A GRANDE DEGENERAÇÃO
A DECADÊNCIA DO MUNDO OCIDENTAL
NIALL FERGUSON
São Paulo: Planeta, 2012, 128 p.

Não foi a tecnologia que corroeu a sociedade civil. Foi algo que o próprio Tocqueville previu, nesta que, talvez, seja a passagem mais potente de A democracia na América. Aqui ele imagina vividamente uma sociedade futura em que a vida associativa se extinguiu:
Vejo uma multidão infinita de homens iguais e afins que se voltam sobre si mesmos sem descanso, procurando os prazeres pequenos e vulgares com que alimentam a alma. Cada um deles, retraído e solitário, é como um estranho para o destino de todos os demais: seus filhos e seus amigos particulares formam toda a espécie humana para ele; quanto a seus concidadãos, ele está ao lado deles, mas não os vê; ele os toca e não os sente, só existe em si mesmo e para si mesmo […].
Acima deles, paira um imenso poder tutelar, que, sozinho, se encarrega de assegurar seus prazeres e tomar conta de seu destino. É absoluto, detalhado, metódico, sagaz e moderado. Lembraria o poder paternal se, como este, tivesse por objetivo preparar os homens para a vida adulta; mas, ao contrário, só trata de mantê-los irrevogavelmente atados à infância […].
Assim, após tomar um indivíduo por vez em suas mãos poderosas e trabalhá-lo a seu bel-prazer, o soberano estende os braços sobre a sociedade como um todo; abarca toda a sua extensão com uma rede de regras triviais, complicadas, meticulosas e uniformes por meio das quais as mentes mais originais e as almas mais vigorosas são incapazes de abrir caminho para sobrepujar a multidão; não corrompe vontades, mas as abranda, molda e conduz; raras vezes força alguém a agir, mas com frequência se opõe à ação; não destrói, mas impede as coisas de nascerem; não tiraniza, mas tolhe, compromete, enfraquece, extingue, atordoa e, finalmente, reduz cada nação a nada mais do que uma horda de animais tímidos e diligentes dos quais o governo é o pastor.

Poderia parar por aqui ao citar este trecho das páginas 95 e 96 da obra de Ferguson, mas ela tem muito mais. Sigo ainda com ele, ainda na página 96, para tornar mais sólida minha argumentação para indicar fortemente a leitura desse livro. E, reforço, ler, não concordar; refletir, não absorver. Para isso serve a leitura, a discordância, o repensar, o argumentar.

Tocqueville certamente tinha razão. Não a tecnologia, mas sim o Estado – com sua promessa sedutora de “segurança do berço ao túmulo” – era o verdadeiro inimigo da sociedade civil. Mesmo na época em que escrevia, ele registrou e condenou as primeiras tentativas de ter “um governo […] tomando o lugar de algumas das maiores associações norte-americanas”.
Mas que poder político em um Estado bastaria ao sem-número de pequenos empreendimentos que os cidadãos norte-americanos realizam todos os dias com a ajuda e uma associação? […] Quanto mais o Estado se colocar no lugar das associações, mais os indivíduos, perdendo a ideia de se associarem uns aos outros, precisarão de sua ajuda […] A moralidade e a inteligência de um povo democrático estariam em perigo, tanto quanto seu negócio, sua indústria, se o governo tomasse o lugar das associações em toda parte. É só com a ação recíproca entre homens que os sentimentos e as ideias se renovam, o coração se engrandece e a mente humana se desenvolve.
Amém.

Este trecho que está na parte IV do livro (Sociedades civis e incivis) dá um toque no quanto o livro como um todo é instigante e ilustrativo. Lembram-se do penúltimo livro relatado nesta seção? (Por que as nações fracassam?) Este parece ser uma complementação. Também fundamental para essa nossa viagem constante na busca da compreensão do processo civilizatório.
Para responder sobre a decadência do Ocidente, muitos argumentos são trazidos à baila. O liberalismo econômico, que na década de 1980 era declarado vitorioso sobre o comunismo oriental, é hoje uma marca depreciada. A desigualdade social aumentou. As finanças públicas estão em crise. O crescimento da economia é cada vez mais lento. Ferguson pergunta: Qual é a razão dessa “degeneração” do ocidente? Seria a desalavancagem financeira? A globalização? A política fiscal? A falta de investimento na educação pública? São perguntas que habitam nossas discussões diárias, principalmente nesta página do NEPET. O fato é que estamos, conforme argumenta o autor, em um “estado estacionário”, termo usado por Adam Smith para se referir a um país que era rico e parou de crescer – como era a China nos idos do século XVI. Hoje somos nós, os ocidentais, que estamos assim, enquanto a China está crescendo mais rápido do que qualquer outra economia no mundo.
Esse livro – como está registrado em sua “orelha” e eu reforço após minha leitura – pretende abordar as causas desse estado estacionário, baseando-se no argumento de que isso, em grande medida, é resultado de nossas instituições – mais especificamente aquelas que ajudaram a construir a civilização ocidental: a democracia, o capitalismo, o Estado de direito e a sociedade civil. Examinando a fundo esses quatro pilares, Ferguson mostra como funcionam hoje e o que afinal há de errado com eles.
A grande degeneração é uma obra vigorosa – e em alguns momentos polêmica – que pretende alertar para a necessidade de uma mudança radical em nossas instituições, na tentativa de evitar consequências desastrosas para nosso futuro. Obviamente respeitando nossas convicções ideológicas. E a visão com a cor dos óculos do autor que nos auxilia a criar massa reflexiva para nosso entendimento do processo civilizatório.
Mas afinal quem é Niall Ferguson? Nascido em 1964, é um dos mais renomados historiadores da Grã-Bretanha. Leciona na Universidade Harvard, na Harvard Business School e na London School of Economics e é pesquisador nas Universidades de Oxford e Stanford. O autor também escreve regularmente para jornais e revistas do mundo inteiro, como o jornal Financial Times e a revista Newsweek. Em 2004, a revista Time o considerou uma das cem pessoas mais influentes no mundo.

“Ao contrário da maioria dos historiadores, [Ferguson] é capaz de explicar suas conclusões de maneira direta. […] Eu garanto que esta é uma leitura informativa e agradável”. (Samuel Brittan, Financial Times)

Também ouso firmar a mesma garantia.
Mas você precisa ir até o final do livro porque é na conclusão que Ferguson coloca toda a sua visão sobre o processo civilizatório. Através de cinco subtítulos oportunos – Desigualdades explicadas; O futuro urbano; Os que atiram e os que cavam; Contra o “tecnotimismo”; Você não construiu isso – ele nos chama à responsabilidade de desvendar estes tópicos nos nossos processos educacionais. E chama atenção da urgência de tais aspectos, sob pena de tornarmos a degeneração mais rápida e voraz.

Walter Antonio Bazzo
Fevereiro de 2014

CONTESTAÇÃO: nova fórmula de ensino
NEIL POSTMANN e CHARLES WEINGARTNER
Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura: 1971. 275 p.

Seguimos com nosso propósito de trazer aqui “dicas” de livros que nos parecem próprios para a Educação Tecnológica Contemporânea. Dessa vez trazemos um livro da metade do século passado. Mas, muito atual e pertinente para nossos propósitos. Um de seus autores (Postman) foi um dos responsáveis por tantas reviravoltas acontecidas na Educação Tecnológica. Este livro, do qual teremos uma pequena resenha abaixo, no meu entender deveria ser lido por todos aqueles que querem mudar um pouco a forma de educar em qualquer área do conhecimento. Independentemente de seu tempo, seu conteúdo nos faz refletir da primeira à última página do livro. A descrição de alguns “momentos” reflexivos do livro foi feito por Fátima nos parágrafos abaixo. Boa Leitura.

Walter Antonio Bazzo
Fevereiro de 2014

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O modo que vivemos está em tão rápida mudança que a orientação para o futuro é essencial para todos. (p.256). Modificamos tão radicalmente nosso meio ambiente, que temos agora de modificarmo-nos também, a fim de existirmos nesse novo meio. (NORBERT WIENER apud POSTMAN & WEINGARTNER, p.261).

A ‘Contestação - nova fórmula de ensino’ é um livro que foi escrito na década de 1970 e tem como tese o fato de que a escola é responsável para preparar o estudante para viver na sociedade caracterizada pela mudança cada vez mais rápida, constante, acelerada e ubíqua de conceitos, valores e tecnologias. Seus autores são Neil Postman e Charles Weingartner. Neil Postman é crítico, teórico da comunicação e sempre acreditou que a tecnologia não pode substituir o valor humano.
No decorrer dos seus 13 capítulos instigantes e provocadores, os autores enfatizam que existe prioridade em desenvolver nas pessoas atitudes e aptidões para lidar com as mudanças. A escola, por ser o espaço social onde todos são obrigados a frequentar, é um ambiente decisivo para a promoção das convicções e dos comportamentos que são necessários à sobrevivência.
São apresentados três problemas urgentes que a escola precisa enfrentar e agir: a revolução da comunicação, a mudança rápida e constante e, a burocracia florescente. Para enfrentá-los sugerem o “Método do Inquérito”, no qual o aluno é o questionador da realidade, é o ator que está no palco da escola, devendo assim ser o centro do currículo. Dessa maneira, a formação de perguntas e os meios de comunicação devem fazer parte do currículo.

Uma vez que tenhamos aprendido a fazer perguntas – perguntas substanciais, relevantes e apropriadas – teremos aprendido como aprender e ninguém nos impedirá de aprendermos o que quisermos ou precisarmos saber. (...) Fazer perguntas é comportamento. Se não as fizermos, não aprendemos. (p.45, 46) O modo de emanciparmos dos efeitos limitadores de qualquer meio de comunicação é desenvolvermos uma perspectiva sobre ele – como funciona e o que faz. Não ser instruído nos processos de qualquer meio de comunicação (linguagem) deixa-nos a mercê daqueles que o controlam. (p.215)

Num ambiente de inquérito devem ser inseridos problemas relevantes da sociedade, para que ocorra nos estudantes o desenvolvimento de atitudes e perspectivas de sobrevivência como a especulação mental, a autossuficiência, a contingência, o debate aberto, a flexibilidade, a inventiva e a fertilidade de recursos individuais a serem utilizados coletivamente. Esse ambiente contrapõe ao modelo de escola alienante que temos, onde o aprendiz é deixado de fora da realidade, o professor planeja, é um jogo de faz de conta que resulta num efeito devastador de produzir no estudante um sentimento de alienação com relação ao processo educacional e à sociedade.
Como estratégia de sobrevivência a aprendizagem deve ser não só significativa, mas também subversiva. Isso exige mudança de postura do professor que vive a mercê dos requisitos do sistema, isto é, que proponha perguntas sem respostas prontas; que seja o grande motivador da interação estudante-estudante; que as lições sejam desenvolvidas a partir da reação dos estudantes e não de uma estrutura lógica previamente determinada e a avaliação deverá ocorrer em função das mudanças comportamentais dos alunos (faz mais perguntas, convicção e assiduidade de suas contestações; disposição de suspender juízos, de mudar suas posições; incremento nos seus recursos de observação, classificação e generalização; aumento de tolerância para as diversas respostas, capacidade de aplicar atitudes, informações e generalizações em novas situações).
Como transformar o pensamento de uma cultura a toda velocidade?

O sistema escolar é a única instituição que existe para preencher essa função, através de fazer os estudantes interiorizarem conceitos relevantes para as novas exigências do meio (...) compreender as mudanças que ocorreram e as que estão por acontecer.(p.266)

Para isso, McLuhan afirma que o ponto de partida da educação está na vontade do aluno aprender, apresenta a necessidade de desaprender conceitos irrelevantes como uma nova tarefa educacional e afirma que o esquecimento seletivo é necessário à sobrevivência. É necessário ocorrer diálogo autêntico, onde o aluno é o autor da significação, é perceptor e não receptor de informações e a tecnologia educacional “faz sentido, unicamente, para ajudar os aprendizes a aprender estratégias de sobrevivência num mundo de mudança”. (p.201).

Escola não é para significações padronizadas, mas, sobretudo para ajudar os estudantes a ampliar e aperfeiçoar suas capacidades individuais e singulares da formação de significação. (p.134)

Quais conceitos necessitamos aprender e quais devem fazer fazerem parte do currículo? Aqueles que dão transformação tecnológica e derivam deles; que são características do espírito, do humor, da linguagem e do processo científico.

A nova educação tem como finalidade o desenvolvimento de pessoas com personalidade indagadora, flexível, criadora, capaz de formular novos significados para fazer frente às mudanças no meio que ameaça a sobrevivência individual e mútua.(...)Esses conceitos, em sua totalidade, constituem a dinâmica do processo de exploração de perguntas e formação de significados a que podemos dar o nome de ‘aprender como aprender’.(p.273)

É preciso mudar o foco da escola, buscando facilitar para uma aprendizagem significativa que permitirá ao sujeito fazer parte e estar fora de sua cultura ao mesmo tempo, manobrar a informação de maneira crítica, usufruir a tecnologia sem idolatrá-la, mudar sem ser dominado pela mudança, viver no mundo globalizado sem aceitar suas perversidades, conviver com a incerteza, a relatividade, a causalidade múltipla, a não dicotomização das diferenças, a recursividade das representações mentais rejeitando as verdades fixas, as certezas, as definições absolutas, as entidades isoladas.
Por fim, termino com a afirmação dos autores mostrando que é possível e exequível fazer as mudanças na Educação para Contestação: nova fórmula de ensino, basta querer:

Se acho inexequível uma mudança, devo lembrar que o sistema que está aí é mais inexequível, o menos prático no propósito de facilitar a aprendizagem.(p.180)

Fátima Peres Zago de Oliveira
NEPET/Doutoranda PPGECT
Fevereiro de 2014

O PROCESSO CIVILIZATÓRIO: estudos de antropologia da civilização
DARCY RIBEIRO
São Paulo: Companhia das Letras; Publifolha 2000, 200 p.

Quando estamos querendo entender o processo civilizatório contemporâneo, muitas leituras e visões, das mais diferentes linhas de pensadores são fundamentais. Aqui, no NEPET, reunimos uma grande parcela de doutorandos que vai a busca dessa bibliografia por indicação dos seus orientadores ou mesmo por necessidade do aprofundamento de diversos conceitos. Como todos nós estamos interessados neste assunto – que é mote do nosso núcleo de estudos e pesquisas – e todas estas leituras também foram precedidas por parte dos orientadores, pela sua utilidade vamos disponibilizar sua resenha – vamos chamar de dica por sua superficialidade em apenas apontar a importância do texto – aqui nesta nossa seção. Nada melhor que começar com um autor brasileiro que tanta contribuição nos trouxe para o entendimento do processo civilizatório contemporâneo, apesar da época em que foi publicado. Paula é quem nos brinda com esta breve resenha.
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Com o livro O Processo Civilizatório, publicado originalmente em 1968, Darcy Ribeiro trouxe para o âmbito de nossas discussões, os grandes problemas da evolução das sociedades humanas. O livro foi escrito durante um exílio político e no calor de uma militância nacionalista do autor. São 10 mil anos revistos em cerca de 200 páginas. Por isso ele busca o que já é conhecido e procura reorganizar o que se pensa a partir disso. A obra dá início aos estudos sobre antropologia das civilizações. Busca compor um esquema coerente e lógico da história da humanidade, sua motivação é de tornar compreensível a formação dos povos americanos.
Ele analisa o surgimento das formações socioculturais que se impuseram desde 10.000 anos, com o objetivo de entender as causas do desenvolvimento socioeconômico desigual e quais as perspectivas para os povos ditos atrasados. Para tanto, procurou sistematizar os esquemas faseológicos e os princípios dinâmicos da evolução sociocultural, formulados nos estudos clássicos e modernos. Sempre com atenção posta não só na copiosíssima documentação reunida pelos arqueólogos e etnólogos como também nos estudos recentes da história moderna e contemporânea, sobretudo nas sínteses interpretativas, porém, acrescentado um corpo de conceitos analíticos novos. Criando, assim, um sistema controverso em relação à perspectiva evolucionista apresentada nos estudos clássicos da antropologia, pois considera o movimento de evolução sociocultural como um processo complexo de civilização, marcado por mudanças e permanências, seja por aceleração evolutiva (ou estagnação cultural) devido à dinâmica da própria cultura, seja por atualização ou incorporação histórica devido a contatos interculturais.
Essa tentativa de sistematização e renovação tem objetivo de contribuir para determinar as etapas básicas de desenvolvimento tecnológicos distinguíveis no continuum da evolução humana, para discernir os modos de vida correspondentes a esses avanços evolutivos, em termos de formações econômico-sociais ou socioculturais; para identificar as forças dinâmicas responsáveis pela sucessão de etapas e de formações; e, finalmente, para definir as condições em que essa sucessão se acelera, ou se retarda, ou entra em regressão e estagnação.
Busca uma tipologia de aplicação universal, baseada em três ordens de imperativos: tecnológico, social e ideológico. Entende que suas respectivas conexões fazem com que a uma classificação de etapas evolutivas de base tecnológica devam corresponder classificações complementares fundadas nos padrões de organização social e nos moldes de configuração ideológica.
Pode-se dizer que O Processo Civilizatório é uma revisão crítica das teorias da evolução sociocultural e a proposição de um novo esquema da evolução humana, elaborado com o propósito específico de estabelecer categorias classificatórias aplicáveis ao estudo da evolução dos povos americanos do passado e do presente.
Apresenta um esquema conceitual explicativo, através da proposição de novas revoluções tecnológicas como motores da história, de novos processos civilizatórios e de novas formações socioculturais, isto é, considera o desenvolvimento da tecnologia como critério básico de construção do esquema de evolução sociocultural.
Aponta a Revolução Termonuclear como um imbricamento da ciência e da tecnologia, como uma possibilidade de integração dos povos numa mesma formação sociocultural e sinaliza que para prover os sistemas impessoais de controle tornados indispensáveis para essa formação, o caminho é o socialismo.
Para entender a relação e o contexto da obra, nada melhor que saber um pouco sobre o autor, principalmente para nós brasileiros que sempre vemos o lá de fora mais capaz para fazer análises desta monta.
Darcy Ribeiro (1922- 1997), lançado ao exílio pelo golpe militar , viveu em vários países da América Latina aonde conduziu programas de reforma universitária, com base nas ideias que defende no livro A universidade necessária. Escreveu neste período os cinco volumes de seus Estudos de Antropologia da Civilização (O processo civilizatório, As Américas e a Civilização, O dilema da América Latina, Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil, e Os índios e a Civilização), que têm 96 edições em diversas línguas. Em 1982 é eleito vice-governador do Rio de Janeiro pelo PDT acumulando o cargo de secretário estadual de Ciências e Cultura e coordenador do Programa Especial de Educação, Em 1990 é eleito senador pelo PDT. Em 1994, é internado com um câncer na próstata, de onde foge para concluir o livro O povo brasileiro e retomar suas atividades no Senado Federal, onde se concentra na elaboração da nova LDB. A lei foi sancionada em 1996 e recebe o nome de “Lei Darcy Ribeiro”.

Paula Andrea Grawieski Civiero
NEPET/Doutoranda PPGECT
Fevereiro de 2014

Por que as nações fracassam
As origens do poder, da prosperidade e da pobreza
Daron Acemoglu & James Robinson
Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, 401 p.

Li, gostei pela sua narrativa fiel dos acontecimentos que levaram algumas nações a serem mais ricas que outras. Não é concordância com as razões, mas reconhecimento de alguns acontecimentos históricos que direcionaram este espectro que temos na civilização contemporânea. Daron Acemoglu, titular da cátedra Killian de Economia no MIT, que em 2005 recebeu a Medalha John Bates Clark, concedida a economistas de menos de 40 anos cujas contribuições e conhecimentos econômicos sejam considerados de maior relevância, e James A. Robinson, economista e cientista político, titular da cátedra David Florence de Governo na Universidade de Harvard nos brindam com uma obra de raro valor. Sigo dizendo que estas dicas aqui não têm a pretensão de se tornarem tratados sobre a obra e sim motivações para a leitura de todos nós. Nada melhor, então, do que os dizeres que estão contidos na orelha do livro:

“Brilhante e instigante. Por que as nações fracassam responde à pergunta que há séculos atravessa o caminho dos estudiosos: por que algumas nações são ricas e outras são pobres, divididas por riqueza e pobreza, saúde e doença, comida e fome? Será a cultura, o clima, a geografia? Talvez a ignorância com relação às políticas certas? Não. Nenhum desses fatores é definitivo, nem implica predeterminação. Daron Acemoglu e James Robinson fazem uma demonstração de que são as instituições políticas e econômicas que estão por trás do êxito econômico (ou sua ausência). Embora a Coreia, para citar apenas um desses exemplos fascinantes, seja uma nação de notável homogeneidade, o povo da Coreia do Norte figura entre os mais pobres da Terra, ao passo que seus irmãos e irmãs do Sul estão entre os mais ricos. A Coreia do Sul criou uma sociedade capaz de criar incentivos, recompensar a inovação e permitir que todos participem das oportunidades econômicas. O bom êxito econômico assim promovido mostrou-se sustentável porque o governo assume suas responsabilidades e presta contas perante os seus cidadãos e a grande massa da população.”

Na leitura do livro dá para ver que o que está escrito na orelha não consegue retratar a riqueza das descrições feitas pelos autores. Eles muito mais descrevem do que concordam ou discordam. Seguem uma linha de raciocínio que deixa por conta dos leitores o juízo das questões ali propostas. O capitalismo é assim. Não discutem, pelo menos de forma explícita, se ele é bom ou é ruim. Mas a descrição da orelha segue mais um pouco:

“Com base em 15 anos de pesquisa originais, Acemoglu e Robinson arrolam evidências históricas extraordinárias do Império Romano, das cidades-estados maias, da Veneza medieval, da União Soviética e da África para construir uma nova teoria de economia política de grande relevância para as grandes questões da atualidade, tais como: A China construiu uma máquina de crescimento autoritário. Será que vai manter essa altíssima velocidade de crescimento, até sobrepujar o Ocidente? Será que os melhores dias dos Estados Unidos ficaram para trás? Estaremos nos afastando de um círculo virtuoso, que resiste às tentativas das elites de reforçar seu próprio poder, e caminhando rumo a um círculo vicioso que enriquece e fortalece uma pequena minoria? Qual será a receita mais eficaz para ajudar a tirar bilhões de pessoas dos trilhos da pobreza e alçá-las à prosperidade? Aumentar a filantropia dos países ricos do Ocidente?

Quanta provocação para a leitura do livro, não? Reforço dizendo que aqueles que querem cada vez mais conhecer as variáveis que compõem a nova equação do processo civilizatório, não podem deixar de ler este livro. Ele complementa muitas questões que geralmente irrelevamos ao trabalhar a verdadeira Educação Tecnológica. Em outras oportunidades falamos de outro autor que era indispensável para nossos propósitos de educadores. Falo de Jared Diamond. Ele também dá um forte depoimento ao livro que estamos aqui analisando:

“Você tem três motivos para amar este livro. Seu tema são as diferenças de renda nacional no mundo moderno, talvez o maior problema enfrentado hoje no planeta. É salpicado de histórias fascinantes, que vão torná-lo a atração principal de todas as rodas de conversa – tais como por que Botsuana está prosperando e Serra Leoa não. E é uma ótima leitura. Como eu, você pode não resistir e ler de uma tacada só, para depois voltar e reler tudo.”

Não precisa dizer que eu escreveria o que Jared escreveu. Mas melhor mesmo é você ler o livro. Muita coisa que não levávamos em consideração ao estudar tecnologia e desenvolvimento fatalmente agora será considerada. E tenha certeza, suas análises serão mais completas e profundas.

Walter Antonio Bazzo
Setembro de 2013

Reaja
Cristovam Buarque
Rio de Janeiro: Garamond, 2012, 54 p.

Livro pequeno. Apenas 54 páginas. Confesso que li em menos de uma hora depois de pegá-lo nas mãos. Já na orelha da capa Cristovam Buarque me inspirou a escrever várias crônicas em função do seu pequeno texto justificando o que lhe levou a escrever “Reaja”.

“Um filósofo francês de 95 anos de idade, Stéphane Hessel, publicou há pouco um panfleto de poucas páginas, com o título de Indignem-se (“Indignez-vous”). Nele, defende que os jovens de hoje devem retomar a indignação que sua geração tinha contra o nazismo e o capitalismo; adicionando a indignação contra o capital financeiro; a desigualdade; e a indiferença que tomou conta do mundo diante das injustiças e ineficiências do sistema econômico financeiro. É um bonito texto em menos trinta páginas e que vem sendo vendido em grande quantidade. Comprei a 13ª edição francesa na cidade de Hamburgo, Alemanha. Ao lado da livraria, em um café Balzac, de uma só vez li o texto todo e ali mesmo, inspirado no Hessel, que eu conheceria alguns meses depois, escrevi este Reaja.”

Óbvio que não quero me engrandecer ao nível destes dois pensadores, mas quero dividir com vocês o prazer desta leitura e quem sabe motivá-los a escrever sobre isso. Eu já estou fazendo. Leitura, aliás, que deveria ser feita pelo menos a cada mês, pois renova nossa convicção da necessidade de estudarmos uma mudança no processo civilizatório humano.

Este texto de Cristovam vai me ajudar muito nas conversas que teremos ao longo destes nossos encontros nesta página, por isso deixo aqui, de forma bem sucinta, esta preciosa “dica” de uma leitura imperdível.

Fazia tempo que não voltava com uma nova resenha para nossos leitores em função de inúmeras atividades neste ano de 2013. Este livro de Cristovam me trouxe correndo para conversar com vocês e ao mesmo tempo adiantar que estou com quatro leituras paralelas que logo estarão aqui disponibilizadas para nossas mais variadas reflexões.

Até a próxima e lembrem-se que, nesta leitura de 54 páginas com que Cristovam nos brinda, teremos uma fonte inesgotável de questões para repensar, entre muitas outras coisas, a Educação Tecnológica contemporânea que precisamos.

Walter Antonio Bazzo
Setembro de 2013

JÓVENES y cultura messenger
Tecnología de la información y la comunicación en la sociedad interactiva
Ángel J. Gordo López
Madrid: FAD, 2006, 212 p.

Desta vez não estaremos comentando um livro e sim disponibilizando seu conteúdo através deste site (Acesse aqui). Também não o lemos ainda. Mas, pela amostragem de seu sumário, parece ser de extrema importância para as reflexões que estamos trazendo há tanto tempo em nossa página. Boa leitura para todos nós.

Walter Antonio Bazzo
Abril de 2013

Mundo em descontrole
O que a globalização está fazendo de nós
Anthony Giddens
Rio de Janeiro: Record, 2011, 108 p.

A leitura de um bom livro sempre leva à leitura de outro bom livro. Mais uma vez isso aconteceu nestas inúmeras incursões literárias que fiz no início deste ano. Não lembro de onde veio esta, mas foi muito boa, como muitas outras. Mundo em Descontrole, de Giddens, é um livro pequeno em tamanho – 108 páginas – mas imenso em reflexões. Foi originalmente escrito em 1999 e já reeditado várias vezes – no idioma português se encontra em sua oitava edição – pela atualidade do tema que traz em suas análises.

Na primeira parte do livro há uma descrição sobre as tentativas de perseguição a WikiLeaks e a resistência e perseverança das pessoas associadas. Um dos casos é a apreensão de registros eletrônicos sem ordem judicial no Twitter e os seus desdobramentos.

Dividido em 5 capítulos apenas ele nos desafia a olhar a globalização, o risco, a tradição, a família e a democracia sempre centrados na questão humana. Começa a nos dizer as implicações de uma globalização que, para os céticos, segundo ele, só vai trazer desgraças e atraso no desenvolvimento civilizatório e, para os radicais, é a grande redenção da sociedade humana. Rápido, sintético e preciso, faz considerações importantes para entendermos também a necessidade de vermos a ciência e a tecnologia com outros olhos. Daí a importância de CTS – ou seja, a denominação que queiramos dar para esta nova epistemologia que defendemos para C&T – para retirar apenas dos experts a responsabilidade pelas suas aplicações.

Depois, no segundo capítulo, quando fala em risco ele se supera. De forma simples, didática e, ao mesmo tempo, veemente fala dos riscos que o ser humano adquiriu por ter se “infiltrado” com mais profundidade na compreensão da C&T. Se no primeiro capítulo, ao falar de globalização ele defende a maior compreensão de C&T por parte da população, aqui ele é enfático em dizer da necessidade que todos compreendam, mesmo que superficialmente, as benesses e as mazelas desta ciência e desta tecnologia. Dá para notar isso nesta passagem da página 40, que enfatiza tal aspecto:

“Nossa relação com a ciência e a tecnologia hoje é diferente daquela característica de tempos passados. Na sociedade ocidental a ciência atuou por cerca de dois séculos como uma espécie de tradição. Supostamente, o conhecimento científico superava a tradição, mas de fato ele próprio se transformou em uma, de certo modo. Era algo que a maioria das pessoas respeitava, mas que permanecia externo às atividades delas. Os leigos ‘consultavam’ os especialistas. Agora, quanto mais a ciência e a tecnologia se intrometem em nossas vidas, e o fazem num nível global, menos esta perspectiva se sustenta. A maioria de nós – incluindo autoridades governamentais e políticos – tem, e tem de ter, uma relação muito mais ativa ou comprometida com a ciência e a tecnologia do que antes.”

Só este parágrafo já é um motivo forte para aquele que defende a inclusão de CTS nas escolas ler o livro. Ele todo é uma defesa constante desta “alfabetização científico-tecnológica”, que é o mote principal desta nossa página do NEPET.

Eu teria muito mais a falar sobre este segundo capítulo, mas o terceiro, Tradição, também nos traz inúmeras provocações para nossas análises. Segundo o autor a globalização foi e está sendo muito reducionista à questão econômica e, por consequência, à questão tecnológica. Mas a questão política que isso tudo envolve é a mais emblemática e ela é muito dependente da tradição dos povos envolvidos nesta tal de globalização. Com uma linha interessante Giddens nos conduz a entender a questão do fundamentalismo exacerbado que isso tudo ocasionou e que, erroneamente, os governantes – basta lembrar-se da caçada alucinante que certo presidente dos EUA empreendeu para justificar erros políticos em relação a povos que tinham tradições diferentes – ocidentais irrelevam em relação aos valores universais. E, depois de várias justificativas em relação a esse erro crasso na globalização, ele encerra o capítulo desta maneira:

“Todos nós precisamos de compromissos morais que se elevem acima das preocupações e contendas da vida cotidiana. Devemos estar preparados para erguer uma defesa ativa desses valores onde quer que eles estejam precariamente desenvolvidos ou ameaçados. A moralidade cosmopolita precisa ser ela própria movida por paixão. Não teríamos, nenhum de nós, algo por que viver se não tivéssemos algo que valesse a pena morrer.”

Parece que ao falar sobre Família, no quarto capítulo, o autor foge do tema. Qual nada, texto importante para aqueles que querem voltar para dentro de si para entender o todo civilizatório. Para muitos, entre os quais me situo, este capítulo ajuda a entender a ideia de trabalhar a questão de gênero em CTS. E, na educação, trabalhar gênero sem entender o papel da família, da mulher e dos grupos minoritários nesta rede toda parece impossível. E por isso o autor assim se justifica ao início do capítulo:

“Entre todas as mudanças que estão se dando no mundo, nenhuma é mais importante do que aquelas que acontecem em nossas vidas pessoais – na sexualidade, nos relacionamentos, no casamento e na família. Há uma revolução global em curso no modo como pensamos sobre nós mesmos e no modo como formamos laços e ligações com outros. É uma revolução que avança de maneira desigual em diferentes regiões e culturas, encontrando muitas resistências.”

O livro é encerrado com Democracia, que, segundo o autor, tem que estar presente não somente em nações isoladas, mas no mundo como um todo. Provavelmente esta seja uma das variáveis mais importantes de uma efetiva “globalização”. Por isso sua contundência nesta colocação:

“Talvez possamos ser perdoados por pensar que alguns problemas são simplesmente intratáveis, sem esperança de solução. A democracia pode parecer florescer apenas num solo especialmente fértil, cultivado por longo tempo. Em sociedades, ou regiões, que têm pouca história de governo democrático, a democracia parece não ter raízes profundas e poder ser facilmente varrida. No entanto, talvez tudo isso esteja mudando. Em vez de pensar democracia como uma flor frágil, que se pode facilmente pisar, talvez devamos vê-la como uma planta robusta, capaz de medrar até no terreno mais estéril. Se minha argumentação é correta, a expansão da democracia está estreitamente associada a mudanças estruturais em curso na sociedade mundial. Nada acontece sem luta. Mas a promoção da democracia em todos os níveis é uma luta que vale a pena empreender e ela pode ser vitoriosa. Nosso mundo em descontrole não precisa de menos, mas de mais governo – e este, só instituições democráticas podem prover.”

Vale a pena dar uma olhada com cuidado na bibliografia selecionada ao final do livro. Lembre-se que a leitura de um bom livro sempre leva à leitura de outro bom livro.

Walter Antonio Bazzo
Fevereiro de 2013

Cypherpunks – Liberdade e o Futuro da Internet
Julian Assange
São Paulo: Boitempo Editorial, 2013, 168 p.

Acabei de ler Cypherpunks: Liberdade e o Futuro da Internet de Julian Assange, o mentor do WikiLeaks, que esta na Embaixada do Equador em Londres sem poder sair, sob risco de ser extraditado para Suécia. Este livro é fruto de uma conversa, na citada embaixada, entre ele, Jacob Applebaum, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmermann, com alguma edição para esclarecimentos, mas que representa bem uma conversa franca sobre temas interessantes relacionados à internet.
Porém é muito mais do que uma discussão sobre o meio de troca de informações. Trabalha sobre a liberdade de expressão, sobre o direito à privacidade pessoal, sobre o papel da tecnologia no desenvolvimento de uma sociedade livre e sobre a necessidade de formação e informação dos membros da sociedade. Sobre o controle de intercâmbio de informação usando tecnologia apropriada por empresas e governos e sobre a possibilidade que uma ação colaborativa no desenvolvimento de tecnologia de livre acesso permita que os indivíduos possam proteger seus dados pessoais e sua liberdade de se relacionar.
Creio que é uma leitura importante para aqueles que estão desenvolvendo tecnologia, assim como um alerta para o que as universidades estão fazendo em relação a propriedade intelectual, patentes e publicações em meios de divulgação pagos (revistas indexadas e livros de editoras comerciais).
Passando para o livro em si, além do autor, que dispensa apresentações, o grupo de conversa é formado por Jacob Appelbaum, um defensor e pesquisador do grupo Tor Project, que tem por objetivo principal oferecer sistemas on line para que as pessoas comuns possam resistir à vigilancia na internet.
Outro membro é Andy Müller-Maguhn que como especialista em comunicações e vigilância se dedica a investigar a indústria de vigilância na Internet. Também participou na criação de uma empresa que comercializa telefones com criptografia para clientes comerciais. E finalmente Jérémie Zimmermann que se dedica a criar ferramentas para que as pessoas possam promover mudanças através de debates públicos, dentre outras a questão de direitos autorais e outros temas relacionados com a internet livre.

Na primeira parte do livro há uma descrição sobre as tentativas de perseguição a WikiLeaks e a resistência e perseverança das pessoas associadas. Um dos casos é a apreensão de registros eletrônicos sem ordem judicial no Twitter e os seus desdobramentos.

A seguir é apresentada uma discussão interessante sobre a relação entre a maior capacidade de comunicação que a internet ofereceu aos seus utilizadores e a vigilância proveniente desta facilidade em que comunicações e dados pessoais podem ser interceptados ao trafegar sem criptografia. A possibilidade de armazenar todo o tráfego de um país por poucos milhões de dólares é uma decisão estratégica que pode ser adotada por diversos estados. A mineração de dados, usada a posteriori, permite descobrir informações de interesse do interceptador inclusive anos depois de uma comunicação ter sido feita. E além das comunicações pessoais podem ser interceptadas, armazenadas e analisadas boa parte das as transações eletrônicas.
Outra discussão interessante é sobre os "direitos" dos estados de interceptar dados para proteger os estados e seus cidadãos de possíveis malfeitores. E neste caso como o poder de interceptar informação é uma atividade muito tentadora para pessoas sem escrúpulos que utilizam estas informações para beneficio próprio ou grupos de interesse, os direitos legais podem ser transformados invasões ilegais de privacidade. Uma solução é o uso de criptografia pelos usuários comuns na internet e no armazenamento de dados em seus computadores.

Outras questões como a censura previa a partir da suposição que suas comunicações estão sendo monitoradas e as relações da Internet com a politica e economia também são abordadas nas conversas que aconteceram na embaixada do Equador.

No fim do livro é discutida a importância sobre a consciência e conhecimento que os usuários da internet devem ter para proteger seus dados pessoais e os direitos de comunicação livre sem monitoração. Como frase final desta resenha o titulo de um dos capítulos do livro, "privacidade para os fracos, transparência para os poderosos".

Nestor Roqueiro
Fevereiro de 2013

A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização
Carlos Walter Porto-Gonçalves
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, 461 p.

Raramente tantos problemas relacionados aos assuntos que tratamos em nossa página são contemplados de forma tão profunda e didática quanto neste livro de Carlos Walter. Se em alguma oportunidade – nos diversos artigos publicados em revistas e congressos sobre CTS – nos queixamos sobre falta de bibliografia, creio que a partir deste livro precisamos repensar tal protesto. Uma verdadeira viagem que nos mostra todos os percalços dos países em desenvolvimento e as artimanhas embutidas em todos os processos econômicos, sociais e humanos nesta difícil relação entre os “desenvolvidos” e os “em desenvolvimento”.

Este livro deveria se constituir numa disciplina obrigatória para todos os cursos onde se pensa em formar profissionais, mas acima de tudo cidadãos. Muito mais nos cursos que pretendem trabalhar com a Educação Científica e Tecnológica formando professores para as novas gerações. A inter, multi e transdisciplinaridade do conteúdo deste livro me mostrou escancaradamente que CTS passa por isso: é impossível entender do “desenvolvimento” científico/tecnológico sem entender dos processos de dominação econômico e social processado pelos países do norte (principalmente) em relação aos países do sul.

Através da questão ambiental – mas que o autor sempre pontua ser decorrente da questão social – ele nos mostra que estamos diante de questões de claro sentido ético, filosófico e científico. Várias perguntas nos surgem à cabeça quando nos embrenhamos nesta leitura: que destinos dar à natureza, à nossa própria natureza de humanos? Qual o sentido da vida? Quais os limites da relação da humanidade com o planeta? O que fazer com o nosso antropocentrismo quando sabemos que, enquanto seres humanos, somos somente uma entre tantas espécies vivas de que nossas vidas dependem? Depois de ler as ideias deste geógrafo, dizer que a problemática ambiental é, sobretudo, uma questão de ordem ética, filosófica e política é se desviar de um caminho fácil que nos tem sido oferecido: o de que devemos nos debruçar sobre soluções práticas, técnicas, para resolver os graves problemas de poluição, desmatamento, erosão, fome.

Esta leitura me levou, com mais contundência, a ficar preocupado com o tipo de “educação” que nossa mídia transmite cotidianamente, através dos seus inúmeros especialistas em tudo a apregoar que o “custo Brasil” é decorrência apenas de maus gestores que estão acomodados no governo. Ou que a fome é decorrência do despreparo que nossos cidadãos têm com a sua formação profissional. Ou ainda com a péssima educação que disponibilizamos para nossos habitantes – no que concordo – mesmo sendo esta mídia, contraditoriamente, responsável por programas de péssima qualidade jogados dentro dos lares nos mais variados horários do dia. Lendo este livro notamos que os problemas são decorrentes de outras razões que precisam vir à tona principalmente dentro das escolas que formam os novos professores. Por isso meu contundente chamamento para que estes conteúdos sejam analisados em paralelos às coisas de caráter técnico nos currículos já ultrapassados da técnica neutra e não responsável por suas ações.

O caminho das soluções paliativas – que na maioria das vezes serve de mote para publicidades de excelente qualidade para justificar as próprias culpas deste capitalismo selvagem que atualmente vivemos – nos torna prisioneiros de um pensamento herdado que é, ele mesmo, parte do problema a ser analisado. Este livro nos ajuda a escapar das armadilhas dessas noções fáceis que nos são oferecidas pelos meios de comunicação de massa – noções essas das quais nós educadores somos também presas fáceis –, tais como “qualidade de vida” ou “desenvolvimento sustentável” que, pela sua superficialidade, preparam hoje, com toda a certeza, a frustração de amanhã.

Carlos Walter Porto-Gonçalves é doutor em geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense – dados constantes da terceira edição do livro em 2012. Foi presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000). É autor de vários livros neste mesmo direcionamento. Seguramente suas obras, mesmo não sendo colocado nelas explicitamente, nos ajudam a preparar nossos programas para entender CTS.

Aliás, ao terminar de ler “A globalização da natureza e a natureza da Globalização”, me senti impelido a escrever uma opinião para as páginas da OEI – que brevemente estará disponível aqui no nosso site – com o seguinte título: “Ao trabalhar CTS nos falta contundência?”. Eis uma pequena amostra da inspiração do livro que levei ao artigo:

“Ao resgatar algumas das opiniões da página da OEI, observei que a partir do ano de 2010 até 2012 muitas discussões, dúvidas, possibilidades e, acima de tudo, reflexões se voltaram para as questões relativas ao campo teórico-metodológico de como tornar CTS mais efetivo – principalmente no processo educacional. O professor Cerezo, em um de seus escritos, provocou uma profunda inquietação sobre o ativismo CTS que prontamente reforcei, em outra coluna, pela pertinência de seus argumentos. Para mim, não foi difícil tal postura porque a razão de Cerezo – como também de muitos outros que atuam na OEI – sempre foi compartilhada pelo nosso grupo, o NEPET (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica – www.nepet.ufsc.br) aqui no Brasil. E por ai segue meu raciocínio…

Depois de ler a obra de Porto-Gonçalves acho que tenho resposta para a pergunta que faço neste artigo. Preciso dizer mais alguma coisa?

Walter Antonio Bazzo
Fevereiro de 2013

Como os ricos destroem o planeta
Hervé Kempf
São Paulo: Globo, 2010, 146 p.

O jornalista Javier Salas, na Espanha, em seu comentário sobre o autor deste instigante livro o chama de o “Ecologista Indignado”. Não sei se eu o trataria assim, mas indubitavelmente o colocaria como um cidadão extremamente preocupado com a sociedade atual. Ele, de forma veemente, durante todo seu livro coloca a ecologia como diretamente dependente dos aspectos sociais. E mais, coloca os ricos – aqueles que detêm a grande parcela da riqueza gerada na Terra – como os grandes responsáveis por este estado de coisas.

Este francês, chamado Hervé Kempf, se dedica a indignar as pessoas através de seus livros quase que conclamando que elas se insurjam perante as inúmeras injustiças que, mais cedo ou mais tarde, podem destruir a humanidade. Ele é um jornalista que escreve no Le Monde há mais de 15 anos. A tese que Hervé defende – e pude ter isso muito claro depois de ler e reler sua obra – se assemelha muito a tudo aquilo que exaustivamente temos discutido no NEPET: por este caminho que vamos o planeta está condenado e são as classes dominantes (leia-se aqui as oligarquias) que impedem que este estado de coisas mude. Para o autor, todas as questões ecológicas – muitas vezes irrelevadas pelas grandes corporações – têm suas raízes nas questões socioeconômicas e, a partir desta análise, se centram nas consequências que a voracidade capitalista tem sobre o clima e o bem estar do planeta.

Nossos leitores atentos aos inúmeros livros que temos relatado nesta seção poderão sentir a similaridade de análise que muitos outros autores têm feito sobre o tema. Nossos artigos, opiniões e discussões em sala de aula não fogem também desta perspectiva. Mas ainda temos pouco eco junto àqueles que acreditam na competição, na produtividade e no consumo como os grandes precursores da felicidade humana, pouco se importando com as feridas produzidas na própria casa chamada Terra.

Mas seguimos com esta nossa descrição, não sem antes fazer um parêntese: por que então, pela importância do livro, somente agora ele está sendo comentado nesta página? Confesso que foi pelo excesso da fila e pela escolha de alguns romances para refrescar um pouco meu cérebro durante minhas horas de lazer. Mas, tenham certeza, ele não perdeu nem um pouco de sua atualidade.

Em suas indignações ecológicas, mas muito mais sociais, Kempf desfila verdades científicas – como a de que a Terra precipita sua sexta extinção massiva de espécies por culpa do homem –realidades humanas – como que os pobres são aqueles que mais sofrem com os efeitos das crises ecológicas – e até de anedotas repugnantes (comentário do jornalista Javier Salas) – a competição dos mais ricos para terem os iates mais longos e luxuosos – que fatalmente nos levam a uma pergunta inescapável: por que o sistema é obstinadamente incapaz de mudar?

Dentro desta lógica e procurando explicações, ele segue apontando sua indignação para cima dos megarricos e de suas rivalidades ostensivas na busca de, por conta do exibicionismos ou seja lá como isso possa ser chamado, suplantar seus pares.

Ele utiliza nestas suas reflexões uma nova “classe” para análises, que ele chama de “Nova Nomenklatura” – classe superior, políticos, diretores de empresas e altos funcionários… todos eles culpáveis pela falta de possibilidade de se dar alguns passos para trás na destruição do Planeta. Na sua afirmação mais forte ele defende com contundência que não apenas o frear do atual surto consumista é suficiente. É preciso um decrescimento para poder salvar-nos.

Para demonstrar com um pouco mais de profundidade a importância da leitura deste livro, principalmente para aqueles que lidam na educação tecnológica, me utilizo mais uma vez dos comentários do redator de ‘Materias’, Javier Sala:

Citando trabalhos das Nações Unidas, OCDE e de outros organismos internacionais, Kempf explica que o círculo virtuoso crescimento>riqueza>emprego>consumo>produção [aqueles que trabalham com CTS não veem semelhança com a forma ingênua de ver a sociedade atual?] se rompeu e caracteriza um desenvolvimento cada vez menos sustentável. Os recursos naturais se esgotam. “A busca pelo crescimento material é, para a oligarquia, a única forma de fazer com que as sociedades aceitem as desigualdades extremas sem questioná-las.” O crescimento cria, de fato, um excedente aparente de riquezas que permite lubrificar o sistema sem modificar sua estrutura, assegura o autor.

Ainda, segue o jornalista na sua análise do livro:

Portanto, os quinhentos milhões de pessoas que formam a classe média mundial, são aqueles que devem encaminhar um “decrescimento material”. “A única forma de você, eu ou qualquer outro aceita consumir menos matéria e energia”, explica Kempf, “é que o consumo material das oligarquias decresça severamente… Consumiremos menos e o planeta estará melhor e estaremos menos frustrados pela falta daquilo que não temos.” E se questiona: “O caminho está traçado. Porém os megarricos, a Nomenklatura vão nos permitir?”.

É importante ter em mente, principalmente depois da leitura deste livro – e muito bem assinalado na sua contra capa –, que o conforto que desfrutam hoje as sociedades ocidentais não deve dissimular a gravidade do momento. Ingressamos em um tempo de crise prolongada e de catástrofes latentes. Os sinais da crise ecológica podem ser vistos com nitidez, e a hipótese de uma catástrofe se torna cada vez mais realista. No entanto, dá-se pouca atenção, no fundo, a esses sinais. Eles não pesam sobre a política ou a economia. O sistema não vê como alterar a sua própria trajetória. Por quê? Porque não fazemos a relação entre a ecologia e a questão social

Tenho convicção que depois de ler este livro qualquer professor vai sentir que as variáveis da educação tecnológica são muito mais complexas que a linearidade de mais tecnologia, mais riqueza, mais justiça social. Livro imprescindível para quem aposta numa necessária mudança de trajetória.

Walter Antonio Bazzo
Janeiro de 2013