logo, quanto menos se tem de uma, mais se consegue da outra. E viver a distopia é viver de maneira caótica.

“Um mapa do mundo que não inclua Utopia não vale a pena, pois deixa de fora o único país em que a Humanidade está sempre pousando. E quando a Humanidade chega lá, parece, e, vendo um país melhor, zarpa. O progresso é a realização de utopias.” – Oscar Wilde. É com essa ideia que Bregman aborda durante seu livro a ideia de Utopia. Uma ideia de um lugar que nunca alcançaremos, e se, por acaso, alcançarmos, já não será mais uma utopia, pois deixa de ser algo inalcançável e acaba por perder o objetivo de estar sempre em busca desse lugar. O livro de Bergman é um convite a percebermos o quanto ainda temos a evoluir tendo em vista lugares e situações utópicas, sem fugir da realidade.

Ao final da leitura de Utopia para Realistas duas palavras ecoam na cabeça quando se pensa em um mundo melhor: justiça e dignidade. Ser justo com todos de acordo com o que têm ou o que lhes falta. E assim, por consequência, propiciar a cada ser humano um mínimo de dignidade que deveria ser o básico a cada pessoa.

Maércio Djoni Sumann e Raquel Soares dos Santos| PPGECT | UFSC


Dez argumentos para deletar agora suas redes sociais Jaron Lanier | Intrínseca | RJ | 145 p.| 2018
Resenha | Willian Grecillo dos Santos e Adamo Devi Cuchedza| PPGECT | UFSC

Dez argumentos para deletar agora suas redes sociais
Jaron Lanier | Intrínseca | RJ | 145 p.| 2018

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Esta resenha é decorrente do seminário realizado na disciplina «CTS – questões contemporâneas» do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. Está aqui publicada para poder servir como mais uma ferramenta motivadora para a leitura da obra. A disciplina está sob a responsabilidade do professor Walter Antonio Bazzo; esta resenha também teve o seu aval.

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Em «Dez argumentos para deletar agora suas redes sociais» o autor Jaron Lanier expõe um cenário preocupante em relação aos impactos das redes sociais nas relações humanas. Segundo o autor, que é especialista em tecnologia no Vale do Silício, muitos desses impactos são antecipados por características trabalhadas pelos desenvolvedores dos algoritmos que regem essas redes sociais, ou seja, são intencionais.

Jaron Lanier fez sua carreira no Vale do Silício desenvolvendo os principais aparatos comerciais para realidade virtual, como os óculos, luvas e softwares. Além de suas empresas na área da tecnologia, auxiliou no desenvolvimento de diversas startups no Vale do Silício e participou do desenvolvimento do algoritmo de reconhecimento facial que o Facebook utiliza hoje em sua plataforma. O autor relata, tanto em sua obra como em palestras, que ao participar de testes de projetos iniciais alinhados a proposta de construir plataformas de relacionamento via internet percebeu alguns aspectos curiosos em relação ao seu comportamento e dos demais usuários dentro das redes. A partir dessas observações e sentimentos, começou a escrever sobre os impactos das tecnologias digitais no ser humano em obras anteriores como Bem-vindo ao futuro, gadget ‒ você não é um aplicativo e Dawn of the new everything.

Considerando redes como o Facebook, que já superou a marca de 2 bilhões de usuários no mundo, mais de 130 milhões só no Brasil, as discussões desenvolvidas pelo autor no livro se tornam de grande relevância para se compreender aspectos da relação do ser humano com as mídias digitais, bem como de que maneira essas tecnologias influenciam na sociedade como um coletivo, e não somente os sujeitos de forma individual.

Logo no primeiro argumento, o autor identifica elementos dos algoritmos que compõem as redes sociais desenvolvidos especificamente para engajar os usuários, ou seja, viciá-los. Como especialista em tecnologia digital e programador de software, ele descreve toda a estrutura de funcionamento desses algoritmos e qual metodologia eles utilizam para viciar seus usuários: a do behaviorismo. Ainda, são citados trechos retirados de entrevistas concedidas por dois sujeitos durante a portais de notícias dos Estados Unidos. O primeiro é Sean Parker, o qual foi desenvolvedor e primeiro diretor do Facebook, e o segundo é Chamath Palihapitiya, que também participou do desenvolvimento do algoritmo da plataforma e foi o primeiro diretor de crescimento de usuários do Facebook, nas quais eles admitem ter construído o Facebook com uma estrutura desenhada para viciar seus usuários baseada no behaviorismo. Nesse sentido, fica clara a intenção dos criadores dessas plataformas, com o Facebook sendo a primeira e as demais seguindo seus passos, a qual não vai ao encontro de slogans estampados nesses sites, como aproximar as pessoas ou facilitar a vida dos usuários, mas sim de viciá-los e ocupar a maior parte possível de seu tempo, mas com que propósito?

Viciar seus usuários e tomar-lhes a maior parte de seu tempo é apenas o primeiro passo, mas o que esses magnatas do mundo digital ganham com isso? Dados. Essas plataformas coletam quantidades inimagináveis de dados sobre seus usuários a todo momento e dos mais variados tipos, como suas preferências ou o que não agrada muito, conexões, tempo de uso, reação a propagandas e notícias, localização de gps, quanto tempo do vídeo foi assistido, se abre as matérias e quais abre, entre outros vários. Essas informações são muito valiosas para os proprietários dessas plataformas e é nessa ideia que o autor constrói os demais argumentos, discutindo como esses dados são utilizados para manipular o comportamento dos usuários e até mesmo alguns efeitos não antecipados pelos criadores desses algoritmos. Para obter lucro, esses dados são vendidos para corporações que desejam manipular algum grupo específico da sociedade, seja com fins comerciais, para fazê-las consumir algum produto, ou políticos, e para esses é fácil pensar em alguns exemplos.

Porém, alguns efeitos inesperados pelos seus desenvolvedores começaram a surgir a partir do uso excessivo dessas plataformas por seus usuários, como por exemplo um individualismo incomum alimentando um egoísmo e uma incapacidade de dialogar com ideias diferentes. Ainda, estudos indicando aumento do risco de desenvolvimento de depressão, ansiedade e isolamento a partir do uso excessivo de redes sociais estão se tornando cada vez mais recorrentes na produção científica mundial. Nesse sentido, o autor começa a desenvolver a maioria de seus argumentos, discutindo esses efeitos tóxicos das redes sociais no psicológico humano de maneira a demonstrar ao leitor o quanto essas plataformas estão sendo nocivas para sua saúde mental. Ele ainda demonstra, junto com os próprios desenvolvedores dessas tecnologias, uma preocupação especial com as novas gerações que estão nascendo e se desenvolvendo dentro desse mundo baseado em relações virtuais e algoritmos construídos para manipulá-los.

Hoje não é difícil flagrar um motorista com uma mão na direção e outra rolando pela tela de um smartphone dentro de um carro em movimento ‒ ou até nós mesmos… ‒, ou quase se chocar com alguém na calçada porque o celular precisava de atenção naquele momento. O vício em smartphones, dentro dos quais a maior parte do tempo é gasto em redes sociais, é uma realidade da nossa sociedade e qualquer pessoa que em algum momento se perguntou se havia algo de errado na maneira como o ser humano tem se entregado a esses aparelhos, deveria ler essa obra. Essa é uma preocupação genuína pois, «[...] na minha opinião, isso está erodindo o alicerce de como as pessoas se comportam umas com as outras», como escreve o autor ao citar uma fala de Chamath Palihapitiya. E para pais e educadores, que hoje assistem seus filhos e alunos mergulhando profundamente nessas tecnologias, trocando o contato humano, amizade e afeto por uma montanha de likes em uma foto no Facebook «Só Deus sabe o que as redes sociais estão fazendo com o cérebro de nossos filhos», escreve o autor citando Sean Parker.

A leitura é leve e, apesar de tratar de temas complexos como algoritmos de programação e economia, o autor desenvolve suas discussões com muita clareza e propriedade utilizando bons exemplos e analogias com elementos do cotidiano. Ainda, essas discussões são desenvolvidas a partir de uma análise da realidade, baseando-se em elementos das relações humanas e não apenas aspectos estatísticos dos algoritmos.

Willian Grecillo dos Santos e Adamo Devi Cuchedza| PPGECT | UFSC


iGEN - Por que as crianças superconectadas de hoje... Jean M. Twenge | Editora NVersos | SP | 368 p. | 2018
Resenha | Liciana Gai Garcia e Tiago Morais Nunes | PPGECT | UFSC

iGEN - Por que as crianças superconectadas de hoje...
Jean M. Twenge | Editora NVersos | SP | 368 p. | 2018

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Esta resenha é decorrente do seminário realizado na disciplina «CTS – questões contemporâneas» do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. Está aqui publicada para poder servir como mais uma ferramenta motivadora para a leitura da obra. A disciplina está sob a responsabilidade do professor Walter Antonio Bazzo; esta resenha também teve o seu aval.

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Um excelente estudo realizado por Jean M. Twenge, professora de psicologia na Universidade Estadual de San Diego, com o objetivo de nos fazer conhecer, orientar e entender a geração i, também denominada geração Z ou centennials, que nos Estados Unidos representa os jovens nascidos a partir de 1995, no Brasil, de 2000 a 2009. Nessa pesquisa a autora sustenta que a predominância absoluta dos smartphones entre os adolescentes tem efeitos que vão desde as interações sociais à saúde mental e que essa é a primeira geração com acesso constante a internet.

Mas além da tecnologia, o que diferencia a geração i das anteriores? Segundo Twenge, «i» representa também o individualismo marcante de seus membros, uma ampla tendência que norteia seu senso inabalável de igualdade, assim como sua aversão às regras atuais. A partir de quatro grandes levantamentos foram identificadas dez tendências que moldam a geração i: sem pressa; internet; não mais ao vivo; insegura; isolada, mas não intrínseca; insegurança financeira; indefinida; inclusiva; independente, as quais intitulam os capítulos do livro.

Todas essas tendências são descritas em comparação às gerações anteriores na época em que tinham as mesmas idades. A partir de 2012, mudanças inesperadas nos comportamentos e estados emocionais dos adolescentes começaram a ser percebidas, coincidentemente, ou não, culminando com o aumento do uso dos smartphones. Twenge relata que a geração i está sem pressa, crescendo lentamente e, em comparação aos seus antecessores, são menos propensos a dirigir, namorar, fazer sexo, trabalhar e a ingerir álcool. Não se rebelam com a superproteção dos pais, aprovam, pois cresceram sendo monitorados pelas telinhas dos smartphones o que os faz sentirem seguros devido a esse controle. Outro fator diferencial dessa geração é o tempo que passam on-line. Esses jovens parecem ter aversão à mídia impressa. Passam muitas horas postando em redes sociais e digitando mensagens de texto o que não tem se mostrado proveitoso para a compreensão de textos ou redações acadêmicas. Segundo pesquisadores, mudam de tarefas a cada 19 segundos e a maioria das janelas ficam abertas por menos de 1 minuto, o que é bem diferente de sentar e ler um livro durante horas.

Durante a leitura Twenge nos faz perceber que os centennials não têm interesse em se comunicar ao vivo. As relações humanas perderam espaço para as relações virtuais o que tem colocado em risco a saúde mental da geração i. O mundo das redes sociais é perfeito. Todos postam somente suas vidas maravilhosas e tudo sempre dá certo. Como o contato físico foi substituído pelas telinhas, os adolescentes perderam também a convivência real, na qual juntos passavam por todos os tipos de experiências, fracassos e vitórias. Agora, quando percebem que suas vidas não são perfeitas como a postada pelos amigos, surge a inveja, juntamente a depressão. Sentem-se excluídos e sozinhos quando não são convidados a participarem de algum evento que julgam importante. Subtraem várias horas de sono hipnotizados pelas telas dos smartphones, fato que, comprovadamente, aumenta o risco de depressão e suicídio.
A geração i está descrente e não frequenta nenhuma religião, principalmente, devido a desconfiança dos jovens em relação às instituições. O dinheiro está em alta e o sentido está em baixa. Cada vez mais propensos a dizer que é mais importante se dar bem financeiramente do que desenvolver uma filosofia de vida significativa. Frequentam as universidades apenas para conseguirem um emprego melhor assim que se formarem, aprender para valer não é o principal objetivo. Prezam por ambientes seguros e equiparam o discurso a violência física. Mostram-se muito preocupados com os outros e com a comunidade, no entanto não sabem o que fazer para ajudar. São muito criativos para fazer campanhas e mobilizações em redes sociais, mas não são propensos a entrar em ação fora delas. São inconformistas, materialistas, interessados em usar o dinheiro para se destacar, não para ser como os outros.

Menos propensos a fazer sexo na adolescência e no início da vida adulta em decorrência de passarem menos tempo ao vivo com seus pares. A iGen poderá ser a geração com o maior número de solteiros e com a menor taxa de natalidade já registrada nos Estados Unidos. O acesso à internet pode ser uma das razões do declínio da gravidez nas últimas décadas, devido à facilidade que os adolescentes têm de buscar informações on-line sobre controle de natalidade ou de se comunicarem eletronicamente. Em geral, afirma Twenge, os centennials estão cada vez mais desligados de relacionamentos humanos, exceto com seus pais.

A geração i é inclusiva, espera igualdade em relação às identidades LGBT, de gênero e de etnia. Citam frequentemente razões individualistas para a sua escolha partidária, têm o foco em segurança e preocupação acentuada com as perspectivas econômicas sendo mais conservadores politicamente. Põem o indivíduo em primeiro lugar. São a favor da maconha legal, aborto legal, conforme o princípio de que o governo não deve restringir os direitos individuais.

A obra iGen é um excelente trabalho de pesquisa realizado por Jean M. Twenge, com estudantes da geração i, nas escolas e universidades dos Estados Unidos e deve ser analisado por todos, pais e educadores de qualquer nacionalidade, pois as telas dos smartphones «dominaram» a vida, não só dos adolescentes, mas da maioria das pessoas e, cada vez mais, têm causado o estreitamento das relações humanas. Como interferir e mudar essa realidade que tem se mostrado tão assustadora, levando muitos de nossos jovens a infelicidade, a depressão e ao medo? Podemos tentar, basta seguirmos um dos conselhos de Twenge: «largar o celular e fazer outra coisa.» Esse livro nos esclarece e desafia. É um convite à leitura!!!

Liciana Gai Garcia e Tiago Morais Nunes | PPGECT | UFSC


A civilização do Espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura Mario Vargas Llosa | Objetiva| RJ | 207 p. | 2013
Resenha | Maíra Caroline Defendi e Jeraldi Hiroki | PPGECT | UFSC

A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura
Mario Vargas Llosa | Objetiva| RJ | 207 p. | 2013

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Esta resenha é decorrente do seminário realizado na disciplina «CTS – questões contemporâneas» do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. Está aqui publicada para poder servir como mais uma ferramenta motivadora para a leitura da obra. A disciplina está sob a responsabilidade do professor Walter Antonio Bazzo; esta resenha também teve o seu aval.

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Vargas Llosa é um escritor peruano, jornalista, ensaísta, dramaturgo e crítico literário, vencedor de prestigiosos prêmios, entre eles, o Nobel de Literatura de 2010. Na juventude foi simpatizante do socialismo, no entanto, ao longo de sua carreira, acabou por adotar posições liberais, principalmente ao que se refere a questões econômicas e um posicionamento mais conservador em relação a aspectos políticos, culturais e da vida social, o que pode ser percebido com frequência ao longo de sua obra e de suas polêmicas declarações públicas.
A Civilização do Espetáculo: Uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura de Mario Vargas Llosa, é um livro do gênero artigo de opinião que reúne textos críticos e ensaios sobre a cultura e como esse conceito tem se transformado na sociedade nas últimas décadas.

O livro A civilização do Espetáculo é uma importante leitura, principalmente na conjuntura política e econômica atual, pois trata de muitos aspectos de fundamental discussão, que perpassam a política, a economia e a sociedade, a partir de um argumento central, a cultura.

A envolvente e engenhosa capacidade narrativa do escritor torna a leitura dessa obra uma experiência bastante agradável. As definições sobre cultura, defendidas por Llosa, podem, num primeiro momento, causar uma impressão ingênua de que a cultura atual está quase totalmente deteriorada, carecendo de valores hierárquicos para balizar seu status de «alta cultura» ou «cultura de elite». Como já mencionado anteriormente, os apontamentos e análises de Llosa, muito bem escritos e minuciosamente articulados, têm de fato o seu valor, principalmente no que se refere à falta de senso crítico, sensacionalismo e o conspiracionismo falacioso em que a cultura contemporânea está imersa.

No entanto, essa característica hierárquica e conservadora da cultura defendida por Llosa é exatamente uma das nossas maiores críticas em relação ao livro. O fato do autor privilegiar a superioridade de uma «cultura erudita» e não explicitar a diferença entre cultura popular e de cultura de massas, acaba favorecendo a impressão de que outras manifestações culturais são inferiores ou que ocupam lugar de menor destaque, ou relevância. Concordamos com o argumento de que a ao colocar o entretenimento em primeiro lugar, enquanto valor máximo a ser conquistado em uma sociedade, a banalização da cultura e das relações humanas, com reflexos no jornalismo, na política, na religião, no sexo foram inevitáveis. Todavia, equiparar isso a grandes manifestações culturais, construídas ao longo da humanidade, que tornam o mundo um lugar plural e com tantas riquezas é um reducionismo inconcebível.

Outro ponto que merece maior atenção, é o fato que frequentemente a argumentação de Llosa é direcionada a um ponto de vista de caráter reducionista, que acaba por encobrir ou desconsiderar o impacto do liberalismo econômico na cultura contemporânea, não se comprometendo com uma análise mais aprofundada sobre as origens e causas dos problemas que levaram nossa sociedade a ter as características de hoje. Por exemplo, ao falar sobre a confusão entre preço e valor, ou sobre a corrupção na política, o autor culpa a cultura, ou melhor, o que esta se tornou, como responsável por esses males, enquanto que ao nosso ver muitas dessas «confusões» têm raiz no próprio modelo capitalista, que passa quase imperceptível durante a leitura do livro.

Consideramos importante a leitura e discussão crítica do livro, mesmo discordando de algumas posturas apresentadas, principalmente, porque devido à habilidade argumentativa do autor, a leitura do livro torna-se um verdadeiro embate de ideias, concepções, causas e consequências dos problemas que atravessam a sociedade atual, de forma que é impossível sair da leitura desta obra sem uma sensação de hesitação e conflito, seja ela por questionar os posicionamentos do autor, seja por questionar nossos próprios posicionamentos.

Maíra Caroline Defendi e Jeraldi Hiroki | PPGECT | UFSC


21 Lições para o século 21 Yuval Noah Harari | Companhia das Letras | SP | 441 p.| 2018
Resenha | Cristine Saibert e Oliveiros Dias Jr. | PPGECT | UFSC

21 Lições para o século 21
Yuval Noah Harari | Companhia das Letras | SP | 441 p.| 2018

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Esta resenha é decorrente do seminário realizado na disciplina «CTS – questões contemporâneas» do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. Esta aqui publicada para poder servir como mais uma ferramenta motivadora para a leitura da obra. A disciplina está sob a responsabilidade do professor Walter Antonio Bazzo e esta resenha também teve o seu aval.

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O livro «21 lições para o século 21», de Yuval Noah Harari (2018), nos traz reflexões importantes sobre questões como uso da tecnologia e o desenvolvimento da civilização e da educação. Dividido em cinco capítulos de escrita leve e envolvente, o autor discute implicações contemporâneas associadas ao desenvolvimento do processo civilizatório e nos faz refletir sobre as potencialidades e limitações de pensamentos políticos, religiões e da tecnologia no enfrentamento dos problemas sociais, políticos e ecológicos que exigem hoje uma mobilização global.

Harari é historiador e sua leitura do mundo se faz a partir de algumas ideias principais, que giram em torno da historicidade e da evolução do Homo sapiens, identificando suas forças e fraquezas frente aos desafios enfrentados pelos humanos num mundo em constante mudança. As principais ideias do autor que irão nortear suas análises nesta obra são:

● Compreendendo o processo da evolução do Homo sapiens podemos entender melhor a construção dialética da nossa civilização e os desafios que ela enfrenta hoje e os possíveis desdobramentos futuros;
● Os seres humanos (Homo sapiens) controlam o mundo porque, diferentemente das outras espécies na Terra, são capazes de criar narrativas ficcionais e, acreditando nessas narrativas, podem cooperar melhor do que qualquer outro animal para atingir seus objetivos;
● Os humanos, como espécie, pensam em forma de narrativas e tomam suas principais decisões não pela racionalidade, mas sim pelo emocional, pelos seus laços emocionais com o seu grupo e, quanto mais simples a narrativa, melhor;
● Poder criar narrativas ficcionais e acreditar nelas é sua força e também sua fraqueza. Esta se estabelece na dificuldade em diferenciar realidade de ficção. Esta fraqueza possibilita sua alienação e possível dominação por forças estruturais da sociedade que ele não consegue identificar.

A partir desta análise geral, podemos fazer uma breve leitura da obra seguindo a sua organização, em cinco partes: (1) O desafio tecnológico; (2) O desafio político; (3) Desespero e esperança; (4) Verdade; (5) Resiliência.

Em O desafio tecnológico, ao apresentar os problemas potenciais do desenvolvimento desenfreado da tecnologia, em especial da inteligência artificial, Harari nos faz refletir sobre como estamos desamparados para lidar com essas questões, que nos envolvem cada vez mais. Assim, o autor discute sobre alguns sistemas políticos que permearam o processo civilizatório até então, apontando as limitações destes para com o atual desenvolvimento tecnológico que vivenciamos. Após, reflete especificamente sobre a relação desta imersão na era da tecnologia com o mundo do trabalho. Neste ponto, ao comentar sobre a possibilidade (cada vez mais presente) de a inteligência artificial substituir grandes quantidades de profissionais em um futuro próximo, o autor reflete sobre como lidar com esses aspectos em um mundo de preceitos liberais e permeado por grandes desigualdades sociais. Vêm à tona a necessidade de se (re)pensar a relação com o trabalho existente hoje e, também, da conformação da sociedade perante esta nova relação. O autor, então, segue discutindo as implicações da convergência das tecnologias da informação com a biotecnologia e, neste ponto, expõe que a utilização e controle de certas tecnologias, especialmente dos algoritmos de big data, pode levar a apropriação de dados por poucos indivíduos (empresas ou estado) no futuro, o que comprometeria valores como liberdade e igualdade, base da ideologia liberal vigente.

Em O desafio político, Harari discute um pouco mais a respeito dos desafios políticos de nosso tempo. Ao imergir no mundo cada vez mais virtual e tecnológico o homem tem se afastado da sua corporalidade. Assim, a necessidade de nos conectarmos cada vez mais com nossos corpos e com o mundo físico atual é discutida pelo autor, em paralelo ao que se discute sobre o papel da tecnologia na sociedade hoje. Após, o autor discute a necessidade de retomarmos conceitos de comunidade, de civilização. Fazendo uma retrospectiva dos eventos que levaram à formação da sociedade que vivemos hoje, é levantada a importância do processo de cooperação entre os diferentes grupos no sentido de superar problemas cada vez maiores que vieram a surgir no decorrer de nosso desenvolvimento. Assim, discute-se que problemas globais como aquecimento global, disrupção tecnológica ou armamento nuclear, necessitam cada vez mais de cooperação dos diferentes países para que sejam solucionados. Neste ponto, discute-se as implicações do nacionalismo, da religião e das questões referentes aos imigrantes na construção de uma consciência global e cooperativa para resolução destes problemas. Vêm à tona a necessidade de nos aprofundarmos em questões nacionais, religiosas e/ou culturais, se quisermos compreender as relações contemporâneas atuais que permeiam o mundo e suas diferentes sociedades. Para melhor analisar as dificuldades e pensar em possíveis soluções, devemos ter em mente que Estado, nacionalidade e religião são narrativas ficcionais, ter clareza sobre isso faz toda diferença, uma narrativa que une um grupo também pode isolá-lo de outros, dificultando o entendimento, o respeito mútuo e respostas aos desafios globais.

Na parte três, intitulada Desespero e esperança, Harari trata do terrorismo, da tendência às guerras, autodestruição e recomenda nunca subestimar a estupidez humana. O autor reflete sobre a importância de acessarmos e compreendermos diferentes pontos de vista, de modo que propõe como remédio para eventuais conflitos «uma boa dose de humildade». Para isso, nos relembra mais uma vez do processo de evolução da espécie humana, que muito antes de quaisquer leis e religiões, várias espécies de mamíferos sociais já apresentam uma moralidade desenvolvida, com regras de comportamento, códigos éticos que restringem o roubo, a traição e o assassinato (por exemplo) e promovem a cooperação no grupo. O autor então vai apresentar um conceito de compaixão, de moralidade relacionados à empatia, à diminuição do sofrimento, onde o homem não pode ser feliz sozinho, sua felicidade e sua dor estão relacionados à felicidade e às dores dos outros ao seu redor. A partir desta moralidade independente de religião, o autor apresenta os ideais do secularismo e propõe este como referência para a educação no século 21.

Na parte quatro o autor vai falar da busca pela Verdade. Como podemos buscar a verdade num mundo onde imperam diversas narrativas diferentes? Neste ponto, o autor chama a atenção para o fato de que somos seres racionais, porém as emoções estão sempre permeando nossa racionalidade. Da mesma forma, o autor destaca a ideia de coletividade, explicitando que a característica de se juntar em grupos em torno de uma narrativa única possibilitou ao Homo sapiens uma vantagem evolutiva. Dito isto, faz-se uma reflexão a respeito da falta de conhecimento que temos hoje sobre os processos que regem o mundo e a sociedade que vivemos. Temos uma mente limitada quanto ao processamento de informação, e estamos inseridos em um mundo cada vez mais especializado e informado, onde não conseguimos compreender a complexa rede que rege os processos políticos e econômicos que vivenciamos. Assim, precisamos reconhecer que somos ignorantes sobre estas questões. E precisamos, a partir desta ignorância, buscar informações para nos auxiliar neste intrincado projeto de busca pela verdade, uma vez que, ao nos esquivarmos da responsabilidade de compreender o mundo em que vivemos, podemos estar sendo coniventes com as grandes injustiças sociais que permeiam nossa sociedade. Assim, o autor alerta que a nossa facilidade de nos organizarmos em comunidades a partir de narrativas em comum é também o que dificulta a apropriação de conhecimento crítico por grandes comunidades, pois é natural ao sapiens acreditar em narrativas de grupo de modo que «[...] na prática, não existe uma divisão clara entre ‛saber que algo é apenas uma convenção humana’» e ‛crer que algo é inerentemente valioso’» (Harari, 2018). Neste ponto, Harari traz como orientação na busca pela compreensão do mundo, o foco no sofrimento. Porque segundo o autor, por mais que uma narrativa seja falsa, o sofrimento humano que pode vir desta narrativa é real. E é essa busca pelo fim do sofrimento humano que deveria orientar nossas escolhas. Na prática, devemos estar sempre atentos às projeções que temos do mundo, formuladas pela nossa mente. Porque nossa mente é constantemente manipulada pela enxurrada de informações e opiniões que advém do meio externo. Seria, portanto, o conhecimento maior do nosso eu e das nossas motivações pessoais, o caminho para vivermos de modo são o mundo atual e suas constantes mudanças.

A parte cinco vai tratar da Resiliência. Se a mudança é a única constante, a educação deve preparar as pessoas para conviver com ela e assim manter sua sanidade mental. Num mundo onde as informações estão em grande volume, se faz importante saber filtrar as informações realmente necessárias para construir um bom conhecimento da realidade. Então, devemos desenvolver as habilidades necessárias para viver num processo de contínua mudança, daí a resiliência: sofrer o estresse causado pelas mudanças e conseguir manter sua integridade. Com a participação cada vez maior das tecnologias em nossas vidas, haverá crises de identidade cada vez maiores. Quem sou eu? Qual o sentido de estar vivo? Estas serão perguntas cada vez mais presentes. O autor retoma as análises das velhas narrativas políticas, econômicas e religiosas que a humanidade criou, concluindo que não servem mais para este «admirável mundo novo». Mas também aponta para a possibilidade de construção de novas narrativas, que sejam mais flexíveis e resilientes, que tragam mais sentido para cada um de nós e que respondam aos desafios globais. Se o homem vive por narrativas, com dificuldades em separar realidade da ficção, o sofrimento por sua vez é bem real. O autor adentra na questão do sofrimento, partindo da premissa que o sofrimento também tem origem na ficção e na dificuldade em separá-la da realidade. Então, o sofrimento também tem origem na mente. Estudar a mente é um processo único e individual. Entender a mente é o primeiro passo para entender como o homem cria narrativas e como se alia a narrativas de outrem, sejam elas quais forem, como ele sofre e como pode estar causando sofrimento. O autor relata o seu processo neste entendimento da sua própria mente através de uma prática de meditação, de observação da sua mente, chamada Vipassana. Ao mesmo tempo afirma que o processo é individual, que cada um deve procurar alguma prática, algum processo que o ajude a estudar sua mente e a si mesmo. Conhecer sua mente possibilita perceber melhor os processos em sua realidade e a manutenção da sua sanidade frente ao mundo em constante mudança. Melhor nós mesmos tomarmos a iniciativa de saber quem somos, enquanto ainda há tempo, do que deixar que tecnologia tome esta decisão por nós. É com esta mensagem que o autor encerra o livro.

Cristine Saibert e Oliveiros Dias Jr. | PPGECT | UFSC


A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato Jessé Souza | Editora Leya | RJ | 243 p. | 2017
Resenha | Letícia Anelise Soares e Seila Mello Santos | PPGECT | NEPET | UFSC

A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato
Jessé Souza | Editora Leya | RJ | 243 p. | 2017

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Esta resenha é decorrente do seminário realizado na disciplina «CTS – questões contemporâneas» do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. Esta aqui publicada para poder servir como mais uma ferramenta motivadora para a leitura da obra. A disciplina está sob a responsabilidade do professor Walter Antonio Bazzo e esta resenha foi elaborada sob sua supervisão.

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O livro começa explanando sobre a escravidão no Brasil, que não acabou com a abolição. Ao contrário, continua até os nossos dias. Entretanto, não escraviza apenas racialmente, mas também econômica e culturalmente, expropriando a maioria dos indivíduos de seus bens, seus direitos, suas expectativas, sua esperança. Jessé Souza, neste contexto argumenta que «o paradigma culturalista é, na verdade, uma falsa ruptura com o racismo científico «racial» (2017, p.17). Então, essa expropriação vai mais longe, porque desacredita a população geral, especialmente a brasileira, inclusive de si mesma, de sua capacidade de gerenciar suas vidas, tomar suas decisões de forma coerente, de sua boa índole. Faz crer serem os brasileiros, indivíduos desprovidos do padrão moral aceitável, faltando-lhes a virtude da honestidade, estando estes sempre imbuídos de más intenções, do famoso «jeitinho brasileiro». Essa ideologia posta, incuti uma visão de descrédito ao brasileiro, de negligência e deslealdade proposital, visto que considerada intrínseca à sua genética. Logo, inerente a sua cultura. Como se a corrupção fosse sua marca registrada, incontestavelmente, por se tratar de algo que lhe é peculiarmente constituinte natural. Nesta concepção, o brasileiro precisa ser monitorado e governado por indivíduos externos, honrosos de crédito, confiáveis a toda prova.

Relata Jessé Souza, neste livro, ainda, que essa falaciosa ideologia, foi criada pela elite econômica, a grande usurpadora dos recursos de muitos, em detrimento de alguns poucos que a constitui, num engodo que mascara quem realmente manda, dominando o capital econômico, social e cultural da população, a seu bel prazer. O poder político nacional, neste sentido, constituindo parte da classe média, serviria como bode expiatório, da culpabilização pela corrupção, quando na verdade é também massa de manobra social, para melhor articulação do poder econômico na mão de poucos.

Ainda de acordo com o autor, a mídia, desde há muito (e deixando de cumprir seu papel de denunciar e revelar a verdade), por estar corrompida, como também a inteligência formal instituída, seja ela judicial, policial e intelectual, também integradoras da classe média, colaboram na fomentação da imagem corruptível do brasileiro, sempre mal-intencionado e malsucedido, como também alimentando o ódio e a ação de extermínio da classe inferiorizada. É ao que se refere SOUZA (2017, p. 14), quando discorre que «o trabalho de distorção sistemática da realidade realizado pela mídia foi extremamente facilitado pelo trabalho prévio de intelectuais que forjaram a visão dominante, até hoje, da sociedade brasileira». Assim a classe dominada, qual seja, a que inclui os pobres, os negros, os menos privilegiados de cultura, considerados incapazes de se autogerirem, acabam por se tornarem um peso, até mesmo um incômodo desnecessário à distribuição de renda, portanto, passíveis de serem excluídos, mortos, segregados, humilhados, tecendo uma malha de preconceito pejorativo à sua existência, enquanto ser humano que é. No entanto, invisível como tal.

O sociólogo Jessé, escritor desta obra, termina por fazer uma reflexão sobre a operação lava jato, cuja ação vislumbrou a denúncia, a acusação, o julgamento e a prisão de muitos políticos da esquerda brasileira, criminalizados como corruptos. Essa ação pensada, planejada, executada, visou impedir que direitos de alguns poucos fossem crescentemente disponibilizados a muitos outros, dando-lhes um poder maior (de entendimento, de consumo, de decisão), inconveniente à elite e sua ditadura totalitária.

Um livro instigante, sem dúvida alguma, no sentido de nos permitir uma ampla e grave reflexão das intrincadas relações estabelecidas entre a política brasileira, o poder patrimonialista excludente da minoria e a escravidão social majoritária, no Brasil, como elementos convergentes na criação do cenário atual da soberania da desigualdade social, ainda a ser «descoberta» (e não mais encoberta), tanto quanto já o são as riquezas usurpadas de nosso país.

Letícia Anelise Soares e Seila Mello Santos | PPGECT | NEPET | UFSC


Educação, projeto e valores Nílson José Machado | Coleção Ensaios transversais | Escrituras Editora | SP | 6a ed. | 2006
Resenha | Luiz Teixeira do Vale Pereira | Nepet | EMC | CTC | UFSC

Educação, projeto e valores
Nílson José Machado | Coleção Ensaios transversais | Escrituras Editora | SP | 6a ed. | 2006

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Navegando pela internet, deparei-me com vídeo-aulas disponibilizadas pela USP. Escolhi uma delas: Tópicos de Ética e Educação, do professor Nílson José Machado. Estava lá, um curso completo, com 65 vídeos contendo aulas que acompanhei com atenção. Presenteei-me com alguns dias de reflexão. Discurso sólido, consistente, direto, perpassando temas pertinentes à ação docente. Indissociáveis dessa ação. Um curso bem estruturado. Palmas para a iniciativa. Mãos à palmatória para a internet.

Já ouvira falar dele. Mas, como engenheiro que sou por formação, seus trabalhos não costumavam esquentar lugar nas minhas prateleiras, ou se escondiam sob camadas de outras leituras ou – reconheço com alguma dose de remorso – de poeira mesmo.

Reencontrei um livro dele: Educação, projeto e valores. Limpei. Li como engenheiro, com cabeça de engenheiro, com olhar de engenheiro. Mas com coração de professor, que sou por função e destino há quatro décadas. Não pude me desvencilhar de esticar os olhos intrigados e magnetizados para a leitura do tema projeto que o autor desfia. As vídeo-aulas acenderam o sinal, o livro me deu tempo para que eu imprimisse o meu ritmo de contato com o conhecimento, caminhando pra frente, pulando pra trás, relendo, divagando, refletindo, anotando, recomeçando. Tudo no gerúndio mesmo, como eu gosto de fazer, mas tentando não escorregar pelo gerundismo, tão na moda atualmente.

No capítulo 1, Sobre a ideia de projeto, o professor Nílson desfere uma flechada que visava primordialmente – imagino – a educação, mas que de quebra acertou em cheio o coração de uma das principais bases da engenharia: o projeto. Mas uma flechada de Cupido, cuja ferida, segundo a mitologia romana, despertava a paixão e o amor da vítima. Uma flechada que não mata, só faz apaixonar, como deveríamos com mais astúcia nós professores transpassar a mente de nossos alvos. Flechar de nossos arcos retesados projéteis cheios de veneno de encantamento, para ferir de paixão mentes em botão, terrenos férteis e plenos de futuros a serem construídos: eis uma boa reflexão.

Pois considero que essa astúcia o professor Nílson deixa transbordar quando fala de projeto – diretamente em pelo menos dois capítulos –, vazada pela pertinência, pela abordagem e pela possibilidade de se enxergar a engenharia premiada, mesmo que sem querer.

Na minha trajetória docente, já lecionei disciplinas de Metodologia de projeto mecânico, Teoria de estruturas, Mecânica dos Sólidos, Confiabilidade estrutural, em meio a tantas outras. Em todas elas o que mais fiz foi destacar o projeto como fio condutor de narrativas técnicas; como deve mesmo ser.

Aliás, a engenharia – as engenharias – tem no projeto a sua essência. Projeto pensado em suas múltiplas facetas, bem amplamente falando. Como nos diz o professor Nílson, puxando do fundo do baú, da origem latina da palavra: projectus, particípio passado de projícere, significando algo como um jato lançado para a frente. Nos jogamos para a frente, ou lançamos nossos sonhos, nossas ideias, nossas maquinações lá na frente, e saímos feito crianças ciscando o futuro, correndo para construir a estrada que possa nos levar até lá para colher o fruto de nossas ilusões.

Projeto. É isso aí. É como engenheiros vivem a construir futuros. Não há engenharia sem projeto, como não há educação sem projeto. Na verdade, parece que não há vida – humana, que seja a do Sapiens ou a do Homo deus do Yuval Harari – sem projeto. Essa é uma marca indelével de nossa humanidade. Isso somos nós.

Ao ler este livro, não imagine o leitor que terá sua alma salva do fogo do inferno. Até porque, como o texto em pauta procura ensinar, como não podemos viver pelo outro, também não podemos ter projetos pelo outro. Esta leitura pode nos ajudar a limpar um pouco este meio de campo, baixando a poeira disforme que costuma pairar imprecisa sobre algumas hostes da engenharia, e principalmente por partes nada desprezíveis do universo educacional. Mas nenhum livro pode projetar nada por nós. O professor Nílson é craque nessa interpretação.

Vocês já pensaram em projeto como referência para o futuro, como abertura para o novo, ou na indelegável ação projetada? Ou na gostosura de pensar a ilusão como algo necessário para a vida, como se fosse condição para se estar no jogo? Não era bem assim que eu organizava o projeto na minha cabeça. Se vocês frequentam o mesmo time, mãos à obra!

Todo engenheiro, todo professor de engenharia e de tecnologia devia oferecer o peito aberto para uma flechada dessas.

Luiz Teixeira do Vale Pereira | Nepet | EMC | CTC | UFSC


A música do universo Janna Levin | Companhia das Letras | 2016
Resenha | Luiz Teixeira do Vale Pereria | Nepet | EMC | CTC | UFSC

A música do universo
Janna Levin | Companhia das Letras | 2016

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Quem tivesse olhos para ver e ouvidos para ouvir tudo o que nos conta o passado... Passado que se esconde nas dobras de um tempo fugidio, que passa por nós a galope ligeiro, nos deixando algo como paspalhões que nem sentidos tivéssemos para capturá-lo, para sugar dele as histórias de que ele se encontra encharcado. O Sol, a Lua, as estrelas, a poeira cósmica – que desaparecem nos céus urbanos, poluídos por tanta luz, fumaça, prédios e modernidades que desviam as nossas atenções para pequenas telas reluzentes – deixam paulatinamente o panteão de honra, e passam a compor mesmices enfadonhas que praticamente só ganham destaque em eventos efêmeros de cliques descartáveis logo ali à frente, na próxima postagem.

Por sorte ainda deixamos germinar alguns nefelibatas – pesquisadores, investigadores, pensadores, filósofos, sonhadores, poetas, cientistas... – que não se deixam aplacar ante a tirania do óbvio e tentam perscrutar histórias e leituras de que os céus são plenos.

Ondas gravitacionais?! De onde esse tal de Einstein foi tirar uma ideia dessas? E por qual motivo alguns loucos-varridos-de-pedra, dezenas de anos depois, foram se atolar na estranha enrascada de querer sentir e mensurar as tais ondas? E nem dava mesmo para enxergar, porque as ondas luminosas que nos chegam de passados remotíssimos, de sítios quase além da imaginação humana, após perambular bilhões de anos-luz por esses confins imensuráveis, não mostram muita coisa nesse quesito.

Mas olhem só: o universo soa, e as suas melodias nos contam muita coisa e nos encantam; essa coisa monstruosa toca feito um percussionista de primeira linha um tambor revelador de histórias, enviando mensagens que todos deveríamos ouvir. Como nos apregoam as teorias mais criativas, dois buracos negros bailando copiosamente encenam coreografias autofágicas, lançando sons que talvez mais pareçam o zumbido de um enxame inteiro de abelhas nervosas, ávidas por nos dizer num cantochão (de estrelas) monocórdio onde está o mel. Agora mais essa: o universo é musical! Se escutarmos com bastante cuidado, acabamos descobrindo uma bateria de escola de samba cósmica enviando mensagens bombásticas nas quais quem sabe revelaremos muito de nós próprios.

Janna Levin botou o dedo na colmeia. E escreveu o texto com mel; muito saboroso, por sinal. Professora de Física e de Astronomia, participa, conversa e trabalha com astrofísicos de toda sorte que entregaram partes substanciais de suas vidas a ouvir estrelas – é ou não é coisa de lunático, de nefelibata?

O que mais encanta e convida a releituras neste livro da Janna não é a parte mais técnica – que aliás passa batida em quase todo o texto, como se ela não nos quisesse chatear com jargões e teorias intrincados e incompreensíveis. Os intrigantes e teóricos buracos negros participam do discurso, da trama, mas não sugam com suas densidades colossais as nossas atenções além do necessário para entender as disputas acontecendo. O que mais grita neste texto aparentemente despretensioso, com cara de crônica, é a ciência em ação. Lendo com os olhos da mente – e ouvindo os sons dos tambores que a autora toca o tempo todo –, temos oportunidades às pencas para deitar por terra definitivamente a frágil ideia de uma ciência soberana, autônoma, eterna, infalível, neutra, como se Auguste Comte tivesse vencido e cravado a espada da sua religião nas nossas mentes.

Quando ela coloca as apostas de Stephen Hawking, as revistas pornográficas, os casamentos destroçados, as disputas de vaidades, as lutas por verbas, as demissões, os cientistas desfiando palavrões de botequim, as noites em claro, os desânimos inevitáveis, os programas naufragando, as euforias por sucessos pessoais ou de grupos, a caça ao prêmio Nobel, só dá para enxergar uma coisa: Bingo! Ali está a ciência real se fazendo no dia a dia.

O que aparece ali não é a ciência de revista de divulgação científica, não é a ciência asséptica de livro-texto escolar, não é a ciência de telejornal de fim de noite. Não é a ciência de almanaque, do Google, das redes sociais, de discursos fáceis e inconsequentes postados no Youtube, de palestras de economistas detentores da verdade. É a ciência tal como ela é de fato. É a ciência, digamos assim, “de carne e osso”. É a ciência como atividade humana, e não como um arremedo fantasioso de algo sobrenatural, que nos teria sido dado pronto e acabado, e que por isso devêssemos venerá-la, acendendo velas de promessa ou respeito. E essa revelação é imperdível! É o dedo na colmeia, com as abelhas lá dentro.

É um texto estimulante, escrito pela talvez mais descontraída astrofísica teórica da atualidade, que tem a verve da boa prosa e que também transita por outras literaturas. Numa linguagem fácil, coloquial, fluida, instigante feito um ímã, Janna nos fala de muitos eventos que parece que já conhecemos no nosso dia a dia, ali, acontecendo bem embaixo dos nossos narizes.

Eu reputo ser um livro imperdível para quem desconfia de suas ideias sobre ciência – herdadas de dicionários –, e que por isso acha que ciência é porque é a dona da verdade eterna e imaculável e não se fala mais nisso!

Mas também – talvez até mais que imperdível – é um livro necessário para quem nem desconfiava dessa possibilidade de ciência como atividade humana. Porque a ciência – melhor seria dizer “as ciências” – é uma atividade humana como outra atividade qualquer, mas de um tipo muito, muito especial, terreno fértil para a dúvida, onde o sentido e a interpretação mais óbvios devem ser vistos com desconfiança criadora, onde não se deve ter medo de ousar, onde pouco espaço sobra para revelações divinatórias (quem sabe demiúrgicas) solitárias, onde o discurso de autoridade ensimesmada costuma ter pernas curtas.

Olhos e ouvidos atentos, ao sorvermos o livro de Janna Levin podemos ter oportunidades de sobra para interpretarmos a ciência de forma mais alvissareira, mais realista, mais compatível com a grandiosidade e a estupenda importância desse fantástico empreendimento humano.

Luiz Teixeira do Vale Pereira | Nepet | EMC | CTC | UFSC


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