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Ler, sempre, de preferência nas mais diversas áreas de conhecimento, indubitavelmente é um potente "combustível" para o nosso aprimoramento intelectual. Eis a razão desta seção de publicação de resenhas sobre livros. Ela não deve ficar a cargo apenas dos componentes do Nepet. Ao contrário, deve ser um fórum onde todos possam nos brindar com as mais variadas contribuições através de relatos e informações que emprestem à leitura um forte componente para alimentar as reflexões na educação tecnológica.

(As resenhas são feitas a partir do original que foi lido.)


A ELITE DO ATRASO: DA ESCRAVIDÃO À LAVA JATO Jessé Souza | Rio de Janeiro: Leya, 2017, 243 p.

A ELITE DO ATRASO: DA ESCRAVIDÃO À LAVA JATO
Jessé Souza | Rio de Janeiro: Leya, 2017, 243 p.

Seguimos com as resenhas decorrentes dos seminários apresentados na disciplina “CTS, questões contemporâneas” do PPGECT da UFSC, realizados no semestre 2018.1. Desta vez são as alunas Alayde Ferreira dos Santos e Simoni Urnau Bonfiglio, sob a supervisão do professor, que nos brindam com a resenha deste livro que trata com profundidade do processo civilizatório contemporâneo no Brasil de hoje.

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Em “A elite do atraso: da escravidão à lava jato”, Jessé Souza se volta às origens das classes sociais do Brasil e apresenta como quem detém o poder perpetua a dominação dos mais fracos. Para ele, é na escravidão que está a raiz da desigualdade social e racial do Brasil e não na herança de um Estado Corrupto. “O conflito entre as classes também é distorcido e tornado irreconhecível, sendo substituído por um falso conflito entre Estado corrupto e patrimonial e mercado virtuoso” (SOUZA, 2017, p. 11). Trata-se de um livro “pensado para ser uma leitura historicamente formada da conjuntura recente brasileira” (p.7).

Formado em Direito pela Universidade de Brasília e doutor em Sociologia, esteve à frente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2015-2016. Atua em pesquisas na área da desigualdade econômica, centralizando suas discussões sobre os temas da “desigualdade social” e uma “nova classe média”. Essas discussões estão presentes, não apenas nesse livro, mas em obras anteriores como A radiografia do golpe (2016), A tolice da inteligência brasileira (2015) e várias outras em que se debruçou a discutir esses temas, apresentando a verdadeira identidade sobre a sociedade brasileira que aí está.

Assim, Souza (2017) ressalta que a crise brasileira é antes de tudo uma crise de ideias, fruto de forças que aparentemente parecem invisíveis e que alicerçam esta elite do atraso que vivemos atualmente. No livro, chama atenção para a obra de Sergio Buarque de Holanda, um clássico publicado em 1936, em que destaca dois fatores que merecem ser analisados: o fato de Sergio Buarque ter construído uma narrativa como as das religiões que não deixam lacunas quanto ao Brasil e sua história, e da criação de uma legitimação perfeita onde a dominação oligárquica e antipopulista aparenta uma crítica social.

Para Souza, a crise brasileira atual é uma oportunidade ímpar de se legitimar o que vem ocorrendo de forma natural, dando sentido a tudo que foi construído até então. Discute sobre a ‘escravidão’ que cria singularidade excludente, que é perversa e que se perpetua sem ser criticada. Apresenta e analisa essa sociedade no que diz respeito a como se constrói os processos de reprodução e poder social real, que está nas mãos dos intelectuais. Afinal, é o poder que define quem manda assim como quem obedece, quem recebe os privilégios, como quem é abandonado e/ou excluído. Pontua ser premente, para os ditos ‘intelectuais’, fazer com que o povo acredite que é intelectualmente inferior, e que se sintam inferiores também moralmente, o que os torna mais suscetíveis a serem dominados.

Souza cita também Norbert Elias e Freyre, que analisam a sociedade sob a perspectiva das relações intersubjetivas alicerçados pelas teorias Freudianas, na qual afirma que os sujeitos internalizam uma culpa moral, fruto das pressões e violências externas. Para ele, isso sustenta a disciplinaridade, fator indispensável para a obediência e disciplina tão desejada pelo externo (Estado).

Nas discussões sobre a classe média, que chama de “ralé brasileira” e/ou “classe condenada”, reflete sobre as classes sociais do Brasil moderno, a formação das favelas e o destino dos sujeitos marcados pelo abandono e pela desigualdade, fruto da modernização seletiva. Segundo ele, ao perder a posição social de trabalho, os negros e os pobres em geral, perdem qualquer possibilidade de classificação social. Passam a ocupar espaços compensadores e se tornam vítimas da covardia, da desqualificação e da desumanização. Frente a esses aspectos, os pobres e excluídos cumprem de certa forma o círculo de dominação, culpando-se por seu destino, sem se dar conta que isso é fruto de uma profecia há muito estabelecida e perpetuada até hoje por aqueles que tem interesse em manter uma classe ignorante e acultural.

Souza (2017) ao tratar da corrupção real e da corrupção dos tolos, propõe uma reflexão acerca do patrimonialismo, em que a relação de poder ocorre pela subordinação e obediências da população e por aquilo que é comunicado de forma distorcida pela mídia. Em sua visão, tanto a mídia quanto a lava jato, legitimam e preparam o terreno para nossa elite do atraso. Ressalta ainda, que o patrimonialismo esconde as bases de poder entre nós, ou seja, o interesse organizador do mercado que faz “o povo de tolo” e mantem “a dominação mais tosca e abusiva de um mercado desregulado completamente invisível” (p.209). Segundo ele, a servidão da classe média e a elite que a explora, usam dos meios simbólicos para manter a reprodução do poder continuamente, abolindo os cassetetes e usando a mídia como legitimação dos interesses de um movimento de convencimento real. Afinal, a população está fora do circuito da análise (leituras) e, portanto, da crítica.

Ao finalizar, o autor pergunta aos leitores se os mesmos conhecem outros que foram feitos de imbecis e tolos tais como nós, e responde que desconhece. Contudo, ressalta que a partir do momento que soubermos, podemos recuperar a inteligência roubada há muito tempo e neste movimento sermos capazes de parar de usar o “cartão da elite do atraso”.

Trata-se aqui de uma leitura, simples, agradável, histórica, coerente e profunda. Portanto, de suma importância por propositar possiblidades de análise quanto à nossa realidade social, política e, por conseguinte educacional.


NÃO BASTA DIZER NÃO Naomi Klein | Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017, 292 p.

NÃO BASTA DIZER NÃO
Naomi Klein | Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017, 292 p.

Seguimos com as resenhas decorrentes dos seminários apresentados na disciplina “CTS, questões contemporâneas” do PPGECT da UFSC, realizados no semestre 2018.1. Desta vez é a aluna Patrícia Verbanek Bastos, sob a supervisão do professor, que nos brinda com a resenha deste livro que trata com profundidade do processo civilizatório contemporâneo. Neste livro em particular, também o Professor Nestor Roqueiro, membro do NEPET, nos oferece a sua leitura crítica dessa obra fundamental para os propósitos do Núcleo

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“Não Basta Dizer Não”, de Naomi Klein, jornalista formada na Universidade de Toronto - Canadá, colunista sindicalizada, documentarista e autora de best-sellers internacionais, traz um conjunto de fatos e informações interessantes relacionadas ao estilo de governo adotado pelo atual presidente dos Estados Unidos, Donald John Trump e como esse estilo pode impactar o planeta. Os temas de maior destaque no decorrer do livro tratam sobre a ascensão das supermarcas; público/privado; neoliberalismo; corporações; racismo e negação das mudanças climáticas. Alerta sobre choques que já estão acontecendo e que ainda estão por vir, como choques econômicos, de segurança, climáticos e industriais. A autora divide o livro em quatro partes: como chegamos até aqui; onde estamos agora; como as coisas podem piorar e; como as coisas podem melhorar.

Na primeira parte do livro, como chegamos até aqui, Klein discorre sobre como Donald Trump conseguiu chegar à presidência dos Estados Unidos. Um dos principais motivos é o tamanho do seu patrimônio. Seguindo a leitura, a autora trabalha na perspectiva da crítica às supermarcas, analisando suas práticas mercadológicas, trazendo dados sobre como é a realidade do funcionamento dessas fábricas, as condições desumanas em que vivem os trabalhadores responsáveis pelas confecções das mercadorias, o quanto o marketing influencia na compra dos produtos, e mostrando o real pensamento dos proprietários. Aborda sobre a venda da marca Trump para empresas de construção civil e ramo imobiliário ao redor do mundo. Através de todo esse estilo de vida, riqueza, fama, impunidade, Trump chegou à presidência dos Estados Unidos, seu show se expandiu até engolir o governo mais poderoso do mundo, o que se tornou uma coroação para sua marca.

Klein começa a segunda parte do livro – onde estamos agora - trazendo experiências pessoais a respeito do branqueamento dos corais causado pelo aumento da temperatura no planeta, com o objetivo de discutir acerca das mudanças climáticas, e alertando sobre como elas já estão acontecendo. Além da evidência acima, ela menciona as tempestades, secas, incêndios, elevação do nível do mar, clima ameno no Ártico e severo degelo, atribuindo tais fenômenos, e tantos outros, às emissões de dióxido de carbono. Faz menção à diversos alertas dados em razão das mudanças climáticas, destacando o acordo de Paris em 2015, além de apresentar outras pesquisas relacionadas ao tema. Muitos desses alertas fazem apelo para que as reservas de combustíveis fósseis novas e ainda não exploradas precisam permanecer no solo. Klein traz evidencias sobre as intenções do neoliberalismo a respeito da exploração dos combustíveis fósseis, já que esse projeto econômico despreza a esfera pública e qualquer outra coisa que não seja o funcionamento do mercado ou as decisões dos consumidores individuais. A autora argumenta também sobre o ódio contra imigrantes, muçulmanos, negros, mexicanos, mulheres, baseado em raça, gênero, renda, sexualidade, língua ou capacidade física.

Na parte três, Klein mostra como as coisas podem piorar: os choques ainda por vir. Menciona o Brasil, comentando sobre o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a instalação de um regime pró-empresarial, o congelamento dos gastos públicos pelos próximos vinte anos e sobre a onda de privatizações. O capitalismo sai lucrando com mudanças climáticas, desastres naturais, guerras e espionagem, prisões, e com a crise econômica. Klein traz à tona um assunto muito polêmico e apresenta evidências concretas de que o furacão Katrina foi um projeto, com isso, conseguiram a “limpeza das moradias populares”, construíram casas bem mais caras do que as que ali estavam e promoveram uma reforma educacional, com privatização da educação. Seguindo a leitura, a autora comenta sobre a fortaleza que alguns países da Europa, os Estados Unidos e a Austrália estão fazendo contra os imigrantes ilegais.

Na quarta e última parte do livro, Klein cria expectativas sobre como as coisas podem melhorar, dando exemplos de acontecimentos inspiradores. Como quando a Argentina disse não, e conseguiu a renúncia de seu presidente no ano de 2002, através de manifestos populares. Outro exemplo foi o caso da Espanha, quando houve um atentado terrorista no ano de 2004, em resposta à participação da Espanha na invasão do Iraque (liderada pelos EUA), os espanhóis foram ás ruas dizer não à guerra e ao terrorismo. Porém, a autora comenta que simplesmente dizer não às táticas de choque não é o suficiente para contê-las. Traz o exemplo de Standing Rock, na Dakota do Norte, um povoado indígena, nativo, que lutava contra a construção de um oleoduto para passagem de petróleo. Não conseguiram vencer, quem venceu foi Trump, o capitalismo, o racismo, a supremacia branca e os combustíveis fósseis. O oleoduto foi construído passando sob a fonte de água potável daquela comunidade. Segundo ensinamentos da anciã dessa comunidade, a água, a terra e o ar sustentam a todos nós e o mínimo que podemos fazer é protege-los quando eles estão ameaçados. Segundo Klein, é hora de dar um salto. Não podemos ficar lutando por migalhas quando todos sabemos que nosso momento histórico exige mudanças transformadoras. Precisamos de conhecimentos históricos, mudanças no sistema político e mudanças em nós mesmos, resistência, atos de solidariedade, demonstrações de unidade, um verdadeiro renascimento da humanidade, esse trabalho interno é crucial para transformação.

Por fim, na conclusão Naomi Klein apresenta o Leap Manifesto, um documento construído por líderes mundiais envolvidos em todas as questões mencionadas ao longo deste livro. Este documento traz ações que podem mudar o futuro do planeta, como: respeito aos indígenas, fontes energéticas duradouras e que não prejudiquem a Terra, pagamento de salários dignos, mudanças nos meios de transportes, agricultura local e ecológica, acolhimento e segurança para todos os povos, creches gratuitas e de qualidade e renda anual universal. Não Basta Dizer Não, um livro perturbador, que nos apresenta fatos que desconhecíamos, relacionados principalmente à maior economia do mundo, mas que impactam na vida de todos os habitantes do planeta, e, muitas vezes, podem impactar de maneira desastrosa e negativa. Porém, a autora nos ajuda a pensar sobre isso e refletir acerca mudanças extremamente necessárias em nosso estilo de vida que devem começar o mais rápido possível.

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A leitura do professor Nestor:

Ciência, tecnologia, sociedade são palavras soltas sem a amalgama da política, entendendo a política como a arte de resolver conflitos. Neste livro Naomi Klein nos brinda com uma análise muito profunda e atual das questões políticas que permeiam os temas de ciência e tecnologia. Ela apresenta uma visão clara dos efeitos de uma concepção particular de um modelo econômico, as ações políticas dos defensores deste modelo, e as consequências para o desenvolvimento de tecnologias de baixo impacto ambiental, de bem-estar social e de desequilíbrio socioeconômico no seio das sociedades modernas. A ciência e os cientistas estão sendo desacreditados sistematicamente em prol de uma concepção de mundo imediatista e egoísta, para benefício de alguns poucos à custa de perdas substanciais de qualidade de vida para muitos. A tecnologia a serviço do modelo econômico se contrapõe à tecnologia a serviço do desenvolvimento humano harmônico com o próprio planeta. Não basta dizer não às coisas que não queremos, precisamos dizer sim. Para tal precisamos dizer sim a propostas que devemos elaborar e que não estão prontas. Precisamos dizer sim a um modelo de convivência e sociedade inclusiva e equilibrada com o meio ambiente. E por isto precisamos revisar os valores que norteiam nossos atos, pensamentos e utopias. Os cientistas têm a grande responsabilidade de defender que as descobertas e as tecnologias que desenvolvemos estejam de acordo com a concepção de mundo em que queremos viver e que queremos para nossos filhos e netos. Não temos o direito de dizer que o nosso trabalho não tem viés ideológico, tudo o que fazemos contribui com algum modelo de economia, algum modelo de sociedade e principalmente com um conjunto de valores. Este livro nos faz refletir de nosso papel como educadores e pesquisadores. Não é possível mais nos omitirmos, estamos formando as futuras gerações que vão moldar a nossa sociedade. Um livro para tomar consciência dos nossos atos e omissões.


PARA ONDE NOS LEVA A TECNOLOGIA Kevin Kelly | Porto Alegre: Bookman, 2012, 383 p.

PARA ONDE NOS LEVA A TECNOLOGIA
Kevin Kelly | Porto Alegre: Bookman, 2012, 383 p.

Seguimos com as resenhas decorrentes dos seminários apresentados na disciplina “CTS, questões contemporâneas” do PPGECT da UFSC. Desta vez são os alunos Camila Munarini e Tierre Anchieta, sob a supervisão do professor, que nos brindam com a resenha deste livro que trata com profundidade do processo civilizatório contemporâneo.

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O autor do livro Kelvin Kelly discorre de maneira otimista sobre o olhar da tecnologia, nos guiando, através de muitos exemplos, sobre o comportamento do técnio numa relação entre a vida e a tecnologia. Destacando a importância do progresso e do conhecimento como sendo o elemento intangível e imaterial da tecnologia. Para essa literatura, o autor divide o texto em quatro partes: origem; imperativos; escolhas e; direções.

Na primeira parte, o autor procura descrever a Origem da tecnologia, resgatando as influências da tecnologia na sua vida, reconhecendo que seu “relacionamento com a tecnologia está recheado de contradições.” (p. 12). Defendendo então que essas contradições permeiam a sociedade como um todo, com a vivência envolvida pelas tecnologias e o medo de ser dominado por ela. Essas questões levaram a pergunta central do texto: o que é a tecnologia e qual a sua essência?

Perpassando essas indagações o autor cunha o conceito do técnio, que expressa à totalidade da sua compreensão da tecnologia, que se sobressai do “objeto”, das “produções intelectuais”, que “inclui os impulsos geradores das nossas invenções”. Para ele, “o técnio acelera a invenção das tecnologias” (p. 19).

Para compreender a essência do técnio o autor mergulha nas origens do ser humano para buscar a relação mais íntima com o técnio. Nessa trajetória histórica é destacado o desenvolvimento dos Hominídeos até o Homo sapiens, analisando aspectos como a evolução biológica, sobrevivência, domínio, adaptação ao meio ambiente e o progresso tecnológico, enfatizando a importância da linguagem, enquanto o principal responsável pela transmissão do conhecimento e até mesmo da evolução.

O autor afirma que “a tecnologia não é apenas uma invenção humana; ela também nasceu na vida” (p. 47), transcendendo o ser humano, percebendo o técnio como algo que seria um sério reino, trançando a diferença entre os “nascidos” e os “fabricados”, que é atribuída ao fato de que as espécies tecnológicas nunca se extinguirem.

Ao transcender os reinos o técnio encontra o cosmos, o autor remonta a auto-organização do cosmo, numa distinção entre entropia, sendo esse o “desperdício”, o “caos”, a “desordem” e a exotropia “como uma força independente que dá origem a uma sequência contínua de existência improvável” (p.67);

Ao compreender os elementos do técnio presentes no ser humano, na natureza e no cosmo, como um aspecto transcendente, o autor expõe na segunda parte do livro os Imperativos no desenvolvimento tecnológico, que busca demonstrar o quanto o desenvolvimento tecnológico está vinculado ao melhoramento da vida.

Kelly propõe cinco defesas do progresso: 1) o progresso como um aprofundamento no que se refere a leis, moral e ética, enquanto busca da ordem social; 2) promoção de mudanças culturais especialmente no quesito de ter um mundo aberto de possibilidades e conhecimento; 3) o aumento da tecnologia gera barateamento das mercadorias, bem como melhoramento de sua qualidade; 4) o trabalho braçal substituído por máquinas, problemas de saúde resolvidos com medicamentos, e o aumento da oferta da educação elevam a prosperidade e a longevidade e; 5) a urbanização e a busca por liberdade, que levam a uma concentração de “mentes” nos grandes centros, otimizando a produção, disseminação e consumo da tecnologia.

Segue analisando a vida da teoria da evolução, compreendendo o tripé que permite a evolução: o aspecto adaptativo em que os “organismos que melhor se adaptam ao ambiente sobrevivem o suficiente para se reproduzirem” (p.119); o aspecto da contingência em que o acaso, no processo histórico, leva uma espécie a adquirir características que antes não tinha e; o aspecto a inevitabilidade estrutural que através da força interna da “auto-organização emergente que surge em sistemas com o nível de complexidade da vida evolutiva” (p.121).

Seguindo a leitura, o autor trabalha com as questões inatas do técnio, expressando a noção de convergência, onde expõe que casos comuns de descobertas simultâneas revelam que no processo evolutivo a elementos que convergem para que tal tecnologia seja de fato produzida, exemplificando com a história da descoberta da lâmpada.

Sugere ainda que devemos ouvir a tecnologia, a exemplo da Lei de Moore que prevê a compactação da energia, a produção de chips cada vez menor, leve e baratos. Esse processo impulsiona a aceleração da tecnologia e a inevitabilidade do técnio mostrando que está sujeito a direcionalidade.

A terceira parte do livro escolhas pontua elementos que expõe as contradições e nossas escolhas frente à tecnologia. Primeiramente, faz um estudo e alguns contrapontos das ideias de Ted Kaczynski (Unabomber) expostas em seu manifesto “Sociedade industrial e o seu futuro”. Kelly concorda com pontos importantes como, por exemplo, que “a tecnologia destrói a natureza, fortalecendo-se ainda mais” (p.193), mas, discorda com “a liberdade e o progresso tecnológico são incompatíveis” (p.192). Pois acredita que as pessoas buscam a tecnologia por compreender que essa traz mais liberdade, por isso a ocupação dos grandes centros urbanos.

Ainda se referindo a escolhas expõe a vida dos amish e como essas comunidades se apropriam da tecnologia. Destaca que no processo de escolha da tecnologia os amish são “seletivos”, “têm critérios que usam para fazer as escolhas” (p. 217). O mais impressionante nesse aspecto é a facilidade que os amish têm de abandonar a tecnologia caso essa atrapalhe suas liberdades. Acaba por lançar uma pergunta: “nesse mundo plural teria como haver o abandono de alguma tecnologia? Estamos preparados para as escolhas e o abandono dela?”

Com o objetivo de expor as contradições que existem nas inovações tecnológicas ele trata de convivencialidade, enfatizando que apesar das proibições que existem para a produção tecnológica elas são apenas temporárias e que no lugar dessas proibições o próprio processo de evolução tecnológica deve superar suas deficiências e aprofundar seu melhoramento.

Na quarta e última parte, a mais longa de toda obra, denominada de direções apontará o direcionamento da tecnologia e o que ela quer. O autor expõe doze tendências do técnio que, seus desejos e compará-los com os próprios desejos da vida. São eles: 1) mais eficiência; 2) mais oportunidade; 3) mais emergência; 4) mais complexidade; 5) mais especialização; 6) mais diversidade; 7) mais ubiqüidade; 8) mais liberdade; 9) mais mutualismo; 10) mais beleza; 11) mais senciência; 12) mais evolutibilidade. Todas essas tendências funcionam de formas indissociáveis, para Kelly “esses desejos são como uma orientação no meio a inevitabilidade”.

Por fim o autor ao comparar o técnio à vida define como um jogo em que a perpetuação é o seu objetivo principal. Através disso, afirma que o técnio traz possibilidades gerando mais oportunidade, diversidade, movimento ampliando a beleza e o pensamento. Isso porque “a evolução, a vida, a mente e o técnio são jogos infinitos. Os jogos infinitos não têm limite.” (p.335).

Para onde nos leva a tecnologia, é um livro que nos movimenta, nos perturba e ao se colocar no caminho da descoberta do que é a tecnologia, nos faz pensar quem somos nesse mundo tecnológico. Durante esses caminhos vivenciados nessas 383 páginas muitos questionamentos nos fizemos, concordando e discordando do autor, além de compreender muitas outras questões presentes na nossa sociedade que estão intimamente conectadas ao desenvolvimento do técnio. Essa viagem no comportamento do técnio nos permite vislumbrar um mundo de caos e de auto-organização, que permeia nossa vida.


A REINVENÇÃO DO MUNDO: UM ADEUS AO SÉCULO XX Jean-Claud Guillebaud | Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, 377 p.

A REINVENÇÃO DO MUNDO: UM ADEUS AO SÉCULO XX
Jean-Claud Guillebaud | Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, 377 p.

Seguimos com as resenhas decorrentes dos seminários apresentados na disciplina “CTS, questões contemporâneas” do PPGECT da UFSC. Desta vez são os alunos Rafael Sales Lisboa de Oliveira e Reginaldo Manoel Teixeira, sob a supervisão do professor, que nos brindam com a resenha deste livro que trata com profundidade do processo civilizatório contemporâneo.

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Neste livro, Jean-Claude Guillebaud nos convida a refletir sobre os valores fundamentais que ajudaram a formar nossa sociedade contemporânea e que, nos dias atuais, estão em declínio. Toda a sua reflexão está imbricada em conceitos, tais como ética, valores, moral e igualdade que corroboram para o futuro da civilização. Ele nos leva a pensar em “refundação”, a fim de buscar alternativas para a crise que assola a sociedade atual. O livro foi lançado em 2003, mas sua reflexão sobre o processo civilizatório é totalmente atual e nos permite, com exemplos históricos, a compreensão dos problemas sociais que nossa sociedade ocidental vem experimentando. Acreditamos que seja uma ótima leitura para quem deseja entender mais profundamente as bases históricas para os valores de nossa civilização.

O livro está estruturado em quatro seções, intituladas: Questões preliminares – você disse “refundação”? Primeira parte – Um adeus ao século; Segunda parte – O testamento ocidental e, por fim, Terceira parte – o encontro com o mundo. Todas refletindo sobre os desafios de reinventar (refundar) a sociedade atual, que é temática central do livro.

Para que o leitor possa entender as reflexões pretendidas no texto, o autor começa discorrendo sobre cinco questões preliminares e, em nosso entendimento, primordiais para refletir sobre as seções que o livro nos apresenta a seguir. Essas questões são: (a) “Devemos falar de moral?”, onde aborda a questão da moral e da ética como valores coletivos e individuais; (b) “Como escapar da nostalgia?”, em que reflete sobre como a modernidade mudou nossas vidas com suas vantagens e desvantagens; (c) “O direito não é suficiente?”, quando discorre sobre o papel das leis e documentos oficiais na construção da sociedade atual; (d) “É ainda possível pensar em totalidade?”, abordando a questão dos parcelamentos e especificidades que o conhecimento humano apresenta atualmente e (e) “Como recusar a disputa?”, refletindo sobre a questão da origem e demarcação da modernidade ocidental.

A seção denominada “Primeira parte” é composta por dois capítulos, onde o autor busca abordar alguns acontecimentos ocorridos no século XX que contribuíram para a consolidação dos fundamentos da sociedade moderna ocidental. Questões como individualidade, coletividade, capitalismo, socialismo, comunismos, democracia, neoliberalismo, mercado, direita e esquerda são exemplos de temas abordados e que nos levam a refletir sobre o sistema atual. De forma magistral, Jean-Claude Guillebaud, faz as ligações entre fatos históricos e a ascensão ou declínio dos temas citados acima, suas contradições e suas relações com a crise civilizatória que enfrentamos hoje. Neste sentido, entendemos que existe uma intenção para a mudança dos valores que fundamentaram nossa sociedade para os valores que o mercado nos impõe. Podemos constatar essa ideia com o extrato do texto a seguir:

“De um episódio a outro, de um massacre a outro, de uma loucura a outra foram sendo progressivamente desativados – para usar uma terminologia vinda da informática – princípios, convicções ou esperanças que organizavam nossa maneira de viver a história desde o iluminismo, ou mesmo de muito mais tempo”. (p.24)

Na seção denominada “Segunda parte”, temos seis capítulos dedicados a reflexões sobre os fundamentos que serviram de base para consolidar um projeto humanista para a civilização, mas que foram abalados no século XX. Cada um dos seis capítulos discorre sobre um dos seis fundamentos que, segundo o livro, são:

a) o tempo como ideia de progresso - o autor reflete sobre o profetismo judaico que nos deu a noção de tempo no sentido de progresso e esperança no futuro e como esse fundamento foi alterado pela lógica do mercado e do capitalismo; b) o conceito de indivíduo e de igualdade – nessa seção, o texto aborda o fundamento da igualdade levantada pelo cristianismo e como ela foi banida por um projeto de desigualdade do mercado; c) A ideia da razão crítica – Guillebaud considera os gregos criadores da razão critica e emancipatória como princípio de liberdade e democracia. Reflete, ainda, sobre o status conseguido pela ciência e sua relação com a modernidade; d) o confronto entre o global e o universal – essa reflexão nos apresenta as relações entre a globalização, o individualismo e entre o mercado, o global e o universal; e) A consciência do “eu” e sua relação com o “nós” – essa seção reflete sobre as contradições que a modernidade impõe sobre cada um de nós no que diz respeito aos pensamentos individuais, sociais e de grupo e, finalmente, f) o conceito de justiça e dignidade humana – o autor nos faz pensar sobre a justiça social e o conceito de justiça do mercado com o objetivo de naturalizar o conceito como algo individual; temos que buscar culpados.

A Terceira parte é reservada à explicação dos motivos pelos quais os itens já mencionados anteriormente constituem uma “rede” imbricada que potencializa a crise de fundamentos que o autor destaca. Em especial, Guillebaud direciona esforços para justificar que esses itens, chamados por ele de perigos:

“estão evidentemente imbricados um no outro [...] e eles validam ou se reduplicam mutuamente.Seja qual for o valor fundamental que venhamos a escolher para examinar primeiro, de imediato, à fragilidade de todos os demais” (p.291).

Guillebaud inicia a análise destacando como característica da atual situação o imediatismo. Para o autor, essa busca pelo imediato tem como consequência o abandono de valores e projetos futuros essenciais para a constituição do ser humano como um todo. Para ele esse cenário é constituído com grande influência da ideologia neoliberal que coloca como centro do sistema o mercado, e a ele fica condicionada a “resolução” dos eventuais problemas da sociedade, cabendo à sociedade a condição de refém da sociedade. Por coseguinte, a influência neoliberal abala um dos conceitos fundamentais de nossa sociedade: a igualdade. Se por um lado se prega a igualdade entre os povos, na prática não é o que acontece.

Nesse contexto, o autor detalha os motivos que apontam a globalização como uma estrutura que serviria para aproximar os povos, porém se configura como um projeto essencialmente desigual e com sérias implicações negativas. Aqui o autor reintera e justifica a ideia de que o conceito de globalização é antagônico ao conceito de universal, visto que não são respeitadas as diferenças que contribuem para a constituição da sociedade como um todo. Ante o exposto chega-se a deturpação do conceito de razão originalmente concebido pelos gregos. Guillebaud chama atenção para a utilização da racionalidade de forma instrumental, com vistas a justificar ações que visam à destruição da natureza ou desvalorização do ser humano. Mais uma vez se percebe a imbricação dos “perigos” que o autor se referia.

Além disso, também é destacado no texto que o que se entende por democracia e justiça não segue seus conceitos originais. Do ponto de vista da democracia, o autor coloca que muito embora o povo tenha o poder de selecionar seus representantes por meio de voto, as grandes e importantes decisões não cabem à sociedade como um todo e sim a grupos específicos. Em relação à justiça cabe a seguintes provocações: Será que a justiça é igual para todos? Qual a lógica desse sistema que cada vez mais pune os desfavorecidos?

Por fim, apesar de não apontar uma solução para essa crise de fundamentos, Guillebaud indica o diálogo como a melhor saída para a reinvenção dos valores que constituem a base dos fundamentos civilizatórios da humanidade. Dessa forma será possível respeitar, conviver, aprender e tolerar as inúmeras diferenças entre as diferentes culturas e tradições bem como os processos sociais desse cenário.


HOMO DEUS: UMA BREVE HISTÓRIA DO AMANHÃ Yuval Noah Arari | São Paulo: Companhia das Letras, 2016, 443 p.

HOMO DEUS: UMA BREVE HISTÓRIA DO AMANHÃ
Yuval Noah Arari | São Paulo: Companhia das Letras, 2016, 443 p.

Seguimos com as resenhas decorrentes dos seminários apresentados na disciplina “CTS, questões contemporâneas” do PPGECT da UFSC. Desta vez são as alunas Anne Carolina R. Klaar e Letícia Jorge, sob a supervisão do professor, que nos brindam com a resenha deste livro que deveria ser de leitura obrigatória para todos que se preocupam com o meio ambiente e com a tal “sustentabilidade” tão decantada hoje em dia. Nesta mesma seção da página do NEPET esta resenha já foi elaborada. É interessante dar uma olhada para ver as diferentes visões daqueles que estão querendo motivar a leitura deste livro imperdível.

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Harari, jovem historiador e escritor israelense, busca em “Homo Deus: Uma breve História do Amanhã” trazer uma narrativa que retoma os principais avanços que a humanidade atingiu até o início do século XXI e as novas questões que seriam pauta para as próximas décadas.

Segundo o autor, Fome, Peste e Guerras estariam sendo erradicadas do planeta, apesar de ainda existirem em inúmeras regiões. Estes fenômenos, atualmente foram transformados de forças incompreensíveis e incontroláveis da natureza em desafios que podem ser enfrentados devido aos enormes avanços científicos e tecnológicos que o Homo sapiens atingiu.

O livro é dividido em 11 seções, sendo a primeira um resumo/apresentação do que é detalhadamente descrito nas páginas seguintes. Os cenários distópicos e utópicos fazem o leitor por momentos mergulhar em um possível futuro extremamente caótico, onde literalmente a “raça humana” seria extinta e substituída/fundida gradualmente a seres não orgânicos. Este aspecto pode ser observado na escolha da arte da capa, uma digital em desfragmentação, fazendo alusão a esta possibilidade. A ideia central é de que os homens tendem, neste milênio, a buscarem incessantemente a `Imortalidade, a Felicidade eterna e a Divindade´, modificando, por fim, a sua própria espécie de `sapiens´ a `deus´. O embate filosófico entre o sistema de crenças (religiões) e a ciência aparece em todo livro, com destaque no capítulo “O estranho casal” em que Harari considera que esta aliança tende a sair das discussões e embates acirrados, para uma possível “reconciliação matrimonial”, no intuito de auxiliar a humanidade em sua própria sobrevivência:

Na verdade, nem a Ciência nem a religião se importam muito com a verdade, daí a facilidade com que podem entrar em acordo, coexistir e até mesmo cooperar. A religião está interessada acima de tudo na ordem. Tem como objetivo criar e manter uma estrutura social. A ciência [...] no poder. Por meio da pesquisa, tem como objetivo adquirir o poder de curar doenças, fazer guerras e produzir alimento. Como indivíduos, cientistas e sacerdotes podem atribuir imensa importância à verdade, mas, como instituições coletivas, a ciência e a religião preferem respectivamente ordem e poder acima da verdade. Por isso eles são bons companheiros. A busca inabalável da verdade é uma jornada espiritual, que raramente pode ficar confinada aos estamentos religiosos ou científicos. (p.205)

Durante toda a leitura, o autor tende a assumir uma postura de neutralidade, por ora parece pender as ideias mais céticas e em outras para uma visão mais holística da própria existência humana na Terra. Contudo, sua trajetória espiritual fortemente o influenciou e isto é denotado em sua dedicatória inicial para um mestre em meditação Vipassana, a qual já pratica há 15 anos. Segundo ele, a partir das suas próprias experiências sensitivas proporcionadas por, diariamente praticar 3 horas de silêncio, ele conseguiu se desligar dessa realidade e atingir estados mentais de maior tranquilidade e paz. O que proporciona, em sua análise, o foco necessário para compreender de forma mais verídica a enorme quantidade de dados, aos quais somos “expostos” diariamente. O convite é de que cada um tire suas próprias conclusões e busque a sua verdade, acima de qualquer visão preconceituosa, sobre ambos os paradigmas.

Argumenta que vivemos em um mundo onde contar histórias fictícias sempre foi um aspecto presente nas diversas culturas. Para ele, conhecê-las é um primeiro passo para modificar nossas estruturas atuais. Contudo, ele adverte a crescente perda de sensibilidade que estamos vivenciando. O excesso de recursos tecnológicos e o poder que damos a eles é um alerta, para nos questionar: Estamos realmente vivendo algo real ou apenas somos moldados por essas inúmeras influências que ditam nossas vidas? Para buscar esse conhecimento, o autor considera uma nova fórmula para atingi-lo que seria a ligação entre experiência e sensibilidade. Sobre esses dois pontos, ele pondera que a primeira é o conjunto de sensações, emoções e pensamentos e que a partir do cuidado atencioso em observá-las e se permitir a senti-las, essa influência sobre o próprio ser irá aos poucos modificando nossas visões de mundo, muitas vezes tendenciosas e com pré-julgamentos. Ambas se incrementam em um ciclo interminável e associado, sendo que se permitir a novas experiências e exercitar nossa sensibilidade de modo prático, pode auxiliar no seu amadurecimento e consolidação.

Ao mencionar o humanismo e a sua forma de dar significado ao mundo, é evidenciada a ruptura de paradigma em que o homem buscou voltar seu olhar para si próprio:

Quando a fonte do significado e autoridade foi realocada do céu para os sentimentos humanos, toda a natureza do cosmo mudou. O universo exterior – até então enxameado de deuses, musas, fadas e demônios lendários – tornou-se um espaço vazio. O mundo interior – até então um enclave insignificante de experiências grosseiras – tornou-se profundo e rico além de qualquer medida. Céu e inferno também deixaram de ser lugares reais acima das nuvens e abaixo dos vulcões e passaram a ser interpretados como estados mentais interiores. Você experimenta o inferno cada vez que incendeia os fogos da raiva e do ódio em seu coração e curte a felicidade celestial quando perdoa seus inimigos, se arrepende dos próprios malfeitos e partilha sua riqueza com os pobres. (p.239)

Sobre Deus e sua existência, esta possibilidade é colocada como uma opção singular de cada pessoa em acreditar ou não. Na realidade, segundo o autor, a fonte final de autoridade são os nossos sentimentos e ao dizer que se acredita ou não em um “pai celestial onipresente”, o que se tem verdadeiramente é uma crença muito forte na chamada voz interior, reflexo da experiência e sensibilidade de cada um.

Finalizando sua obra, é apresentada a parte III “O Homo sapiens perde o controle”, a partir desse ponto é ponderado, que muitas das afirmações são meras possibilidades de cenários futuros, que podem de fato assumirem trajetórias bastante distintas. Apresenta como a biotecnologia e a inteligência artificial estariam ameaçando a nossa própria identidade como espécie, estaríamos “sentenciados” a um mundo, onde a realidade deixaria de existir como a conhecemos hoje. Ao fazermos concessões aos gigantes do ramo da internet, estamos pouco a pouco concedendo nossas escolhas e perdendo o nosso falso “livre arbítrio” em um ritmo acelerado. A consequência desse processo é a formação de pessoas cada vez mais perdidas e que não possuem mais um sentido existencial, o que se reflete no aumento dos casos de suicídio, muitas vezes advindos do chamado “mal do século”, a depressão. Estaríamos perdendo nossa utilidade assim como inúmeras populações já são tratadas desta forma, a exemplo do continente africano onde a massa de pessoas é “mantida viva”, mas apenas com o intuito de exploração. O que garantirá nossa sobrevivência poderá ser o nível de consciência que temos sobre todo o processo que estamos imersos. Mas alerta, “Quando algoritmos desprovidos de mente forem capazes de ensinar, diagnosticar e projetar melhor do que os humanos o que sobrará para fazermos?” (p.321). Seria algo como é exibido na série “Black Mirror”, recomendação do autor, onde as pessoas seriam conectadas a uma rede global de modo que não haveria mais um controle de si mesmo, perderíamos nossa característica individual ao fornecermos o acesso a todos os nossos dados, “No século XXI, nossos dados pessoais são provavelmente o recurso mais valioso que ainda temos a oferecer, e os entregamos aos gigantes tecnológicos em troca de serviços de e-mail e de vídeos com gatos engraçadinhos.” (p.343). Na sequência, apresenta o corte definitivo aos ideais humanistas, com o chamado “Dataísmo”, que seria a única “religião” que não venera nem mais a deuses ou os próprios humanos, mas sim, as informações provenientes dos dados. Diante da densa e audaciosa obra, onde conceitos da política, religião, ciência, tecnologia e realidade social caminham de mãos dadas interconectados no processo de constituição nossa civilização, o autor consegue fazer ligações e considerações importantes para estimular a reflexão sobre quais os caminhos que realmente nossa sociedade gostaria de seguir. Assim, nesse “mar” de informações irrelevantes, não sabemos mais no que prestar atenção e ficamos debatendo questões ultrapassadas e secundárias. Por fim, deixa três questões-chave para nossa reflexão: 1.Será que os organismos são apenas algoritmos, e a vida apenas processamento de dados? 2. O que é mais valioso – a inteligência ou a consciência? 3. O que vai acontecer à sociedade, aos políticos e à vida cotidiana quando algoritmos não conscientes, mas altamente inteligentes nos conhecerem melhor do que nós nos conhecemos?


A GLOBALIZAÇÃO DA NATUREZA E A NATUREZA DA GLOBALIZAÇÃO Carlos Walter Porto-Gonçalves | Rio De Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, 461 p.

A GLOBALIZAÇÃO DA NATUREZA E A NATUREZA DA GLOBALIZAÇÃO
Carlos Walter Porto-Gonçalves | Rio De Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, 461 p.

Seguimos com as resenhas decorrentes dos seminários apresentados na disciplina “CTS, questões contemporâneas” do PPGECT da UFSC. Desta vez são as alunas Anne Carolina R. Klaar e Letícia Jorge, sob a supervisão do professor, que nos brindam com a resenha deste livro que deveria ser de leitura obrigatória para todos que se preocupam com o meio ambiente e com a tal “sustentabilidade” tão decantada hoje em dia. Nesta mesma seção da página do NEPET esta resenha já foi elaborada. É interessante dar uma olhada para ver as diferentes visões daqueles que estão querendo motivar a leitura deste livro imperdível.

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Carlos Walter Porto-Gonçalves é doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e atualmente é coordenador do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense. Porto-Gonçalves tem se destacado no cenário nacional e latino-americano, juntamente com o epistemólogo mexicano Enrique Leff e o antropólogo colombiano Arturo Escobar, como um dos principais nomes da ecologia política. Em suas obras o autor expõe de forma compreensível as questões ambientais que estão no centro da discussão de nossos tempos.

Neste livro o autor abordou a relação existente entre a globalização e a natureza, nos mostrando as sequelas que a desenfreada busca pelo desenvolvimento cientifico e tecnológico causou a mãe natureza, e consequentemente a nos mesmos. Outro ponto bem evidente no livro é a questão da busca da dominação dos países de norte em relação aos países do sul, principalmente, no âmbito econômico e social o que acaba trazendo a tona um desafio ambiental.

O autor coloca que estamos diante de questões de cunho ético, filosófico e político com relação a questão ambiental:

Que destinos dar à natureza, à nossa própria natureza de humanos? Qual o sentido da vida? Quais os limites da relação da humanidade com o planeta? O que fazer com o nosso antropocentrismo quando sabemos que, enquanto seres humanos, somos somente uma entre tantas espécies vivas de que nossas vidas dependem? (PORTO-GONÇALVES, 2012, p. 15).

Porém essas questões nos colocam na busca por soluções práticas para resolver os problemas ambientais, o que nos torna refém de um pensamento já estabelecido de que há uma solução técnica para tudo. Desse modo, o autor propõe nos mostrar o potencial emancipatório que está inscrito no contraditório campo ambiental.

A problemática ambiental está imbricada no campo das lutas sociais, onde a globalização neoliberal se faz presente, trazendo á tona uma devastação do planeta sem precedentes em toda a história da humanidade.

O autor ressalta que com os meios de comunicação tão presentes em nossas vidas, começaram a surgir soluções que adiam a crise ambiental, mais não a resolve de fato. Surgem apenas para isentar as próprias culpas deste capitalismo selvagem que atualmente vivemos, manipulando a população.

Neste livro podemos observar que a busca pela globalização está nos levando a beira de um colapso ambiental. Em sua maioria, as grandes indústrias não pensam nas consequências que a busca pelo lucro pode causar ao planeta, pensam apenas em como ganhar mais dinheiro.

Porto-Gonçalves traz à tona algumas reflexões acerca do que está acontecendo no nosso planeta atualmente, pois estamos esquecendo que o meio ambiente não é apenas o lugar onde se produz, mas também onde se mora, que a água é fluxo, movimento, circulação, portanto é com ela e por ela que flui a vida, e assim, o ser vivo não se relaciona com a água, ele é água.

Mas a lógica mercantil capitalista vem mudando o destino da água, assim como os seus destinatários. Fazendo com que a busca incessante pelo lucro nunca trouxe tantas desigualdades, produzimos tanto, desde alimentos a tecnologias, mas mesmo assim esses recursos não chegam para toda a população. A água é outro recurso que todos deveriam ter acesso, mas as grandes indústrias e os próprios governantes, que deveriam zelar pelo bem da sociedade, pensam em tirar vantagens privatizando-a.

O autor nos coloca que se não pensarmos e agirmos com a energia compatível à gravidade dos problemas que o capitalismo está submetendo a humanidade e o planeta, e buscarmos uma mudança nas estruturas de poder (e do saber) estamos fadados a novas guerras. Afinal, se a política que é a arte de definir os limites, como acreditavam os gregos, é principalmente do poder político o desafio ambiental de nosso tempo, pois à ideia de que há limites para a relação da humanidade, por meio da sociedade, para com o planeta é o grande desafio ambiental.

Os ensinamentos passados nestas 461 páginas nos fazem refletir como estamos promovendo as questões científicas e tecnológicas na sociedade contemporânea, principalmente nos, educadores, necessitamos buscar novas maneiras de ensinar, tendo em vista que tudo que fazemos gera uma consequência, seja para nos mesmo ou com o coletivo. Sendo assim, necessitamos formar cidadãos preocupados com o nosso bem maior, o planeta. Para que as gerações futuras, tenham uma nova relação com a natureza e que tenham novas relações sociais entre os seres humanos.

Como se vê, o desafio ambiental é mais complexo do que vem sendo debatido na mídia e até mesmo no campo científico. Precisamos entender que é a diversidade biológica e a cultural, na igualdade e nas diferenças, são os maiores matrimônios da humanidade. Necessita, também, de uma profunda reflexão de caráter filosófico para que possamos entender o nosso tempo e o sentido da vida.


A CIVILIZAÇÃO DO ESPETÁCULO: UMA RADIOGRAFIA DO NOSSO TEMPO E DA NOSSA CULTURA Mario Vargas Llosa | Rio De Janeiro: Objetiva, 2013, 207 p.

A CIVILIZAÇÃO DO ESPETÁCULO:
UMA RADIOGRAFIA DO NOSSO TEMPO E DA NOSSA CULTURA
Mario Vatgas Llosa | Rio De Janeiro: Objetiva, 2013, 207 p.

Seguimos com as resenhas decorrentes dos seminários apresentados na disciplina “CTS, questões contemporâneas” do PPGECT da UFSC. Desta vez são os alunos Claudia Almeida Fioresi e José de Pinho Alves Neto, sob a supervisão do professor, que nos brindam com a resenha deste livro que trata com profundidade do processo civilizatório contemporâneo

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‘A civilização do espetáculo uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura’ é um livro escrito por Mario Vargas Llosa. Jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário, Llosa é um dos escritores mais importantes da atualidade e seu principal objetivo no livro é discutir que em nossos dias as culturas já não possuem o mesmo sentido de antes.

A diferença essencial entre a cultura do passado e o entretenimento de hoje é que os produtos daquela pretendiam transcender o tempo presente, durar, continuar vivos nas gerações futuras, ao passo que os produtos deste são fabricados para serem consumidos no momento e desaparecer (LLOSA, 2013, p.27).

A noção de Cultura nunca foi fechada, sempre foi dinâmica e vinculada a algum elemento, entre eles a religião, a filosofia, as artes, a literatura e a ciência, com muitas regras, disciplina e rigor. A Cultura estabeleceu basicamente dois grupos sociais - os cultos e os incultos. Existia a Cultura “oficial e aristocrática”, que nascia e se conservava nas elites, nos palácios, igrejas e bibliotecas, e a “cultura popular”, menos refinada e superficial, originada nas ruas e nas tabernas. Esta “cultura popular” era o contraponto a “Cultura Oficial”. Atualmente a Cultura é definida como “a soma de crenças, conhecimentos, linguagens, costumes, indumentária, usos, sistemas de parentescos”, em resumo, tudo que um povo diz, faz, teme ou adora. Não existe mais “Cultura oficial” e “Cultura popular”, tudo é Cultura. Não existe mais o culto e ou inculto Todos são Cultos em alguma coisa. Cultos sem nunca terem lido um livro, nem visitado alguma exposição de pintura, nem assistido a um concerto, apenas adquirido algumas noções básicas dos conhecimentos humanísticos, científicos e tecnológicos do mundo em que vivemos. Uma total superficialidade. Acabamos com as diferenças entre a cultura das elites e a cultura do povo. Um remédio pior que a doença, pois não sabemos o que é cultura, onde tudo é cultura e nada é cultura.

NA Cultura pode e deve ser experimentação e reflexão, deve se aproximar da vida real. Mas a Civilização do Espetáculo está transformando a Cultura em um castelo de areia, vistoso, lindo, imponente, mas frágil, que se desmancha com a primeira ventania.

O sexo na civilização do espetáculo! O sexo saiu do universo privado dos casais para o mundo - deixou de valer o ditado - “o que acontece entre quatro paredes, fica entre quatro paredes. ” Sexo evoluiu de algo primitivo que servia somente para procriação e dominação, sem mistérios, sentimentos ou paixão. Na atualidade, a quebra de tabus, a liberdade sexual (muitas vezes na verdade uma libertinagem), pode parecer progresso, mas na verdade é um retrocesso que desnuda a liberdade e empobrece o sexo, rebaixando-o ao puramente instintivo e animal.

A educação sexual é atual e está sendo importante para tentar resolver muitos problemas que giram em torno de algo tão presente e ao mesmo tempo tão distante da humanidade - o sexo. Geralmente a educação sexual trata a prevenção às DST e a gravidez. A educação sexual é importante, principalmente por séculos de opressão e marginalização, principalmente para as mulheres. O movimento de discutir sexo teve pontos positivos, pois permitiu principalmente nas culturas mais conservadoras a quebra ou a reflexão sobre tabus como a virgindade, pílulas, homosexualismo e etc. Certas coisas relacionadas ao sexo não devem ser ensinadas, devem ser descobertas, pois a descoberta fortalece a sensualidade e o sentimento, elevando-o para a alma, além do corpo.

O erotismo tem a função positiva e enobrecedora de embelezar o prazer físico e instigar a criatividade e imaginação para satisfazer os seres humanos de seus desejos e fantasias, e também de purgar os fantasmas escondidos na irracionalidade que são de índole destrutiva e mortífera. O erotismo encontra na proibição um estímulo voluptuoso, como também um limite, com cuja violação ele se transforma em sofrimento e morre. O erotismo nas artes tem um sentimento de libertação, de uma transgressão às sujeições e servidões - religiosas, morais e políticas - mas com regras, com limites.

Com a banalização do sexo, o fim das convenções e dos rituais, o ato sexual volta a ser um exercício físico e com isto o fim do erotismo. O sexo sem sentimento, desprovido de sensibilidade deixa de ser erótico e passa ser pornográfico. Fazer amor em nossos dias, no mundo ocidental, está muito mais perto da pornografia que do erotismo e, paradoxalmente, isto resultou como deriva degrada e perversa da liberdade, ou seja, liberdade confundida com libertinagem. Transformar a vida sexual como algo comum equivalente a comer, dormir e trabalhar, fará com que perca seu mistério, paixão, fantasia e criatividade. Induzindo as futuras gerações a buscar o prazer em outros lugares, como nas drogas, no álcool e na violência. Fazer amor é permitir que o sexo, dentro dos formalismos e dos ritos, possa crescer e evoluir transcendendo o simples contato dos corpos.

Nesse sentido é que o autor percebe o economicismo como ‘cegueira’ da dimensão simbólica do capitalismo. Ele define o ‘economicismo’ como sendo a crença explícita ou implícita de que o comportamento humano em sociedade é explicado unicamente por estímulos econômicos.

Em sua reflexão sobre a relação entre cultura, política e poder o autor discute como a imprensa sensacionalista nasce corrompida por uma cultura que, em vez de rejeitar as grosseiras intromissões na vida privada das pessoas, as reivindica, agindo como passatempo. No sentido em que “farejar a imundície alheia, torna mais tolerável a jornada do funcionário pontual, do profissional entediado e da dona de casa cansada. A necedade passou a ser rainha e senhora da vida pós-moderna, e a política é uma de suas principais vítimas.” (LLOSA, 2013, p.124)

OE como está se comportando a Religião na Civilização do Espetáculo? De todas as grandes instituições mundiais, a única a sobreviver a todas as crises e guerras ao longo dos Séculos é a Igreja! Assim temos uma ideia da força e da influência que uma religião tem na vida dos seres humanos desde o início dos tempos. Karl Marx chamou a religião de “Ópio do Povo”, droga que anestesia o espírito rebelde dos trabalhadores e possibilita que seus senhores vivam tranquilos a explorá-los. Ela alimenta o que as populações mais desassistidas têm de sobra, a esperança. “A força da religião é tanto maior quanto maior for a ignorância de uma comunidade”(p.149).

AO homem precisa acreditar em algo, ele não admite que sua existência se encerra em sua morte. É algo que está além do progresso científico, cultural ou social. É um dos mistérios da essência do ser humano e que provavelmente nunca será efetivamente explicada, pelo menos cientificamente.

A secularização separou a Igreja do governo temporal, cabendo à Igreja cuidar do espiritual, e isto permitiu a desenvolvimento da democracia, sistema que significa coexistência na diversidade, pluralismo cívico e religioso, as leis que podem não só coincidir com a filosofia e a moral cristãs como também podem discordar delas radicalmente. Significa liberdade irrestrita para que os cidadãos exerçam sua fé sem o menor tropeço, desde que respeitem as leis do Estado. A religião é importante para a sociedade, mas ela não deve intervir no que é de competência do Estado, ou seja, o Estado deve ser laico.

A religião é a fonte maior dos princípios morais e cívicos que sustentam a cultura democrática. Na Civilização do Espetáculo, onde a religião em muitos casos passa ser superficial e frívola, o resultado é prejudicial para a manutenção da cultura democrática. A fragilização da cultura democrática é mais visível na economia. A Igreja Católica e o Capitalismo nunca se deram bem. Tudo que o Catolicismo tentava evitar, as diferenças sociais, egoísmo, individualismo, afastamento da vida espiritual e religiosa, o capitalismo evidenciava. O capitalismo provoca uma confusão entre preço e valor. A falta de clareza na distinção destes dois conceitos, principalmente o do valor, que a curto ou longo prazo, leva à degradação da cultura e do espírito, características da Civilização do Espetáculo.

Como uma reflexão final o autor nos coloca o seguinte questionamento: “Por que a cultura dentro da qual nos movemos foi se banalizando até se transformar, em muitos casos, num pálido arremedo do que nossos pais e avós entendiam por essa palavra?”

É de suma importância refletir sobre todas essas questões apresentadas pelo autor, relacionando as mesmas com as questões contemporâneas. Vivemos atualmente em uma época rica em conhecimentos científicos e inovações tecnológicas, mas talvez nunca tenhamos tão passivos e ‘desinformados’ diante de várias questões básicas, transformamos aos poucos a cultura em algo muito superficial.

Não podemos deixar de mencionar e refletir é claro o papel da tecnologia em nossas vidas. “Deixar por conta dos computadores a solução de todos os problemas cognitivos reduz “a capacidade do cérebro de construir estruturas estáveis de conhecimentos. Em outras palavras: quanto mais inteligente nosso computador, mais burros seremos”. (LLOSA, 2013, p.193).


A TOLICE DA INTELIGÊNCIA BRASILEIRA: OU COMO O PAÍS SE DEIXA MANIPULAR PELA ELITE Jessé Souza | São Paulo: LeYa, 2015, 272 p.

A TOLICE DA INTELIGÊNCIA BRASILEIRA:
OU COMO O PAÍS SE DEIXA MANIPULAR PELA ELITE
Jessé Souza | São Paulo: LeYa, 2015, 272 p.

Seguimos com as resenhas decorrentes dos seminários apresentados na disciplina “CTS, questões contemporâneas” do PPGECT da UFSC. Desta vez são os alunos André Gobbo e Stefane Layana Gaffuri, sob a supervisão do professor, que nos brindam com a resenha deste livro que, por certo, vai proporcionar uma excelente leitura para aqueles que pensam numa educação mais crítica, reflexiva e, acima de tudo, realmente libertadora.

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Nesse livro o autor defende a tese de que somos vítimas de uma ‘violência simbólica’ vez que as instituições que controlam os interesses de uma minoria (imprensa, partidos políticos, universidades, etc.) são as que selecionam e distorcem o que os olhos veem ao mesmo tempo em que se esforçam para esconder o que não deve ser visto pela população e, por meio dessa manipulação dos dados, o privilégio passa a ser legitimado e até mesmo aceito por aqueles que são excluídos de todos os privilégios.

SAo constatar de que atualmente, no Brasil, 1% dos mais ricos se sustenta com o trabalho dos 99% restantes, Jessé Souza denuncia que a ‘violência simbólica’ só é possível pelo sequestro da inteligência brasileira o que faz com as classes sejam feitas de ‘tolas’ para que, injustamente, se reproduza e se eternize os privilégios dos mais ricos. Para isso, intelectuais e especialistas distorcem o mundo a serviço dos poucos que controlam tudo e a ciência social conservadora operante contribui para manter essa realidade de legitimação da dominação social vez que no mundo moderno o trabalho dos intelectuais é produzir “convencimento”.

Frente a esse cenário o autor coloca que a “inteligência brasileira” – marcada pelo extremo empobrecimento do debate político nacional – está alicerçada por dois pilares: o culturalismo conservador e o economicismo. Pelo ‘culturalismo conservador’ o Estado passa a ser demonizado enquanto que o mercado é tido como virtuoso; já o ‘economicismo’ produz a fragmentação do conhecimento ao focar em uma leitura superficial e simplificadora da realidade em que estamos inseridos.

Nesse sentido, afirma ele, para que possamos enxergar claramente o nosso lugar no mundo, precisamos compreender como que a elite intelectual, submissa à elite do dinheiro, construiu uma imagem distorcida do Brasil de modo que possa disfarçar todos os privilégios injustos. É aí então que trata sobre a ‘falsa ciência’ que se utiliza do prestígio científico de Max Weber – o qual originou a forma predominante como o Ocidente moderno se autointerpreta e se legitima – para afirmar a visão distorcida, conformista e superficial da realidade. Utilizam a visão de Weber para conferir ‘prestígio científico’ a uma visão de mundo atrelada a interesses particulares que mascaram com a universidade e a neutralidade, apanágio do prestígio científico.

Além disso, denuncia a visível aproximação entre ‘racismo’ e ‘ciência’ vez que essa sempre apresenta e defende a superioridade de certo ‘estoque cultural’ das sociedades do Atlântico Norte como fundamento da ‘superioridade’ dessas sociedades sobre as demais. Esse racismo velado do ‘culturalismo científico’ influi em dimensões cognitivas e morais, sendo que os países do Norte são vistos como mais racionais e superiores; em contrapartida, os do Sul são apresentados como mais afetivos, passionais e, consequentemente, corruptos e indignos de confiança. A dominação desses ideais faz que com ideias prevaleçam e influenciem o modo de percebermos a sociedade mundial: superioridade norte-americana em relação a todas as outras sociedades; Estados Unidos como modelo absoluto e exemplo acabado de perfeição; legitimação científica da dominação fática dos Estados Unidos.

Adiante Jessé Souza também percebe o liberalismo como racismo de classe em que as classes altas são percebidas como “bastião da moralidade nacional”. A tese do patrimonialismo também serve para ocupar um tipo de capitalismo selvagem e voraz em que o 70% do PIB nacional está concentrado nas mãos de banqueiros e industriais e os outros 30% é distribuído entre a massa salarial. O culpado dessa situação é pessoalizado e materializado no Estado. Conforme o autor, o golpe de mestres dessa tese é o ‘ganho afetivo’ conseguido ao tornar a sociedade tão virtuosa quanto o mercado. O que interessa ao patrimonialismo e aos seus defensores é justamente dramatizar a falsa oposição entre mercado divino e Estado diabólico como forma de ocultar as reais distorções de uma sociedade tão desigual.

Esse ‘racismo culturalista’ é a ordem do dia do mundo prático das finanças e da política internacional sendo que uma das justificativas mais importantes da alta taxa de juros brasileira é a suposta inconfiabilidade dos brasileiros de honrar seus compromissos e com isso, toda a população paga um preço alto pela má fama construída e legitimada com recursos pseudocientíficos. Da mesma forma, a dominação interna das classes tidas como ‘mais cultas’ (partidos políticos, justiça, universidades e mídias) sobre as ‘populares’ faz com que se consolide a imagem do Brasil como uma terra do sexo, do afeto e da emoção; terra da corrupção, do patrimonialismo e das relações pessoais. Em contraponto, está a imagem dos Estados Unidos e da Europa, como terra do cálculo, da racionalidade, da confiança e da moralidade distanciada das emoções.

Porém, segundo Jessé Souza, o culturalismo liberal/conservador não é o único inimigo para uma compreensão alternativa e crítica da sociedade brasileira contemporânea. Para ele, em uma sociedade que confunde ‘reflexão com informação’ e onde se imagina que “os dados falam por si” existe uma forma de distorção da realidade que não remete necessariamente ao racismo latente da teoria dos ‘estoques culturais’ herdados e que nunca mudam. A cegueira acerca dos componentes simbólicos da vida social também ocorre quando se imagina que todo comportamento humano pode ser reduzido a estímulos econômicos; ou seja, os números e as quantificações é quem dão a ilusão das certezas das ciências naturais e o que é quantificável passa a ser o que é percebido como ‘científico’ sem sequer nos perguntarmos acerca dos pressupostos dessa ‘cientificidade’.

Nesse sentido é que o autor percebe o economicismo como ‘cegueira’ da dimensão simbólica do capitalismo. Ele define o ‘economicismo’ como sendo a crença explícita ou implícita de que o comportamento humano em sociedade é explicado unicamente por estímulos econômicos.

A isso é que o autor defende a ideia de que a crítica social tem que começar demonstrando que a classe perdedora da universalização do capitalismo por todo globo obedece a uma lógica semelhante nos países centrais e periféricos. Atualmente, conforme ele, a dita “ciência” é instância legitimadora de todas as práticas do mundo moderno, onde os teóricos do centro são percebidos como aqueles que possuem cérebro e, portanto, apenas veem o dado empírico. Nesse sentido, a ciência reproduz o esquema de trocas desiguais na esfera econômica dos países que detém tecnologia e dos que exportam matéria-prima, na medida em que a “invenção”, a “ideia”, será apanágio dos pensadores do centro.

O resultado disso tudo é uma cegueira global que explica porque os conceitos centrais são sempre “regionais” – na realidade norte-atlânticos e não “nacionais” como pensam alguns - e os conceitos “periféricos” sempre especularmente “reativos” e também regionalizados.

Ao destacar as similaridades entre as sociedades do Norte e do Sul, o autor coloca que essa classe de destituídos não é uma classe social apenas brasileira, mas que essa classe de destituídos é, talvez, a classe social mundialmente mais numerosa. Nesse sentido, defende a ideia de que tanto nas nações mais ricas quanto nas mais pobres, o que importa para a teoria sociológica crítica é justamente perceber como a dominação social é construída e legitimada, afinal, tornar a dor e o sofrimento visíveis é o desafio maior de qualquer ciência verdadeiramente crítica. Por fim, destaca que se o povo brasileiro se livrar do complexo de ‘vira-lata’ que o torna servil e colonizado até o osso, poderá inclusive começar a pensar e refletir com suas próprias cabeças e compreender questões centrais que se veem muito melhor da periferia do sistema do que no centro.

Na última parte do livro o autor coloca que a cegueira do economicismo reside no fato de que a mesma é cega tanto em relação aos aspectos decisivos que reproduzem todos os privilégios quanto em relação à falsa justificação social de todos os privilégios. Aqui, o ponto decisivo a ser entendido é que os indivíduos são constituídos, em seus limites e possibilidades na competição social, de modo muito distinto dependendo de seu ponto de partida de classe o qual envolve basicamente três capitais: o econômico, o cultural e o social.

Para ele, é a ‘incorporação de capital cultural’ que caracteriza as classes trabalhadoras modernas. As classes do privilégio exploram esse exército de pessoas disponíveis a fazer quase de tudo (doméstica, motoboy, prostituição, etc.). A classe ‘abaixo’ trabalhadora é jogada nas ‘franjas do mercado competitivo’, condenada a exercer todos os trabalhos mais duros, humilhantes, sujos, pesados e perigosos e é justamente esse ‘tempo roubado’ de outra classe que permite reproduzir e eternizar uma relação de exploração que condena uma classe inteira ao abandono e à humilhação, enquanto garante a reprodução no tempo das classes do privilégio.

Jessé concorda que ‘ascender socialmente’ só é possível a quem logra incorporar as precondições que o capitalismo atual pressupõe para a crescente incorporação de distintas formas de conhecimento e de capital cultural como ‘porta de entrada’ em qualquer de seus setores competitivos. Nesse sentido, a fronteira entre ‘ralé’ e ‘batalhadores’ está situada precisamente na possibilidade da incorporação pelos batalhadores dos pressupostos para o aprendizado e o trabalho que faltam à ‘ralé’, afinal, o domínio permanente de classes sobre outras exige que as classes dominadas se vejam como inferiores, preguiçosas, menos capazes, menos inteligentes, menos éticas.

Em seguida o autor relaciona sua tese às manifestações registradas contra o Governo da Presidente Dilma Rousseff, sendo que, conforme ele, a classe média que foi em massa às ruas agiu tanto como ‘tropa de choque’ dos interesses dos endinheirados quanto em interesses próprios. Isso porque, acredita que para uma classe social como a classe média brasileira, que explora os excluídos sociais em serviços domésticos que lhe permitem poupar tempo livre para incorporar ainda mais conhecimento e capital cultural para a reprodução indefinida de seus privilégios – enquanto condena os excluídos à reprodução de sua própria miséria – e que possa de humana, corajosa e virtuosa ao sair às ruas para condenar sempre um ‘outro’ que não nós mesmos. O privilégio precisa ser justificado ou tornado invisível para se reproduzir. Este ‘heroísmo’ é prontamente glorificado por uma grande imprensa que posa de neutra, como se fosse uma sociedade de fins públicos e não tivesse proprietários privados ‘endinheirados’ e interessados em continuar a curtir as benesses da riqueza socialmente produzida concentrada em suas mãos. Nesse sentido, o que nos afasta das sociedades ‘moralmente superiores’ é que exploramos, aceitamos e tornamos fato natural e cotidiano conviver com gente sem qualquer chance real de vida digna, sem ter nenhuma culpa disso.

Nesse contexto, quem é feito de tolo aqui são partes significativas das classes médias e trabalhadoras ascendentes, muitas delas que defendem o Estado mínimo e o mercado máximo e que pagam preços máximos por produtos e serviços mínimos e de baixa qualidade a capitalistas que possuem monopólios para produzir mercadorias e serviços de segunda categoria. Nesse contexto, é papel da ciência crítica:

a) desmascarar as ideologias que nos fazem de tolos ao colonizar e manipular sentimentos e anseios não compreendidos em nós mesmos;

b) desconstruir a fragmentação míope que a ótica econômica unilateral cria para a percepção do mundo como ele é;

c) explicitar a dualidade dialética entre exploração e justificação, que permite dotar o cidadão inteligente que foi feito de otário das armas necessárias, primeiro, para sua mudança como ser humano e, depois, como mecanismo de aprendizado coletivo;

d) dar voz ao sofrimento, à humilhação e à dor, silenciados pelas interpretações dominantes daqueles a quem faltam as armas para expressar e fazer valer sua indignação e revolta justa;

e) mostrar que as relações entre classes permitem esclarecer tanto a exploração de classe escondida sob formas ‘não econômicas’ quanto sua justificação e encobrimento.

Contudo, a ciência social crítica não é algo que se deve deixar às salas de aula dos privilegiados e aos jornais da ínfima oligarquia dominante. É preciso, restituir a reflexão, a aqueles que foram transformados em marionetes de um drama que não compreendem e do qual não são os autores, o sentido e o comando sobre sua própria vida.


O COLAPSO DE TUDO - OS EVENTOS EXTREMOS QUE PODEM DESTRUIR A CIVILIZAÇÃO A QUALQUER MOMENTO John Casti | Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012, 268 p.

O COLAPSO DE TUDO
OS EVENTOS EXTREMOS QUE PODEM DESTRUIR A CIVILIZAÇÃO A QUALQUER MOMENTO
John Casti | Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012, 268 p.

A seção sobre leitura talvez seja a parte mais interessante de nossa página. É nela onde mais trocamos ideias. Ou melhor, trazemos ideias daqueles que nos brindam com seus escritos. No NEPET, entre o grupo de orientados e alunos do PPGECT, criamos um costume de que todos os livros com ligação ao processo civilizatório devem ser comungados entre todos. É o que a Adriana Jungbluth e a Ana Paula Boff fazem agora sobre o livro de Casti. Excelente leitura para aqueles que pensam numa educação mais crítica, reflexiva e, acima de tudo, realmente libertadora.

Tal resenha teve algumas pequenas contribuições do professor da cadeira que utilizou o livro durantes suas aulas e orientações.

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O livro O colapso de tudo: os eventos extremos que podem destruir a civilização Humana, do autor John Casti, lançado em 2012, discorre sobre possibilidades dramáticas, raras, surpreendentes, capazes de exercer um enorme impacto na vida humana, chamados de “eventos extremos” ou “eventos X.” Um evento X é a forma que a natureza humana tem de reduzir uma sobrecarga de complexidade que se tornou insustentável. Para o autor, a complexidade é um termo multifacetado que está relacionado às interações e interconexões entre os sistemas. Exemplos de eventos X: um colapso financeiro, esgotamento de alimentos, a queda da internet ou o colapso de uma civilização. Segundo John Casti, “[...] a complexidade pode matar — e matará — se a deixarmos fora de controle.” (p. 10 )

Sabe-se que um evento X pode acontecer, mas diferentemente de outros fenômenos recorrentes, não há como prever quando ocorrerá. Segundo Casti (p. 17) “no caso dos eventos X, o que importa é o grau de imprevisibilidade dentro do contexto em que ele se manifesta, junto com seu impacto na sociedade como um todo”. Tendo em vista que os sistemas que sustentam nosso estilo de vida estão completamente entrelaçados: a internet depende da rede elétrica, que por sua vez precisa do abastecimento de energia do petróleo, carvão mineral e fissão nuclear, que também depende de tecnologias de produção que, da mesma forma, exigem eletricidade, “as infraestruturas necessárias para manter nosso estilo de vida são tão interligadas que, se um sistema espirrar, os outros pegam pneumonia na mesma hora.” (p. 16).

Desse modo, todo o mundo industrializado precisa de uma injeção contínua de tecnologia cada vez mais avançada. O mundo contemporâneo, globalizado e tecnologicamente avançado, adquiriu um grau de complexidade muito grande, no entanto seu equilíbrio é tão frágil quanto um castelo de cartas.

De forma sintetizada relatamos abaixo os 11 casos diferentes de eventos X causados pelo homem, descritos no livro. “Eles ocorreram em algum momento do passado e podem facilmente mandar a vida humana de hoje para a época das carruagens caso tornem a acontecer.” (p. 58)

1) Apagão na internet: O autor destaca a dependência da internet na atualidade e como ela tem se tornado prioridade na vida de muitas pessoas. Uma pane generalizada na rede causada por sobrecarga ou ação humana intencional de hackers pode trazer sérios impactos para o nosso estilo de vida contemporâneo, comprometendo os sistemas financeiros, comunicacionais, entre outros.

2) O esgotamento do sistema global de abastecimento de alimentos: O excesso de complexificação está criando a base para um colapso da rede de produção e distribuição mundial: industrialização da agricultura, modificações genéticas, pesticidas, monocultura, instabilidade climática, crescimento da população, apropriação urbana de terras rurais (e de sua água) etc. Há um temor de que os pesticidas estejam contribuindo para a evolução de “superpestes” (assim como os antibióticos contribuíram para o surgimento de supervírus) capazes de devastar o globo, imunes a qualquer tentativa de detê-los.

3) Um ataque por pulso eletromagnético que destrói todos os aparelhos eletrônicos: O pulso eletromagnético (PEM) é uma onda eletromagnética de choque produzida por uma explosão de alta energia, esse pulso queima todos os aparelhos eletrônicos. Em um PEM são afetados: computadores, telefones, carros, barcos, aviões e todas as infraestruturas de suprimento de energia, alimentos, água, comunicação e todos os sistemas eletrônicos de controle de segurança. Transformada em bomba pode colocar em risco o estilo de vida da sociedade contemporânea.

4) O fracasso da globalização: O sistema de globalização deu às empresas nível de complexidade enorme, uma ampla gama de possibilidades para desenvolver novos produtos, fabricar os produtos existentes, comercializar suas mercadorias etc., permitindo que decidam onde e quando praticar essas funções. Por outro lado, o sistema composto pela população global, representado pelos governos nacionais, abriu mão da liberdade que tinha para regular o que poderia e o que não poderia atravessar suas fronteiras sem custo e reduziu a um nível mínimo sua complexidade no plano comercial. Após mais de três décadas de globalização, a promessa de distribuição de riqueza e redução da pobreza não foi cumprida. Toda a economia globalizada é afetada quando há recessão em países como os Estados Unidos ou se ocorrer o colapso da União Europeia, por exemplo.

5) A destruição provocada pela criação de partículas exóticas: Na tentativa de recriar o Big Bang, pesquisadores e cientistas trabalham com partículas exóticas e desconhecidas que poderiam sair do controle e destruir toda humanidade por meio dos buracos negros. Pesquisas realizadas principalmente pelo Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN), utilizando partículas como os strangelets, matéria escura, entre outras, podem colocar toda a humanidade em risco.

6) A desestabilização do panorama nuclear: Graças à combinação de fatores como a existência de um número cada vez maior de conflitos regionais envolvendo potências nucleares, a grande possibilidade de acidentes com muitos países possuindo ou investindo em armamentos e o constante perigo de que um ou mais grupos terroristas consigam pôr as mãos em artefatos “desaparecidos”, a probabilidade de um incidente nuclear no futuro próximo é bastante alta. Uma guerra nuclear de grandes proporções continua a ser um dos maiores perigos para a humanidade.

7) O esgotamento das reservas de petróleo: A sociedade contemporânea tem grande dependência por produtos derivados do petróleo, essa questão é preocupante pois segundo Casti, ninguém sabe ao certo a quantidade de petróleo que ainda existe no solo. A questão da oferta-demanda sinaliza o desnível cada vez mais amplo: de um lado temos a crescente complexidade na sociedade impulsionando a demanda, enquanto a complexidade no lado da produção se manteve fixa e o petróleo é um recurso natural limitado. Algumas das consequências prováveis do esgotamento do petróleo são: a deflagração de uma guerra internacional, o definhamento da globalização, o fim da economia do consumo, entre outras.

8) Uma pandemia global: Nos últimos dois milênios ocorreram vários surtos mortais, como a Peste Antonina, a Peste de Justiniano, A Peste Negra, a Gripe Espanhola e a Aids.Um surto de uma doença potencialmente letal, disseminada por todo o globo, pode se dar a qualquer momento. Na verdade, é mais provável que aconteça antes do que se espera devido à tendência mundial de migração para as cidades, aliada à pouca cooperação internacional no monitoramento e na prevenção de doença.

9) Pane no sistema elétrico e no suprimento de água potável: Uma pane no sistema elétrico pode afetar de forma considerável a vida na atualidade e levar a sociedade ao retorno a um nível pré-industrial. Em relação à água, muitos países e suas populações já sofrem com a seca, por exemplo: estima-se que na Somália mais de doze milhões de pessoas foram afetadas pela falta de água. Contudo, a escassez de água atingirá muito mais pessoas ainda, projeta-se que o número de pessoas afetadas pela escassez mundial de água aumentará de quinhentos milhões em 1995 para quase 7 bilhões em 2050.

10) Tecnologia fora de controle: Três tecnologias em rápida evolução preocupam a maioria dos “teóricos da singularidade”: engenharia genética, nanotecnologia e robótica. Segundo os futuristas, os organismos gerados por engenharia genética, os nano-objetos e os robôs serão capazes de se reproduzir com uma rapidez nunca vista. A singularidade é um evento X que levará décadas para acontecer. Entretanto, seus efeitos serão dramáticos e irreversíveis, expulsando os humanos do centro do palco do grande drama evolutivo da vida neste planeta.

11) Uma crise no sistema financeiro global: Um colapso do setor financeiro americano está intimamente ligado ao destino da economia americana ou, na verdade, de toda a economia global. A preocupação gira em torno do risco da deflação e de que ocorra uma espiral deflacionária, ocasionando crescimento econômico zero, falta de empregos e pouca esperança na população.

Em relação aos 11 colapsos descritos por Casti, apenas o retorno a uma existência de vida mais simples poderia evitar sua iminente ocorrência, no entanto, essa possibilidade é pouco provável, especialmente, em uma sociedade de produção capitalista. De fato, a não ser que ocorra um fenômeno extremamente grave e que nos obrige a rever o nosso estilo de vida, estamos caminhando rumo à destruição do planeta e dos seres que nele habitam.

Esse fato é preocupante, pois no caso dos eventos X, a única fase em que a análise científica desempenha um papel visível no estudo é antes de sua ocorrência. Nesse sentido, não podemos mais permitir que alguns sistemas desenvolvam um nível de complexidade em total desarmonia com os outros, de que se alimentam e dos quais dependem. O presente e o futuro dependem da educação, pois ela pode produzir a capacidade de reflexão e até de indignação diante da forma como o mundo contemporâneo tem se comportado em busca do lucro. Uma formação educacional preocupada com a dimensão humana precisa problematizar os impactos sociais que determinada pesquisa, medicamento, equipamento trará para as gerações futuras e atuais. Nesse sentido, a educação é fundamental, por meio dela tem-se a perspectiva de contribuir para um mundo melhor e originar um cidadão participativo, solidário e responsável.

Finalizamos esse texto com a mensagem de Casti, na conclusão do livro: “Minha palavra final, então, é aceitar que eventos X vão ocorrer. É uma realidade da vida. Portanto, prepare-se para eles como você se prepararia para qualquer outro acontecimento radical, mas essencialmente imprevisível. Isso significa permanecer adaptável e aberto a novas possibilidades, criar uma vida com muitos graus de liberdade, educando-se para ser o mais autossuficiente possível e não deixar a esperança ser substituída pelo medo e pelo desespero.” (p. 244).


O CUIDADO NECESSÁRIO - NA VIDA, NA SAÚDE, NA EDUCAÇÃO, NA ECOLOGIA, NA ÉTICA E NA ESPIRITUALIDADE LLeonardo Boff | Petrópolis: Vozes, 2012, 295 p.

O CUIDADO NECESSÁRIO
NA VIDA, NA SAÚDE, NA EDUCAÇÃO, NA ECOLOGIA, NA ÉTICA E NA ESPIRITUALIDADE
LEONARDO BOFF – Petrópolis: Vozes, 2012, 295 p.

A seção sobre leitura talvez seja a parte mais interessante de nossa página. É nela onde mais trocamos ideias. Ou melhor, trazemos ideias daqueles que nos brindam com seus escritos. No NEPET, entre o grupo de orientadas do doutorado do PPGECT, criamos um costume de que todos os livros com ligação ao processo civilizatório devem ser comungados entre todos. É o que a Katia fez desta vez, e com maestria, sobre o livro de Leonardo Boff. Lido por seu orientador e resenhado por ela, podemos dizer que se trata de uma obra imperdível – aliás, lugar comum entre os livros de Boff – para aqueles que pensam numa educação mais crítica, reflexiva e, acima de tudo, realmente libertadora.

Walter Antonio Bazzo

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Nasceu em Concórdia (SC), em 14/12/1938. Neto de imigrantes italianos (Região do Veneto). Doutor em Teologia e Filosofia (Universidade de Munique – Alemanha). Foi professor de Teologia e Espiritualidade em várias universidades e centros de estudo, e professor-visitante nas universidades de Lisboa, Salamanca, Harvard, Basel e Heidelberg. Defensor da causa dos Direitos Humanos. Recebeu vários prêmios relacionados a sua luta em favor dos fracos, oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos além do premio Nobel alternativo em Estocolmo. É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística.

“O cuidado necessário” é uma obra que, indiscutivelmente, deve ser lida por todos os homens e mulheres, jovens e velhos, crianças e adultos. Com a afirmação de que a “Espiritualidade não é monopólio de religiões”, Boff chama a atenção para o cuidado que todos(as) devem ter com a Mãe Terra.

Na introdução do livro destaco o trecho: “Conta uma fábula antiga que a essência do humano reside no cuidado e uma divindade cuida de cada um de nós. De mais a mais, todos somos filhos e filhas de infinito cuidado que nossas mães tiveram ao nos gerar e ao nos acolher neste mundo. E será o simples e essencial cuidado que ainda vai salvar a vida, proteger a Terra e nos fazer singelamente humanos”. (p.15)

É nesta vertente que o autor desenvolve os onze capítulos do livro. O capítulo um apresenta a construção do conceito de cuidado sob significações distintas que se inter-relacionam: como atitude, no sentido de desvelo, solicitude, atenção, diligência e zelo; como preocupação, inquietação, perturbação e amorosidade; como apoio, sustentação e proteção; como precaução e prevenção. O capítulo dois discorre sobre a importância do cuidado-precaução em todo processo evolucionário. Faz o resgate da origem do universo e das quatro interações fundamentais que o sustentam. Para falar sobre a compreensão da natureza do cuidado, o capítulo três apresenta uma reflexão filosófico-antropológica, fundamentada, principalmente nas ideias de Heidegger. O paradigma de cuidado: novo modo de habitar a terra, capítulo quatro do livro, é marcado pela distinção e entendimento do cuidado como adjetivo (útil que pode agregar a qualquer tipo de prática, sem transformá-la) ou como substantivo (não mais utilitarista e sim de pertença e reciprocidade). Nesta perspectiva, o cuidado é que comanda o modo de produção e comparece como um novo e alternativo paradigma. É nesse capítulo que Boff inicia de forma mais enfática a discussão que envolve questões relacionadas à ciência, tecnologia, tecnociência, sociedade e as consequências do que ele denomina círculo vicioso perverso: “[...] todos são incitados pela propaganda a consumir mais e mais. Para isso importa produzir mais e mais. Esse processo de produção exige mais e mais a exploração dos recursos da natureza. Como decorrência, quanto mais se exploram os recursos naturais, mas escassos se fazem, mais poluição se produz, mais deflorestação ocorre, mais se envenenam os solos, mais se contaminam as águas, mais se degeneram ecossistemas e cada vez mais aumenta o aquecimento global com as decorrentes mudanças climáticas. Até onde nos levará essa lógica fatal? Alguém se perguntou, seriamente, se a Terra aguenta essa guerra total que os humanos estão conduzindo desapiedadamente contra ela” (p.74). O capítulo cinco é marcado pela discussão acerca de paradigma e ética do cuidado trazendo para o texto questões relacionadas à justiça como princípio fundador de uma sociedade bem ordenada. Vale a pena atentar também para os itens que dizem respeito à ética e o substrato masculino (trabalho/justiça) e feminino (cuidado). De acordo com o autor, justiça e cuidado são os pilares que sustentam a morada humana e a ética, boa para os humanos e amiga da natureza, sustenta a biocivilização (p.136). Cuidar de si mesmo, dos outros e da Terra é o tema do capítulo seis, em que somos levados a refletir sobre o que somos, sobre nosso lugar no universo, para onde vamos. Ratifica a afirmativa de que o ser humano é sujeito e não objeto. Este capítulo enfatiza intensamente a essência do ser humano, a necessidade da auto aceitação e acolhimento do ser, sentir-se no mundo, cuidá-lo e respeitá-lo como casa comum. O ser humano é corpo vivo e é sobre o cuidar do próprio corpo e dos corpos dos outros que trata o capítulo sete. Nascer, viver e morrer são fases da vida do ser humano. Boff instiga pensar para além do cuidado com o eu, o cuidado com os corpos dos outros e da Terra. Faz uma análise de política pública, social e econômica. “Cuidar do corpo social é uma missão política que exige uma crítica implacável contra um sistema de relações que trata as pessoas como coisas e lhes negam o acesso aos commons, ou seja, aos bens comuns de todos os seres humanos, como o alimento, a água, um pedaço de chão, a saúde, a moradia, a cultura e o transporte” (p.169). Para além do cuidado do e com o corpo, o capítulo oito avança no cuidado da própria psique e da psique dos outros, ressaltando a interioridade e subjetividade do homem-corpo. Se é importante cuidar do corpo e da psique, mister também se faz cuidar do próprio espírito e do espírito dos outros. E é sobre isso que discorre o capítulo nove, espiritualidade não obrigatoriamente vinculada à religião. No capítulo dez o cuidado relaciona-se à medicina e enfermagem, mas vai além e chama atenção no sentido de dizer que, “[...] se estamos doentes, é porque a Terra está doente e nós somos a sua parte consciente e inteligente” (p. 204). Faz também um link entre corpo-mente-espírito-natureza - saúde. O último capítulo, o cuidado e a educação na era planetária, é provocado pela seguinte questão: “Como, a partir do cuidado, deve se organizar o processo educativo?” (p. 238). Para Boff, inevitavelmente, o paradigma do cuidado é responsável por uma nova era na qual a ecologia se constitui num eixo articulador da nova ordem do mundo. Perguntas incômodas (até porque são as perguntas e não as respostas que nos movem) são suscitadas e as apresento: “Que tipo de educação se visa?”, “Para que tipo de sistema?”, “Para que tipo de sociedade?”, “Para que tipo de cidadão?”. São as respostas a essas perguntas que definem um projeto educacional naquilo que é considerado um campo minado: A Educação.

Finalizo esse texto com a mensagem de Boff, na conclusão do livro: “Não é outra a mensagem deste livro que você leitor e leitora tem em suas mãos. Não abandone jamais a esperança, o sonho e a utopia. O futuro passa por aí.” (p.272)

Esta leitura é imperdível!

Katia Regina Koerich Fronza
Doutoranda do PPGECT/NEPET
MArço de 2014


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